Sociedade

“Desigualdade no acesso à Justiça no Brasil”.

 

 

Não são poucos os comentários e conversas de salões, em festas, barbeiros, táxis etc. E a conclusão é sempre a mesma. Rico não vai para a cadeia. Cadeia é só para pobre! É meia-verdade.

 

De uns 6 anos para cá, a coisa tem mudado. Hoje, alguns ricos também vão, embora não fiquem por muito tempo, para a cadeia. Exemplos? Juiz Nicolau, os Malufs, o banqueiro Edmar Cid Ferreira, o ex-Vereador Vicente Viscome, o empresário Comendador João Arcanjo Ribeiro, Suzane Richthofen, e outros.

 

Trata-se de um fenômeno que pode ser chamado de “Revolução intelectual”. É lento, leva algumas gerações, mas quando se sedimenta, reforma o pensamento da população, atingindo a consciência do exercício da cidadania, e a sociedade muda, torna-se mais justa.

 

Além dos investimentos no âmbito social, já muito explorados e sempre à tona em época eleitoral, favorecem, se efetivadas, as mudanças a médio e longo prazo. Ensino básico, empregos, saúde, transporte e moradia. Sempre os mesmos que proporcionam mínima qualidade de vida aos cidadãos. Mas podemos referir também aquelas mudanças no aspecto jurídico-penal. Nada difícil concluir que aquele que pode pagar pelo caro trabalho de advogados, às vezes equipes de vários profissionais, têm mais acesso à justiça. Isto porque eles se valem especialmente das fissuras do arcaico sistema processual penal brasileiro, projetado para a década de 1940. São basicamente quatro as providências necessárias, e eu diria, urgentes:

 

Em primeiro lugar, e para mim o ponto mais importante, é a investigação criminal, cuja deficiência causa precariedade para todo o processo penal. Desde 1974 a Alemanha, sempre ela, reformou o seu sistema processual penal. Passou a atribuir ao Promotor de Justiça a direção da investigação criminal, – a ponto de lá se referir que o Promotor de Justiça é “o senhor da investigação criminal”. A reboque vieram as reformas dos sistemas processuais penais de Itália, Portugal, Espanha, países escandinávios e, de forma geral, de todo o mundo ocidental. Mas no Brasil, loobies fortíssimos da Polícia e da OAB, e, incrivelmente, de parte do Judiciário, ainda conseguem defender investigação criminal feita somente pela Polícia. Basta referir que no mundo – apenas Quênia, Uganda e Indonésia contemplam sistemas de investigação criminal feita exclusivamente pela Polícia, todos os demais países do mundo mantém sistemas com a direção do Ministério Público, sempre que o Promotor entender necessário e/ou conveniente. Preciso dizer mais? Então refiro que a Itália somente conseguiu vencer as Máfias (Crime organizado) entregando ao Ministério Público “super poderes” de investigação criminal, e assim desencadeando a famosíssima operação “mãos limpas”. Nos sistemas mais avançados do mundo, Alemanha e Itália, por exemplo, o Promotor de Justiça, em caso de urgência, pode determinar prisão temporária, e escutas telefônicas (que depois devem ser confirmadas pelo Juiz), e servem para que não se perca provas em situações específicas. Então porque o Congresso Nacional não edita logo a alteração no Código de Processo Penal, para acabar de uma vez com essa polêmica? Senhores congressistas, basta olhar para o mundo e atender a sociedade, que clama por essa providência! Querem vencer o crime organizado, esse é o primeiro e mais importante passo.

 

De outro lado, a mudança do próprio processo penal já é igualmente inadiável. Os ritos permitem incontáveis manobras. Se o Advogado encontra dificuldade na defesa do mérito, procura dificultar o andamento do processo. Com o decurso do tempo, as provas acabam se enfraquecendo. Testemunhas não são localizadas, laudos técnicos tornam-se menos precisos etc. O processo criminal não pode caminhar ao sabor dos ventos soprados pelos Advogados. Deve ser expresso, rápido, direto e objetivo.

 

A punição severa para os criminosos violentos e de “colarinho branco” é providência também irrebatível. Aliás, cadeia é para gente rica. Se a pena tem duplo caráter, punição e ressocialização, apenas os pobres carecem deste segundo aspecto, porque pouco ou nada tiveram de oportunidades. De que ressocialização carecem aqueles ricos, que já se encontravam perfeitamente integrados à sociedade, e mesmo assim praticaram os crimes? Tinham emprego, posição social, dinheiro, e preferiram, por qualquer motivo, o caminho da criminalidade. Nenhuma. Para estes, tão somente a merecida punição – o cárcere e a perda dos bens adquiridos com os delitos. Os pobres, aqueles que pouco ou nenhuma oportunidade tiveram na vida, a estes sim, o maior esforço do Estado para se redimir e promover-lhes a ressocialização, além da punição, quando necessária, na justa medida cabível.

 

Por fim, a fixação de regime de pena mais rigoroso para aqueles criminosos de maior periculosidade, como nos casos de crime organizado com ações violentas, revela-se igualmente indissociável. Já não resta qualquer dúvida de que “só cadeia” comum não se afigura suficiente, pois as falhas constatadas no sistema prisional comum mostraram como eles prosseguem no comando e na articulação das ações criminosas. É preciso construir mais cadeias de segurança máxima, e ali alojá-los. Aos violentos, a cadeia serve especialmente para de suas ações proteger a sociedade.

 

Com estas mudanças penais e processuais penais, não tenho dúvidas que a desigualdade entre investigados e acusados de diferentes situações sócio-econômicas diminuirá sensivelmente, e veremos um País mais justo.

 

 

* Marcelo Batlouni Mendroni, Promotor de Justiça/SP do GAECO – Doutor em Direito Processual pela Universidad Complutense de Madrid

Como citar e referenciar este artigo:
MENDRONI, Marcelo Batlouni. “Desigualdade no acesso à Justiça no Brasil”.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/qdesigualdade-no-acesso-a-justica-no-brasilq/ Acesso em: 26 jul. 2024