Corte de energia
Kiyoshi Harada*
Nem todas as medidas baixadas pelo pacote energético, através da Medida Provisória nº 2.152-2, de 1º de junho de 2001, tornaram-se inquestionáveis em face da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, com efeito erga omnes, nos autos da ação declaratória de constitucionalidade de nº 9/2001, intentada pelo governo federal.
Não se pretende discutir aqui o mérito da decisão daquela Corte, mas, interpretar o seu alcance e conteúdo.
Como não poderia deixar de ser, a Corte Suprema limitou-se a acolher o pedido de reconhecimento de constitucionalidade da sobretaxa e do corte de energia para o consumidor que ultrapassar a meta estabelecida no art. 14 da MP nº 2.148/2001, ou aquela vier a ser estabelecida pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.
A decisão do Excelso Pretório Nacional não implicou a supressão do princípio do devido processo legal, nem do princípio do contraditório e da ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, que estão esculpidos nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal.
Referidos princípios constituem direitos fundamentais, protegidos por cláusula pétrea e que não podem ser suprimidos nem mesmo por meio de Emendas Constitucionais, consoante expressa proibição estabelecida no inciso VI, do § 4º, do art. 60 da CF. Dessa forma, o consumidor, em o querendo, poderá apresentar impugnação dirigida à concessionária, assim que receber a carta contendo advertência de suspensão do fornecimento de energia de que cuida o § 2º do art. 14 da indigitada Medida Provisória. Da mesma forma, ele poderá impugnar o valor da sobretaxa, vedada, numa e noutra hipótese, a invocação de inconstitucionalidade dessas medidas.
As impugnações são possíveis, porque o critério estabelecido pela Medida Provisória, para apuração da média de consumo de energia (consumo dos meses de maio, junho e julho de 2000), é por demais genérico, não representando a média real de consumo, em determinado trimestre, para muitos consumidores. Aqueles que viajaram no mês de julho, por exemplo, em virtude de férias escolares, foram prejudicados pela inclusão desse mês no trimestre considerado. Em relação às habitações novas, posteriores a julho de 2000, cabe à concessionária considerar qualquer período trimestral dentro dos últimos doze meses segundo a delegação outorgada pelo Medida Provisória em questão. E se a habitação tiver menos que doze meses? Qual seria o critério? Seria aquele que viesse na cabeça do burocrata da concessionária? Ninguém o sabe, pois, o legislador palaciano nada adiantou a respeito. E mais, existem casos em que no trimestre considerado houve menos consumo de energia, por “n” motivos alheios à vontade do consumidor. Exemplos: danificação dos equipamentos eletrodomésticos como freezer, geladeira, máquina de lavar louça, máquina de lavar roupas, secadora, televisão etc. Há, ainda, a possibilidade de defeitos nos relógios instalados pela concessionária, acarretando medição maior do que a energia efetivamente consumida.
Enfim, as dificuldades são enormes e de toda ordem.
Por tais razões, não se pode suprimir o fornecimento de energia e nem cobrar a sobretaxa, na verdade, receita derivada, sem a observância do contraditório e da ampla defesa, como se a legislação palaciana em tela tivesse instituído um critério perfeito, impecável, justo e infalível.
SP, 03.07.01.
* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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