As caixas da OAB
Fernando Machado da Silva Lima*
06.12.2003
Em resposta ao meu artigo “Os Convênios da OAB”, publicado no jornal O Liberal de 21.08.2003 e, posteriormente, no Informativo Adcoas de novembro, o Ilustre Presidente da OAB/São Paulo, Carlos Aidar, disse que fiz “afirmativas errôneas, deturpando fatos que são públicos”, e tentou, a seguir, justificar o convênio de assistência judiciária, que emprega 40.000 advogados, remunerados pelo Estado com verbas da taxa judiciária, e também a inexistência, até esta data, de uma Defensoria Pública, que há muito já deveria ter sido criada, se fosse cumprida a norma da Constituição de 1988. Disse o Dr. Aidar que a OAB não tem qualquer culpa pela demora na instalação da Defensoria, “uma vez que esta decisão é prerrogativa exclusiva do Poder Público Estadual”.
A Procuradoria do Estado de São Paulo, através da Dra. Mariângela Sarrubbo, responsável pela área da assistência judiciária, também tentou justificar a demora – de quinze anos – na instalação da Defensoria, tecendo longas considerações a respeito do funcionamento da Área de Assistência Judiciária da PGE, da população e da extensão territorial do Estado de São Paulo, além da necessidade do atendimento aos direitos fundamentais do cidadão, dentre os quais está o direito de acesso à justiça.
Fiquei extremamente lisonjeado, pelo simples fato de que essas duas autoridades procuraram contestar o meu artigo. Não resta dúvida de que, como afirma o Dr. Aidar, “assegurar direitos aos mais pobres e desvalidos é um grande desafio em um país de desiguais, nem sempre bem compreendido”. No entanto, o art. 134 da Constituição Federal de 1988 determinou que compete à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, e a Lei Complementar nº 80/94 fixou o prazo de seis meses para que os Estados organizassem as suas Defensorias. Por essa razão, e porque a Constituição Federal é o Estatuto da Federação, devendo ser respeitada pelos Estados-membros, acredito que não procedem, absolutamente, os argumentos do Dr. Aidar e da Dra. Mariângela. A Constituição Federal garante aos carentes o direito à assistência judiciária, sim, mas também determina a instalação das Defensorias Públicas. Não existe qualquer justificativa, portanto, para que até hoje não tenha sido instalada a Defensoria Pública em São Paulo – ou em Santa Catarina e Goiás -, nem para que a OAB tenha preferido assinar esse Convênio, em vez de exigir a imediata instalação da Defensoria, com a realização dos concursos públicos, como seria de sua obrigação, nos termos do art. 44 de nosso Estatuto. Não é possível, simplesmente, alegar que os pobres têm direito à assistência judiciária, e esquecer, durante quinze anos, que essa é, exatamente, a missão da Defensoria Pública.
Quando a OAB insiste em não se sujeitar a qualquer controle, conforme tem ocorrido nos últimos cinqüenta anos, costuma afirmar que é uma autarquia, sim, mas uma autarquia especial, que não recebe tributos, não recebe verbas públicas, e não está vinculada à administração pública. No entanto, em São Paulo, de acordo com a Lei nº 5497/86, a Caixa de Assistência dos Advogados (CAASP), recebe 7,5% da arrecadação proveniente das custas judiciais, e ainda 5% da “taxa de mandato”, criada pela Lei 10.394/70, correspondente a 2% do salário mínimo, e que deve ser paga sempre que é juntada ao processo a procuração do advogado, enquanto que a Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo, administrada pelo IPESP, recebe 15% das custas e 15% da “taxa de mandato”. Em São Paulo, portanto, os advogados recebem e se aposentam com o dinheiro público, sem que a OAB seja uma autarquia, e sem que eles sejam, evidentemente, servidores públicos!!! Em entrevista à imprensa, o presidente da CAASP disse que recebeu seis milhões de reais a título de custas judiciais, mas que esse repasse deve ser considerado legal, enquanto a Justiça não afirmar o contrário.
Se a OAB não é uma autarquia, se não pode estar vinculada ao Estado, se não está sujeita a qualquer controle, como se explica que ela possa receber milhões, provenientes do pagamento das custas judiciais, para a concessão de aposentadoria aos advogados? Quando alguém contrata um advogado, já se responsabiliza pelo pagamento dos seus honorários, não havendo qualquer razão para que lhe sejam cobradas taxas destinadas à Previdência da OAB. Além disso, qual seria a contraprestação recebida pelo contribuinte, para que essas taxas pudessem ser exigidas? Ou será que eu estou, mais uma vez, fazendo afirmativas errôneas, e deturpando fatos que são públicos e notórios? Estou certo de que o Dr. Aidar deverá ter uma boa explicação para o repasse da taxa judiciária.
Felizmente, o presidente eleito da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D’Urso, que tomará posse em janeiro de 2004, já prometeu, em entrevista na Folha de São Paulo, do dia 29 de novembro, que toda vez que for criado um novo tributo sobre o qual houver suspeita de ilegalidade, a OAB irá debater o assunto e, se for o caso, promoverá ações judiciais para impedir a sua cobrança. Vamos esperar que eles acabem, finalmente, com esse repasse da taxa judiciária, embora não se trate, no caso, nem de um novo tributo, nem de uma simples suspeita.
* Professor de Direito Constitucional
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