Meu amigo Frias
Ives Gandra da Silva Martins*
Passados os primeiros dias em que a “ausência da presença” é mais silenciosamente perturbadora, venho escrever sobre o meu amigo Octavio Frias de Oliveira, cuja amizade, nos últimos 25 anos, serviu-me de permanente lição de vida.
Quando jovem estudante de direito, um médico panamenho levou os originais de meu primeiro livro de poesias (Pelos caminhos do silêncio) para o poeta Manoel Bandeira, que escolheu dois versos para que fossem transcritos na capa de sua primeira edição. “Espera. O tempo passa. E, um dia, o tempo fica”. Agradeci, sensibilizado, ao cirurgião, que conhecera uma semana antes, e perguntei-lhe a razão do interesse por pessoa com quem convivera tão pouco. Ele me respondeu “a amizade independe do tempo e do espaço, nasce num minuto ou não nasce nunca”.
Nossa amizade nasceu assim. Num momento e tenho certeza –porque acredito na vida eterna perdurará além do espaço e do tempo. Nesta vida de permanente espera, em que o tempo sempre passa até um dia ficar para sempre, seguimos um caminho de fraternidade, em que por ser mais velho, ele era mais o mestre e eu mais o discípulo.
Com o correr dos anos, a morte vem abrindo vagas definitivas entre meus grandes amigos. Morreram meu pai, Roberto Campos, Oscar Corrêa, Miguel Reale, Meira Mattos e agora Frias.
Dos seis grandes exemplos, a estrada da eternidade não me deixou nenhum. Devem estar, ao lado de Deus, aguardando que o Senhor do Tempo defina o dia que os verei de novo.
Frias foi, sem dúvida alguma, um jornalista singular. Não se dizia jornalista, mas, com sua objetividade, precisão, bom senso, serenidade e gestos cordiais, era o jornalista, por excelência, da Folha.
Quantas vezes, nos períodos da redemocratização, na presença de seus filhos, discutíamos questões e sua palavra final representava o consenso, habilmente conduzido por seu talento invulgar de comandar, sem fazer seu comando perceptível.
O episódio da invasão da Folha foi paradigmático. Naquela noite, quando todas as tentativas de obter solidariedade expressa de outros meios de comunicação falharam, a frase pronunciada ao decidir que a Folha não se curvaria ao arbítrio “Ou seremos todos presos ou reverteremos o crescente e inaceitável autoritarismo” marcou a história do Brasil. Todos nós –lembro-me estar presentes, entre outras poucas pessoas, Octavio Frias Filho, José Carlos Dias, Luís Francisco, meu assistente Antonio Carlos Rodrigues do Amaral- acatamos, sem discutir, sua decisão.
Já me manifestei, em artigos, aulas e conferências, mais de uma vez, estar convencido que aquela sua corajosa e patriótica posição, permitiu que o Brasil retornasse ao processo democrático, seriamente ameaçado na primeira semana do Governo Collor.
No curso destes 25 anos, não poucas vezes, concordamos em matérias que, em seu próprio jornal, os mais fiéis colaboradores discordavam. Alma aberta e verdadeiro democrata, todavia, jamais influenciou ou procurou cercear a absoluta liberdade que seus jornalistas sempre tiveram no expor idéias ou relatar fatos, apenas exigindo rigoroso estudo dos acontecimentos para que a “verdade verdadeira “ e não “a fantasiada” fosse veiculada pelo jornal.
Disse-me sempre que gostaria de ter fé, mas não conseguia, por mais que desejasse. Dizia-se um agnóstico. E eu lhe retrucava que, por ser um homem justo, tinha a certeza que chegaria às portas do Senhor, pois a justiça era a virtude maior dos sábios.
Frias era um sábio, no universo em que viveu e, certamente, sua esposa, filhos, netos e amigos sentirão enormemente sua falta. Tenho certeza, entretanto, que onde está, vela por todos os seus, familiares e amigos, que ainda caminham por esta vida.
* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br
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