Sociedade

A raposa e as uvas azedas de Roraima

A raposa e as uvas azedas de Roraima

 

 

Mario Guerreiro

 

 

O imbroglio da reserva indígena Raposa Serra do Sol vem de longa data. Primeiramente, uma canhestra decisão da ONU resolveu decretar que tribos são “nações”. Ora, o conceito de nação implica unidade territorial e soberania. Se tribos são consideradas nações, elas têm de possuir ambos os atributos.

 

Como a Constituição de 1988 incorporou essa demagógica tolice colossal, as tribos indígenas brasileiras passaram a ser consideradas nações, o que entra em gritante contradição com seus membros serem tutelados pelo Estado brasileiro ou, caso aculturados, receberem atendimento da FUNAI.  Ora, se são tutelados e/ou com direito a atendimento, como podem ser cidadãos de outra nação? E se as tribos indígenas são de  de jure nações, as reservas deixam de ser reservas e passam a ser outras nações encravadas dentro do território nacional brasileiro.

 

Isto é uma complicação pior do que a da antiga Prússia Oriental separada da Prússia Ocidental por uma extensa fatia do território da Polônia, ou do Estado de Israel com enclaves de tribos de palestinos espalhadas em seu território, sob o nome de uma pretensa Autoridade Palestina, esta patrocinadora de terroristas fundamentalistas.

 

No caso específico da Raposa, ela é habitada somente por 19.000 índios, mas possui um território maior do que o da Bélgica. Quando foi feita a demarcação do mesmo foi apresentada a pífia alegação de que os indígenas eram nômades e viviam da caça. De fato, este era o caso da maior parte das tribos brasileiras na época da colonização e nos romances indianistas e saudosistas do século XIX. Acontece que há muito tempo os membros das tribos da Raposa foram aculturados, adotaram o sedentarismo e abandonaram a vida de caçadores, mesmo porque nas redondezas a caça está cada vez mais escassa.

 

 A Raposa ocupa parte da fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana e possui destacamentos militares brasileiros, com mais de 80% dos soldados nativos da Amazônia. Pode-se entender isto como uma concessão dos indígenas, uma vez que eles – como membros de uma nação – possuem soberania sobre seu território e poderiam expulsar os militares de outra nação, no caso: o Brasil. No entanto, até agora – por mera ignorância ou esperta conveniência – eles não fecharam a fronteira com o estado de Roraima: limitaram-se a cobrar pedágio de ocasionais visitantes.

 

Além disso, a Raposa possui propriedades de agricultores brasileiros, mais especificamente de arrozeiros, alguns dos quais fixados na terra desde o século XIX e que fornecem empregos aos índios.

 

Ora, no momento em que o cacique quiser pode expulsá-los como indesejáveis estrangeiros e eles não terão nenhuma defesa legal, pois a legislação brasileira não pode ser aplicada numa outra nação, a não ser ferindo gravemente a soberania nacional dest’outra nação.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal foi provocado e teve que tomar uma decisão sobre a continuidade ou descontinuidade do território da Raposa. Sinceramente, essa nos parece uma questão esdrúxula. Se o território de uma nação foi demarcado, é óbvio que ele é contínuo. Caso não fosse, isto teria que ser estabelecido quando da demarcação. De acordo com o conceito jurídico e político de nação, o que é regra é a continuidade territorial, a descontinuidade é que é exceção. Há poucos casos como o das duas Prússias…

Mas deixemos isso de lado. Reunido o STF, oito ministros declararam-se favoráveis à continuidade, mas como dois ministros pediram mais tempo para pensar, o Presidente Gilmar Mendes suspendeu a sessão.

 

O ministro Carlos Alberto Direito, embora tenha aceitado a continuidade, fez 16 ressalvas, entre elas as de que os índios não poderiam impedir a presença e as atividades dos militares brasileiros na região, não podiam explorar e comerciar minerais valiosos, não podiam impedir a abertura de estradas no território da Raposa, não podiam cobrar pedágio nas estradas, etc.

 

Essas e outras ressalvas feitas pelo ministro Direito nos parecem sábias e oportunas, dignas mesmo de um bom legislador – coisa que infelizmente o referido ministro não é – , porém cremos que não poderão entrar em vigência.

 

Se a Raposa é uma nação, seus habitantes não são brasileiros: são raposeiros. Se a Raposa é uma nação, ela é possuidora de soberania nacional e cabe a ela – e somente a ela – decidir o que fazer dentro de seu território, inclusive permitir a presença de ONGs européias neste mesmo território, que promovam acampamentos para as FARC, extraiam madeira e minerais valiosos, criem bases para terroristas fundamentalistas, etc. E, caso as forças armadas brasileiras penetrarem em território da Raposa sob qualquer alegação, estarão violando as fronteiras de uma nação soberana e contando, assim, com o severo repúdio da ONU – este ninho de terceiromundistas financiados por Tio Sam – alardeado aos quatro cantos do mundo globalizado.

 

Será preciso acrescentar mais alguma coisa, para deixar bem claro o imbróglio criado pela Constituição de 1988, bem denominada “a Constituição dos Miseráveis” por Ulysses no País das Maravilhas?! Ô louco, meu! Trem doido, sô! ‘Tá variando, meu rei!

 

Após essa inenarrável sessão, O Supremo voltou a se reunir novamente e acabou decidindo pela continuidade, com ilustre voto vencido do ministro Marco Aurélio de Mello – e com os aplausos de dona Sensatez! -, bem como com as ressalvas feitas pelo ministro Carlos Alberto Direito cujo oportuno e correto das mesmas é indiscutível.

 

Porém, ao tomar a referida decisão, o Supremo violou aberta e claramente a própria Constituição, pois sua atribuição constitucional não é fazer leis, porém preservar o estrito cumprimento da Carta Política, a Lei Maior do País.

 

Ah! Se Montesquieu ressuscitasse e visse o que está acontecendo num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Ele ficaria de olhos esbugalhados e cabelos em pé!

O Poder Legislativo padece de uma profunda letargia e só produz escândalos corporativistas, além de julgar mediante CPIs e CPMIs, o Poder Executivo legisla mediante as autocráticas medidas provisórias e, finalmente, o Judiciário acabou fazendo leis e ocupando, abusivamente, a lacuna deixada pelo Legislativo.

 

Diante disso, o País acabou se transformando na folclórica Casa da Mãe Joana!

 

        

         apêndice I: os perecis pareciam, mas não eram felizes

 

Vi na televisão uma reportagem simplesmente patética: os índios parecis estão dirigindo uma plantação de soja extremamente produtiva. Até aqui, tudo bem: muito melhor ser fazendeiro do que morrer de fome e doenças.

 

Acontece que os ambientalistas estão criando problemas, a FEEMA levantou questões relativas à preservação ambiental e o Ministério Público pediu para rever o contrato dos índios com o governo federal.

 

Mas, apesar de os índios venderem o que plantam em larga escala e se beneficiarem do fruto de seu trabalho, uma antropóloga rousseauniana, fervorosa adepta do culto do “bom selvagem”, meteu sua cara na TV e disse estar horrorizada pelo fato de os silvícolas terem sido contaminados pela cultura dos brancos, pois, além de seus jipes e tratores, em suas casas eles possuem computador, televisão, geladeira, entre outras detestáveis coisas supérfluas da “sociedade de consumo” que a mesma antropóloga certamente possui em sua casa.

 

Jamais passou pela cabeça doentia de J.J.Rousseau o sucesso que ele faria entre (des)governantes e intelectualóides da América Latina. [a este respeito vide C. Rangel: Do bom Selvagem ao Bom Revolucionário, Brasília, EDUNB].

 

      

   apêndice II: e a paz foi destruída pelo belicoso homem branco

 

Uma vez fui convidado a participar de um debate promovido pela UNESCO sobre a tolerância. Quando cheguei ao auditório, um silvícola aculturado deitava sua falação mais ou menos nestes termos: “Índio no Brasil vivia bem. Chegou português, desgraça, guerra, não mais paz.”

 

De fato, nossos índios eram extremamente felizes e pacíficos. Tapuias fazendo guerras e mais guerras com tamoios, tupinambás comendo os bravos tupiniquins caídos em sangrentas batalhas, carijós abrindo a cabeça de patachós com golpes de borduna Era a melhor exemplificação do estado natural do sereno Thomas Hobbes em que vigia a bellum omnium contra omnes. [leituras complementares recomendadas: Paul Johnson: Os Intelectuais, Editora Imago, Rio – especialmente o capítulo: “Rousseau, um louco muito interessante”. Thomas Hobbes: Leviatã, coleção Os Pensadores, Editora Abril Cultural, São Paulo].

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mario. A raposa e as uvas azedas de Roraima. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-raposa-e-as-uvas-azedas-de-roraima/ Acesso em: 19 jan. 2025