Essa semana me deparei com uma situação que me causou profunda estranheza – para não dizer perplexidade. Meu escritório tinha dois testamentos a encaminhar, e os clientes fariam sua última vontade por instrumento público. Comentei o fato com pessoas cuja função deveria pressupor amplo conhecimento a respeito – apenas mencionando testamentos a concretizar, sem entrar na privacidade dos clientes, mantendo o segredo que envolve questões de família.
Um dos testamentos continha deserdação. Situação jurídica prevista em lei, pouco comum, mas com previsão legal. No entanto, qual foi a minha surpresa ao receber a manifestação dessa pessoa de que eu não poderia encaminhar o testamento com deserdação porque “não se deserdava por Testamento”. Disse-me que isso seria uma providência judicial e não cartorária e que o titular da serventia não poderia se responsabilizar por deserdação.
Tentei explicar que, além da deserdação ser noticiada no testamento, ela somente se concretiza com uma sentença em processo judicial ordinário movido pelo herdeiro interessado na deserdação, no qual o deserdado poderá se defender. E que o tabelião não tem qualquer responsabilidade sobre a última vontade do testador. Observei que tudo posteriormente à morte será objeto de procedimento próprio judicial. Contudo, de nada adiantou.
Incrédula, argumentei citando o artigo 1814 do Código Civil que relata as causas da indignidade e que podem ser alegadas por qualquer herdeiro, seja legítimo (necessário ou facultativo) ou testamentário. E falei da deserdação, que é um ato privativo do testador que pretende afastar somente o herdeiro necessário da herança por uma das causas enumeradas nos Artigo 1962 e 1963. De nada adiantou. Alegou esse interlocutor que qualquer titular de cartorário pode se recusar a praticar atos que entenda não serem de sua alçada, e que não poderia ser coagido.
Ainda sem crer, exemplifiquei com o inc. III do Art. 1.963: “Se o filho tem relações ilícitas com a madrasta, o pai pode deserdá-lo por testamento, mas se ele não é deserdado por testamento, esse comportamento censurável não pode ser alegado como ato de indignidade em ação do outro herdeiro após a morte desse pai porque não é causa de indignidade, mas sim de deserdação privativa do autor da herança”.
Também não adiantou. Mas não parou aí. Foi feito mais um contato com outro Bacharel em Direito e resposta foi parecida: “não se pode fazer testamento com deserdação”. Um terceiro interlocutor também não via essa possibilidade, mas se propunha a “estudar o assunto”. Pasmem! Isso aconteceu!
No entanto, fez-se a Luz! O quarto interlocutor conhecia o Código Civil. Por consequência, não via impedimento algum (e nem poderia) no testamento público com deserdação! E o quinto, profissional ativo da área, esclarecido, se mostrou ainda mais perplexo em relação ao desconhecimento de bacharéis que deveriam dominar esse assunto. Da minha parte, já encaminhei e agendei ambos os testamentos públicos, sendo um com deserdação. Amém!
Maria Aracy Menezes da Costa
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