Um basta à violência doméstica
Maria Berenice Dias*
Acaba de entrar em vigor a Lei 11.340 – chamada Lei Maria da Penha – que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Foi recebida da mesma forma que são tratadas as vítimas que protege: com desdém e desconfiança. Como tudo o que é inovador, está sendo alvo de ácidas críticas. São apontados erros, imprecisões e até inconstitucionalidades. Nada mais do que injustificável resistência à sua entrada em vigor.
Por mais que se tente minimizar sua valia, é um passo significativo para assegurar à mulher sua integridade física, psíquica, sexual e moral. A autoridade policial deve instaurar inquérito. Havendo necessidade de medidas de urgência, em 48 horas é é remetida a juízo. O juiz pode afastar o agressor e reconduzir a ofendida ao lar; impedir que ele se aproxime da casa, fixando limite mínimo de distância; suspender visitas e fixar alimentos. Determina a restituição de bens, suspende procuração e proíbe a venda ou locação bens comuns. Quando a ofendida for servidora pública, tem prioridade à remoção ou, se trabalhar na iniciativa privada, é assegurada a manutenção do vínculo empregatício, por até seis meses.
Certamente o maior de todos os avanços foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal. O ideal seria que em todas as comarcas fosse instalado um juizado que contassem com uma equipe de atendimento multidisciplinar.
Claro que diante da realidade brasileira não há condições para o seu imediato funcionamento com essa estrutura. Mas é imperioso que os Tribunais os instalem. Enquanto isso não acontecer, ocorrerão sérios transtornos em termos de distribuição de processos e volume de trabalho. Cada denúncia pode gerar dois duas demandas: as medidas de urgência e o inquérito policial. Como é garantido o direito de preferência a estes processos, certamente os demais acabarão tendo sua tramitação comprometida, havendo o risco da prescrição.
Afastada a aplicação da Lei dos Juizados Especiais, as lesões leves e culposas decorrentes de violência doméstica são consideradas de pequeno potencial ofensivo. Só é possível renúncia à representação nos crimes contra a liberdade sexual – chamados equivocadamente como crimes contra os costumes, de ameaça e contra a honra.
Não cabe composição de danos ou a aplicação de pena não privativa de liberdade, sendo proibida expressamente penas de cesta básica ou multa. O Ministério Público também não pode propor transação penal. Claro que tal não significa que a condenação levará sempre o agressor para a cadeia.
Mas a finalidade da lei será alcançada se aplicado seu último dispositivo, que permite ao juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. Esta é a melhor maneira de dar um basta à violência contra a mulher.
Quando a vítima registra queixa contra quem ela ama e convive, o pai de seus filhos que provê o sustento da família, sua intenção não é que ele seja preso e nem quer a separação. Deseja que a agressão cesse. Tomara que agora a denúncia não ocorra quando estiver cansada de apanhar, mas quando da primeira agressão. Só isso fará reduzir o número de mulheres violadas e violentadas, que calam porque alimentam o sonho de viver em um lar doce lar!
* Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.