A OAB está Indignada, e Nós Também
Fernando Machado da Silva Lima*
17.06.2008
No Bom Dia Brasil de hoje, em reportagem referente ao protesto dos moradores de uma favela do Rio de Janeiro, contra a atuação das tropas do Exército, e mais especificamente relacionada com o envolvimento de onze militares no crime do Morro da Providência, quando três jovens foram mortos por traficantes, o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, declarou:
“A OAB está indignada e está protestando. Está demonstrando que um Estado democrático de direito não convive com a força, não convive com o crime, principalmente se esse crime é cometido por quem tinha o dever de guardar e de dar a segurança. É uma inversão de valores que nós não podemos aceitar”.
Francamente, quando à indignação, não resta dúvida de que ela é inteiramente justificada. É evidente que o Estado precisa combater o crime, e “principalmente se esse crime é cometido por”… um de seus agentes, “principalmente se esse crime é cometido por”… uma autoridade, “principalmente se esse crime é cometido por”… alguém que teria o dever de cuidar da segurança do Estado. Nunca, evidentemente, por “quem tinha”…
Da mesma forma, todos devem demonstrar a sua indignação. A OAB deve ficar indignada, não resta dúvida. Os dirigentes da OAB têm todo o direito de demonstrar a sua indignação. Aliás, seria interessante que eles se preocupassem, também, com as questões que mais diretamente se relacionam com a sua atuação institucional.
Por exemplo, com os convênios inconstitucionais, que permitem a contratação, pelo Estado, de 50.000 advogados, em São Paulo; de 5.000 advogados, em Santa Catarina, e de muitos outros, em diversos Estados e municípios, para o desempenho de atribuições privativas da Defensoria Pública. A esse respeito, encaminhei requerimento à OAB federal, solicitando um parecer sobre a constitucionalidade dos convênios de assistência judiciária, e até hoje, sete meses depois, ainda não obtive qualquer resposta. O requerimento está na internet: http://www.profpito.com/OABFEDERALREQUERIMENTODEFENSORIAS.html
Por exemplo, também, com a apuração das denúncias de envolvimento, com as fraudes no Exame de Ordem, de alguns de seus Conselheiros, em Goiás, no Distrito Federal, em São Paulo, etc., porque nada mais foi divulgado a esse respeito, e não se sabe quais as providências que teriam sido tomadas, pelos dirigentes da OAB. Aliás, depois de mais de trinta anos, os meus artigos deixaram de ser publicados pelos jornais de Belém. A nossa imprensa costuma divulgar, quase com exclusividade, o “discurso” dos dirigentes da OAB, em defesa do Exame de Ordem, sem permitir a divulgação das opiniões jurídicas divergentes. A esse respeito, o meu último requerimento, dirigido à OAB/PA, há quase um ano, também não mereceu qualquer resposta, nem qualquer providência em defesa do direito fundamental da liberdade de manifestação do pensamento. Esse requerimento também está na internet: http://www.profpito.com/oabrequelibermanifes.html
Por exemplo, também, com a “Carteira dos Advogados”, do IPESP, ou seja, do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, que desde o Governo Jânio Quadros garante aposentadorias e pensões aos advogados, hoje 35.000 mil, aproximadamente, como se fossem eles servidores públicos, e não profissionais liberais. Recentemente, com a extinção do IPESP e a criação da SPPREV, os dirigentes da Ordem estão defendendo os “direitos” dos advogados beneficiários dessa Carteira. Respaldados, aliás, em brilhante parecer de um ilustre jurista: http://www.oabsp.org.br/ipesp/pareceres/parecer-adilson-abreu-dallari-fornecido-a-aasp/
Por exemplo, também, com o novo convênio, que está surgindo no Rio Grande do Sul, para “beneficiar” os advogados e os seus familiares, nos moldes da “Carteira dos Advogados” paulista: http://www.jornaldaordem.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=10864
Os dirigentes da OAB têm todo o direito de demonstrar a sua indignação, não resta dúvida. No entanto, seria também muito melhor se eles, como as operadoras de tele-marketing, dissessem: “a OAB vai estar indignada”, ou “a OAB vai estar ficando indignada”. Ou, mais simplesmente: “a Ordem está indignada”.
O que não é possível, e eu sempre chamo a atenção dos meus alunos a esse respeito, é essa promiscuidade, entre a sigla OAB e o verbo estar.
Mas, além disso, além dessa observação ligada apenas à pureza do vernáculo, deve ser dito, também, que os dirigentes da OAB precisam ter mais cuidado, em especial, com a correção jurídica de suas manifestações.
Recentemente, o mesmo ilustre advogado defendeu a aprovação de um projeto de lei, do senador Valter Pereira (PMDB-MS), que prevê que o candidato a procurador ou a magistrado “só poderá prestar a prova do concurso depois de comprovar ter cinco anos efetivos de atividade advocatícia”, e isso foi noticiado na página da OAB federal:
http://64.233.169.104/search?q=cache:LIz8ubsobZcJ:www.oab.org.br/noticia.asp%3Fid%3D13176+valter+pereira+cesar+britto+oab+federal&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=5&gl=br
Atualmente, de acordo com o art. 93, I, da Constituição Federal, o bacharel em Direito, para se candidatar ao ingresso na carreira da magistratura, precisa ter, no mínimo, três anos de atividade jurídica, e o mesmo requisito é exigido, também, para o ingresso na carreira do Ministério Público, de acordo com o §3º do art. 129.
Não desejo entrar no mérito dessa exigência, criada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2.004. Também não desejo comentar o mérito da proposta, divulgada na página da OAB federal, de que sejam exigidos cinco anos de efetiva atividade advocatícia, para os candidatos a juiz ou a promotor. Também não sei se, em breve, os dirigentes da OAB defenderão essa exigência até mesmo para os candidatos aos cargos legislativos e executivos, nas três esferas de poder de governo. Talvez eles possam imaginar que os advogados poderiam elaborar leis melhores e poderiam, também, aplicá-las com maior propriedade, na administração pública…
Dessa forma, se chegarmos a esse ponto, as duas funções básicas do Estado, a função de criar a lei, que pertence ao Legislativo, e a função de aplicar essa lei, que compete ao Executivo, administrativamente, e ao Judiciário, contenciosamente, seriam todas exercidas por advogados, e talvez os nossos problemas estivessem todos resolvidos.
Mas o problema, agora, está na proposta, defendida pelo Senador e pelo Presidente da OAB, porque se a Constituição exige três anos de atividade jurídica, em seus arts. 93, I e 129 §3º, essa exigência somente poderia ser modificada, para cinco anos de atividade advocatícia – e qualquer aluno da segunda série dos nossos cursos jurídicos sabe disso -, através de uma emenda constitucional, aprovada em dois turnos, por 3/5 dos votos dos deputados e dos senadores, de acordo com o rito previsto no art. 60 da Constituição Federal.
A nossa Constituição é rígida, porque exige, para a sua reforma, um processo especial. Por essa razão, ela não poderia sofrer uma alteração, como a que foi noticiada na página da OAB federal, através de um simples projeto de lei, apresentado por um senador, e aprovado pela maioria simples, ou relativa, dos senadores e dos deputados, para ser posteriormente sancionado pelo Presidente da República – o que não existe para a emenda constitucional, que não depende da sanção presidencial.
Portanto, os dirigentes da OAB têm todo o direito de demonstrar a sua indignação. Mas ela deve ser coerente com os seus próprios atos, e deve ser corretamente manifestada. Se isso for feito, será muito salutar que a Ordem esteja indignada.
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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