Direito Penal

A regra da obrigatoriedade da Ação Penal Pública e as suas exceções no Direito Brasileiro

A REGRA DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA E AS SUAS EXCEÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO[1]

                                                           Como se sabe, uma das regras aplicadas à ação penal pública é a da obrigatoriedade, expressamente prevista no art. 24 do Código de Processo Penal e no art. 129, I, da Constituição Federal: havendo justa causa (indícios suficientes – e não meros, da autoria e demonstração inequívoca da materialidade da infração penal), estando presentes os pressupostos processuais e as “condições da ação” (como ensinou à Escola Paulista, equivocadamente, Enrico Tulio Liebman), impõe-se (como dever de estado) ao Ministério Público o exercício da ação penal (veja-se o art. 394 do Código de Processo Penal).

                                                           Contudo, esta regra comporta três exceções no Direito brasileiro, a saber:

                                                           A primeira, trata-se da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº. 9.099/95 (procedimento sumariíssimo para as infrações penais de menor potencial ofensivo – art. 98, I da Constituição Federal).

                                                           Com efeito, não tendo tido êxito a composição civil dos danos, ou, ainda que o tenha, tratando-se de ação penal pública incondicionada, será aberta ao Ministério Público oportunidade para a transação penal (art. 76), que é uma proposta de aplicação de pena alternativa à prisão[2]. Este instituto tem sido acoimado por alguns de inconstitucional, entendimento com o qual não concordamos, basicamente, por três motivos: a) A própria Constituição Federal prevê a transação penal no art. 98, I. Adverte Cezar Bittencourt, após afirmar que a Constituição Federal instituiu a transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, que a Lei nº. 9.099/95, ao prever a transação penal, “está apenas cumprindo mandamento constitucional.” (ob. cit. p. 55). Rechaçando igualmente a tese da inconstitucionalidade, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho afirma que a transação penal é “uma exceção ditada pela própria Carta, permitindo a aceitação de determinada pena pelo suposto autor do fato, independentemente do processo tradicional.”[3] b) Não há ofensa ao devido processo legal nem ao princípio da presunção de inocência, pois na transação penal não se discute a culpabilidade[4] do autor do fato, ou seja, ele não se declara em nenhum momento culpado, não havendo, tampouco, efeitos penais ou civis, reincidência, registro ou antecedentes criminais (art. 76, §§ 4º. e 6º.). Aqui diferencia-se claramente do plea bargaining (onde se transaciona de maneira ampla sobre a pena, tipo penal, conduta, etc.) e do guilty plea (onde há uma admissão formal da culpa[5]). c) Não existe nenhuma possibilidade de se aplicar ao autor do fato pena privativa de liberdade, por força da transação penal, pois é absolutamente impossível, à luz do nosso direito positivo, converter-se a pena restritiva de direitos ou a multa transacionada e não cumprida em pena de privação da liberdade (não haveria parâmetro para a conversão no primeiro caso – art. 44, § 4º., CP; e, no segundo caso, porque o art. 182 da Lei de Execuções Penais foi expressamente revogado pela Lei nº. 9.268/96).

Ademais lembremos de Jesús-María Silva Sánchez, segundo o qual haveria um Direito Penal de duas velocidades[6]:

Uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal ´da prisão`, na qual haver-se-iam de manter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não tratar-se já de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção.

Para este autor, “seria razoável que em um Direito Penal mais distante do núcleo do criminal e no qual se impusessem penas mais próximas às sanções administrativas (privativas de direitos, multas, sanções que recaem sobre pessoas jurídicas) se flexibilizassem os critérios de imputação e as garantias político-criminais. A característica essencial de tal setor continuaria sendo a judicialização (e a conseqüente imparcialidade máxima), da mesma forma que a manutenção do significado ´penal` dos ilícitos e das sanções, sem que estas, contudo, tivessem a repercussão pessoal da pena de prisão.

Assim, continua o autor, “na medida em que a sanção não seja a de prisão, mas privativa de direitos ou pecuniária, parece que não teria que se exigir tão estrita afetação pessoal: e a imputação tampouco teria que ser tão abertamente pessoal. A ausência de penas ´corporais` permitiria flexibilizar o modelo de imputação. Contudo, para que atingisse tal nível de razoabilidade, realmente seria importante que a sanção fosse imposta por uma instância judicial penal, de modo que preservasse (na medida do possível) os elementos de estigmatização social e de capacidade simbólico-comunicativa próprios do Direito Penal.[7]

                                                           O acordo feito na esfera penal (se for prestação pecuniária paga à vítima ou a seus dependentes – art. 45, § 1º., CP), terá efeito na esfera cível para se evitar o enriquecimento ilícito, tal como já se prevê na Lei dos Crimes Ambientais (art. 12), no Código Penal (art. 45, § 1º., in fine) e no Código de Trânsito Brasileiro (art. 297, § 3º.).

                                                           Neste aspecto, importante ressaltar, em tempos de Justiça Restaurativa, que “a institucionalização dos postulados da Justiça Restaurativa em consonância com os princípios dos Juizados Especiais Criminais tornam o art. 45, § 1.º, do CP a modalidade de pena principal a ser proposta a título de transação penal quando houver pessoa determinada como vítima. (…) Portanto, a proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade ao suposto autor dos fatos quando não existir acordo extintivo da punibilidade na fase preliminar de conciliação merece ser uma pena pecuniária que atenda aos interesses da vítima e, somente no caso de ser inviável esse tipo de proposta, então cabe ao Ministério Público propor alguma outra modalidade de pena a título de transação penal, tendo em vista a concretização do direito fundamental de “acesso à ordem jurídica justa” e ao “tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses”, conforme os paradigmas internacionais da Justiça Restaurativa adotados e preconizados pelo Conselho Nacional de Justiça.”[8]

                                                           É perfeitamente possível, em que pese a literalidade do art. 76, a transação penal no caso de contravenção penal, pois seria um verdadeiro absurdo jurídico permitir-se a transação penal para um crime e não para uma contravenção, infração penal, inclusive ontologicamente, de menor potencial ofensivo.

                                                           Não admitimos a transação penal nos delitos de ação penal de iniciativa privada (por exemplo: dano simples – art. 163, caput e exercício arbitrário das próprias razões – art. 345, parágrafo único, ambos do Código Penal), pois os arts. 76 e 77, caput e seu § 3º., referem-se apenas ao Ministério Público (o que seria um fundamento mais frágil, reconhecemos), além do que (e então está o mais robusto), em nossa sistemática a vítima não tem interesse na aplicação de uma pena ao autor do fato e sim na reparação civil dos danos[9]. Como afirma José Antonio Paganella Boschi, “o que move o ofendido – a par do inegável sentimento pessoal de ´castigar` o réu pela ofensa – é também o interesse patrimonial na reparação do dano ex delicto, sendo a ele estranhas as finalidades da pena ou do processo.” (grifo nosso).[10] Ademais, caso o ofendido não deseje oferecer queixa poderá não fazê-lo, deixando escoar o prazo decadencial ou renunciando àquele direito. Por este motivo, afastamos também a hipótese da vítima impugnar a decisão homologatória da transação penal, por lhe faltar interesse de agir, visto que a sentença homologatória não gera efeitos civis (art. 76, § 6o.).

                                                           A este respeito, interessante a posição de Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, não admitindo a transação penal na ação penal de iniciativa privada:

                                                           “Quando a lei confere ao particular a legitimidade para o exercício da ação penal, o faz na condição de substituto processual do Estado, que é o titular da pretensão punitiva. Como se sabe, na legitimação extraordinária o substituto não tem poderes para transacionar com os direitos do substituído. Portanto, o querelante só poderia oferecer transação penal quando houvesse autorização legal. A Lei nº. 9.099/95 não lhe dá tal autorização.”[11]

                                                           É de Geraldo Prado a seguinte observação: “Pode-se dizer que mesmo o atual movimento de recuperação de um determinado status penal-processual da vítima, não tem o significado de atribuir a ela o poder de dizer de que forma (prestação de serviços à comunidade, multa?) e em que medida (por três meses, cem dias-multa?) deve o agente ser responsabilizado penalmente. (…) Portanto, a redefinição do espaço da vítima não deve ser confundida com a retomada do caráter privado do processo penal de outras épocas.”[12]

                                                           Se a pena de multa for a única aplicável, poderá haver sua redução à metade (art. 76, § 1º.).

A transação penal está condicionada ao preenchimento de determinados requisitos objetivos previstos nos incisos I e II do § 2o. do art. 76, ressalvando-se, quanto ao primeiro inciso, o qüinqüídio referido no art. 64, I do Código Penal; não impede a proposta, outrossim, se a condenação anterior foi substituída por pena restritiva de direitos, multa ou se foi concedido o sursis.

Tendo em vista o princípio da presunção de inocência, o ônus de provar as causas impeditivas é do Ministério Público. Aliás, no Processo Penal o ônus é sempre da acusação, o que torna não recepcionado o art. 156 do Código de Processo Penal (porque fere o devido processo legal e a presunção de inocência). Segundo a lição de Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues, “na persecução penal, todo ônus probatório é da acusação.“[13]

Ao lado daqueles requisitos objetivos, exige o inciso III requisitos subjetivos que deverão ser observados antes do oferecimento da proposta.

Atente-se para o fato de que a transação penal só deve ser proposta se não for o caso de arquivamento (faltaria justa causa para a proposta); é o que indica expressamente o caput do art. 76. Aliás, pensamos inclusive que sequer a composição civil dos danos deve ser levada a efeito se o caso, em tese, não for passível, a posteriori, de ser alvo de uma peça acusatória; se o Termo Circunstanciado, por exemplo, narrar um fato atípico ou já atingido pela prescrição o caso é de arquivamento, não devendo sequer ser marcada a audiência preliminar, pois seria submeter o autor do fato a um constrangimento não autorizado por lei. Se, in casu, a vítima desejar a reparação civil que promova no Juízo cível a respectiva ação civil ex delicto. Neste aspecto, discordamos de Cezar Bittencourt que entende ser dispensável o exame da justa causa para a composição civil dos danos, sob o argumento de que “os danos, com ou sem responsabilidade penal, com ou sem responsabilidade objetiva, podem ser compostos, seja na esfera privada, seja, hoje, na esfera criminal” (ob. cit., p. 54). Para nós, caso o Termo Circunstanciado não tenha possibilidade potencial de respaldar uma peça acusatória futura, o pedido de arquivamento impõe-se, pois a máquina judiciária (penal) não pode ser, neste caso, movimentada, ainda mais para se resolver uma questão cível. Se é verdade que hoje os danos podem ser reparados na esfera criminal, não é menos certo que esta hipótese só deve ocorrer se houver crime a perseguir. Caso contrário, o fato deve ser levado ao Juiz Cível. Neste sentido: “A validade da proposta depende da precisa identificação da pessoa a quem o delito deve ser imputado segundo a possibilidade de agir de acordo com o comando normativo. No caso de apuração da prática, em tese, de desobediência a ordem judicial pelos sócios de empresa, deve ser apontada, ainda que sucintamente, a participação de cada um deles no fato delituoso, o que não afronta ao princípio da informalidade que rege a proposta de transação penal. Necessidade de diligências para melhor apurar os indícios de autoria e averiguar a quais sócios caberia, na estrutura da empresa, a responsabilidade pelo eventual descumprimento da ordem judicial. Anulação da proposta de transação penal apresentada. Ressalvada a possibilidade de apresentação de nova proposta. Ordem parcialmente concedida.” (TRF 2ª R. – 1ª T. – HC 2007.02.01.008105-9 – rel. Abel Gomes – j. 16.04.2008 – DJU 24.06.2008).

A natureza jurídica da sentença que acerta a transação penal é homologatória, não sendo sentença condenatória nem absolutória[14]. Tal conclusão chega-se facilmente com a leitura dos parágrafos do art. 76, especialmente os §§ 4º. e 6º., que afirmam não importar reincidência, antecedentes criminais e efeitos civis a aplicação da pena acordada na transação penal.

Por outro lado, a transação penal não representa um direito público subjetivo do autor do fato, mas um ato transacional[15]: o Ministério Público transige quando deixa de oferecer denúncia e o autor do fato quando cede à perspectiva de uma absolvição. Assim, afigura-se-nos equivocada a proposta de transação penal realizada de ofício pelo Juiz que, ao contrário, deve remeter o Termo Circunstanciado ao Procurador-Geral de Justiça se houver recusa injustificada do Ministério Público em fazer a proposta, utilizando-se  do art. 28 do Código de Processo Penal, preservando-se, assim, os postulados do sistema acusatório.

Não concordamos com o entendimento segundo o qual a transação é o exercício de uma ação penal. Ora, ação penal sem relação jurídico-processual instaurada?[16] Sem citação? Ação penal sem imputação formal de um crime? Também não poderíamos dizer que se trata de uma ação penal não condenatória (como a revisão criminal ou o habeas corpus), pois esbarraríamos na seguinte questão: como se aplicar uma pena se a ação penal não tinha natureza condenatória? Outra questão: se efetivamente a transação penal é exercício da ação penal, teríamos que admitir o oferecimento de queixa subsidiária caso o Ministério Público não fizesse a proposta.

Exatamente por isso, entendemos que a transação penal é uma mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, tendo em vista que permite ao Ministério Público, ainda que dispondo de indícios da autoria e prova de uma infração penal, abrir mão da peça acusatória, transacionando com o autor do fato.

Neste sentido, veja-se esta decisão do Supremo Tribunal Federal: “SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PRIMEIRA TURMA – RECURSO EXTRAORDINÁRIO 468.161-7 GOIÁS – RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE – EMENTA: Transação penal homologada em audiência realizada sem a presença do Ministério Público: nulidade: violação do art. 129, I, da Constituição Federal. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal – que a fundamentação do leading case da Súmula 696 evidencia: HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 –, que a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público quer à suspensão condicional do processo, quer à transação penal, está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). 2. Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo – pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.”  VOTO: “(…) Bem de ver, assim, que não se reserva, aí, espaço a transação sem participação do MP ( …) Assim, ao contrário do que manifestado na decisão recorrida, o art. 76 (como também o art. 89) da lei nova não se constitui um direito público subjetivo do réu, porém apenas mitiga o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ao adotar o princípio da conveniência ou, segundo alguns, o princípio da discricionariedade controlada. A proposta prevista na lei é de exclusivo e inteiro arbítrio do Ministério Público, que continua sendo, por força da norma constitucional, o dominus litis da ação penal pública, não podendo ser substituído pelo magistrado, em tal encaminhamento. Da mesma forma, dizer que o poder consagrado no artigo 129, inciso I, da norma constitucional, não é absoluto, a fim de justificar a possibilidade da transação ser proposta pelo juiz, ante a inércia do Parquet, com a devida vênia, é argumento que não retira ou enfraquece a atribuição privativa ministerial de propor a ação penal pública e consequentemente a transação penal do art. 76 da Lei nº 9.099/95. Isto porque a hipótese de o Ministério Público não propor a transação penal (pois o titular exclusivo para tal ato) não pode, nem de perto, ser equiparada á eventual omissão ou inércia temporal de propor a ação penal pública, que legitimaria admissão da ação privada subsidiária”. De fato, na linha da jurisprudência do Tribunal, que a fundamentação do leading case da súmula 696 evidencia – HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 – a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo – pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público. 

Se houver pluralidade de agentes, é evidente que poderá haver a transação com apenas um deles, restando a denúncia para os outros (neste caso ocorre, também, uma certa mitigação ao princípio da indivisibilidade da ação penal pública incondicionada).

Como já foi dito, o cumprimento da pena acordada não gera reincidência, tampouco será indicada em registros criminais ou gerará efeitos civis (§§ 4o. e 6º. do art. 76), sendo registrada apenas para impedir nova transação nos cinco anos subsequentes.

Se houver dissenso entre o autor do fato e o seu defensor prevalecerá a vontade do agente, até por analogia ao disposto no art. 89, § 7º.

Em tese, é possível, à luz dos arts. 43, I e 45, §§ 1º. e 2º. do Código Penal a proposta de transação penal consistente na doação de cestas básicas (como prestação de outra natureza que não a pecuniária). Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal ratificou proposta de transação penal para que um Deputado Federal doasse pessoalmente cestas básicas para uma associação de deficientes visuais e deixasse de responder à denúncia por crime ambiental. A decisão foi unânime. Ele havia sido denunciado (Inq 2721) pelo Ministério Público Federal por, supostamente, ter construído uma barragem no loteamento São Silvestre, em Palmas (TO), sem a devida licença ambiental. Como o crime é de menor potencial ofensivo e ele não tem condenação criminal anterior, o MPF ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita pelo Deputado. Pela decisão do Supremo, que homologou a proposta do MPF, ele terá de comparecer pessoalmente uma vez por mês, durante seis meses, na Associação Brasiliense dos Deficientes Visuais (ABDV), em Brasília (DF), para doar 20 cestas básicas e 10 resmas de papel braille. Terá ainda que justificar mensalmente, perante o STF, o cumprimento do acordo. O Deputado pediu para cumprir a pena restritiva de direitos em uma só visita à entidade, mas o MPF foi contra ao afirmar que essa solução não atenderia ao “objetivo da medida”. Ao analisar o pedido do deputado nesta tarde, o relator da matéria, ministro Joaquim Barbosa, avaliou que a alternativa não seria viável. “Considero que a proposta do indiciado, no sentido da doação integral das 120 cestas básicas e 60 resmas de papel braille, em uma única oportunidade, poderia conduzir ao perecimento dos alimentos e até mesmo a problemas para o armazenamento dessa quantidade de alimentos e de papéis. Não é, efetivamente, o ideal”, afirmou Barbosa.

Aqui, porém, faz-se uma ressalva: concordamos com parte da doutrina que proclama a inconstitucionalidade do § 2º. do art. 45 do Código Penal em razão da não observância do princípio da legalidade na expressão “prestação de outra natureza”.

Observa-se que nos crimes previstos no art. 41-B da Lei nº. 10.671/2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor) a pena restritiva de direito objeto da transação penal será a “pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a três anos, de acordo com a gravidade da conduta”, nos termos dos §§ 2º. e 5º. do art. 41-B.

Admissível, outrossim, que a proposta seja feita por Carta Precatória; neste caso, porém, a homologação será no Juízo deprecante, podendo a execução e a fiscalização do cumprimento da sanção realizar-se no Juízo deprecado, obedecendo-se aos princípios do Promotor e do Juiz Natural.

Da decisão homologatória caberá recurso de apelação no prazo de 10 dias; se não homologar, em decisão interlocutória, caberá Mandado de Segurança ou Habeas Corpus, não nos afigurando possível, nesta segunda hipótese, a utilização do recurso de apelação. Não possui a vítima legitimidade para recorrer. Como se sabe, excepcionalmente, o Código de Processo Penal legitima a vítima (ainda quando não habilitada como assistente) a recorrer supletivamente ao Ministério Público, em caso de absolvição (art. 598, parágrafo único); nesta hipótese, permite-se-lhe o recurso especial e mesmo o extraordinário para atacar a decisão proferida naquele recurso interposto, pois não teria sentido dar-lhe legitimidade para a apelação e negar-lhe o direito de recorrer da decisão proferida no julgamento deste recurso (mutatis mutandis, veja-se a Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598 do CPP.”).

Porém, contra a decisão que homologa a transação penal não tem o ofendido legitimidade para apelar, mesmo porque sequer habilitado como assistente poderá estar, visto que a assistência pressupõe ação penal iniciada (art. 268, CPP). Ademais, remetemos o leitor ao que dissemos sobre a impossibilidade de transação penal quando se trata de crime de ação penal de iniciativa privada.

Como ensina Mirabete, “não pode a vítima apelar da decisão homologatória da transação, por falta de interesse de agir. É o que se decidiu no I Congresso Brasileiro de Direito Processual e Juizados Especiais (Tese 6).”[17]

Neste sentido, a jurisprudência é remansosa:

TACRSP: Recurso – Apelação – Decisão homologatória de transação penal – Irresignação apresentada pela ofendida – Inadmissibilidade – Ausência de interesse em recorrer – Vítima que não está autorizada a intervir neste procedimento ou a ele se opor – Recurso não conhecido. Mesmo que a tentativa de conciliação tenha ficado frustrada, o acordo sobre a aplicação imediata da pena não privativa de liberdade não poderá sofrer qualquer oposição por parte da vítima.” (RJTACRIM 36/270).

TACRSP: Nos casos da Lei nº. 9.099/95, não tem recurso o ofendido contra a decisão homologatória da transação penal (art. 76), visto lhe falece a pertinência subjetiva da ação, isto é, o interesse de agir. O MP e o autor do fato são os que, unicamente, nesse ponto, têm voz no capítulo.” (RJDTACRIM 41/403).

TRSC: Transação penal que não comporta a participação da vítima. Homologação da transação impede a possibilidade de deflagração da ação penal. Inexistente a ação penal, não se admite a figura da assistência à acusação, falecendo-lhe legitimidade para interpor recurso de apelação.” (RJTRTJSC 5/219).

Descumprido o acordo entendemos pela impossibilidade de oferecimento de denúncia, pois a sentença homologatória faz coisa julgada material, restando ao Ministério Público a alternativa de executar a sentença homologatória, seja nos termos da Lei de Execução Penal (arts. 147 e 164), seja em conformidade com o Código de Processo Civil, já que se está diante de um título executivo judicial (art. 584, III, CPC).[18] O Supremo Tribunal Federal, no entanto, já decidiu contrariamente, entendendo que o não cumprimento da transação penal autoriza o oferecimento de denúncia, senão vejamos:

  HC 79572 / GO – GOIÁS. HABEAS CORPUS
Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Publicação:  DJ DATA-22-02-02 PP-00034. EMENT VOL-02058-01 PP-00204. Julgamento:  29/02/2000 – Segunda Turma.
Ementa: HABEAS CORPUS – LEGITIMIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO. A legitimidade para a impetração do habeas corpus é abrangente, estando habilitado qualquer cidadão. Legitimidade de integrante do Ministério Público, presentes o múnus do qual investido, a busca da prevalência da ordem jurídico-constitucional e, alfim, da verdade. TRANSAÇÃO – JUIZADOS ESPECIAIS – PENA RESTRITIVA DE DIREITOS – CONVERSÃO – PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE – DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – 13/06/2006 SEGUNDA TURMA – HABEAS CORPUS 88.785-6 SÃO PAULO – RELATOR: MIN. EROS GRAU -. Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes). 2. A revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes). Ordem denegada.” VOTO: “A jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Corte é no sentido de que, descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante, possibilitada ao Ministério Público a persecução penal (HHCC 79.572, Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 22.2.2002; 80.802, Ellen Gracie, 1ª Turma, DJ de 18.5.2001; 84.976, Carlos Britto, 2ª Turma, Informativo n. 402 e o RE 268.320, Octavio Gallotti, 10.11.2000). 2. No que tange à revogação da suspensão condicional do processo, há autorização legal para tanto (cf. art. 89, § 1º, IV, da Lei n. 9.099/95), sendo ela possível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (cf. os HHCC 80.747, Sepúlveda Pertence, DJ de 19.10.2001; 84.890, Sepúlveda Pertence, DJ de 3.12.2004; 84.660, Carlos Britto, DJ de 25.11.2005 e 84.746, Marco Aurélio, DJ de 31.3.2006). 3. É perfeita a observação, do Subprocurador-Geral da República, de que “[n]ão é demais lembrar que o paciente, por várias vezes beneficiado com os favores legais, quedou-se inerte ao seu cumprimento, sendo esclarecedora a afirmação constante do acórdão impugnado no sentido de que ‘Aliás, o que pretende o combativo defensor é um passaporte para a impunidade. O paciente fez acordo de transação penal e não honrou. Novamente beneficiado com a suspensão condicional do processo não o cumpriu’.” Denego a ordem.”                     

 A homologação de transação penal não elimina a retomada ou a instauração de inquérito ou de ação penal pelo Ministério Público, em caso de descumprimento da transação. Ao reafirmar jurisprudência já estabelecida nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 602072 e determinou o prosseguimento de ação penal pelo MP do Estado do Rio Grande do Sul. O processo foi relatado pelo ministro Cezar Peluso, que se louvou em precedentes do próprio STF para negar provimento ao recurso. O Ministro Marco Aurélio, acompanhando voto do relator, lembrou como precedentes para a decisão o julgamento dos Habeas Corpus (HCs) 80802 e 84876 e do RE 268320.

Tais decisões parece-nos equivocadas, pois se desconstitui uma decisão homologatória de uma forma absolutamente estranha ao nosso ordenamento. A respeito da transação no processo, veja o que ensina Maria Helena Diniz: “A natureza declaratória da transação, dando certeza a um direito precedentemente litigioso ou duvidoso, decorre de sua equiparação aos efeitos da coisa julgada (art. 1.030, CC). Se a decisão de homologação é válida e se a transação judicial é vinculante e irrevogável, só pode haver distrato da transação antes da homologação. (Vide: Pontes de Miranda, Tratado, cit. t. 25, p. 139). A sentença homologatória de transação válida é ato jurídico processual transparente; logo, não pode ficar à mercê de quaisquer ataques infundados por ter força de decisão irrevogável. Não há como desconstituir transação que não esteja eivada de vício de nulidade ou anulabilidade.”[19]

Cezar Roberto Bittencourt, criticando duramente esta decisão, afirma que “títulos judiciais somente podem ser desconstituídos observadas as ações e os procedimentos próprios. A coisa julgada tem uma função político-institucional: assegurar a imutabilidade das decisões judiciais definitivas e garantir a não-eternização das contendas levadas ao Judiciário. (…) Afinal, desde quando um título judicial pode desconstituir-se pelo descumprimento da obrigação que incumbe a uma das partes? Não há nenhuma previsão legal excepcional autorizando esse efeito especial. (…) na verdade, títulos judiciais têm exatamente a função de permitir sua execução forçada, quando não forem cumpridos voluntariamente. E, conclui: “quando houver descumprimento de transação penal dever-se-á proceder à execução forçada, exatamente como se executam as obrigações de fazer.” (ob. cit., pp. 17, 19 e 25).

                                                           Na esteira do entendimento do Supremo, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 11.398 – SP (2001/0056971-3) (DJU 12.11.01, SEÇÃO 1, P. 159, J. 02.10.01). RELATOR: MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA. É possível o oferecimento da denúncia por parte do órgão Ministerial, quando descumprido acordo de transação penal, cuja homologação estava condicionada ao efetivo pagamento do avençado. O simples acordo entre o Ministério Público e o réu não constitui sentença homologatória, sendo cabível ao Magistrado efetivar a homologação da transação somente quando cumpridas as determinações do acordo. Recurso desprovido.

Também o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “A sentença homologatória da transação penal gera a eficácia de coisa julgada formal e material, obstando, no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a retomada da ação penal pelo Ministério Público ou a conversão de prestação pecuniária em pena privativa de liberdade, restando ao órgão acusatório apenas promover a execução do título judicial perante o Juizado Especial Criminal, nos termos do art. 51 do CP” (TJMG – 2ª C. – HC 1.0000.08.487886-7/000(1) – REL. Vieira de Brito  – j. 29.01.2009 – DOE 10.02.2009).

Nada impede, muito pelo contrário, que a transação penal seja realizada ainda que se trate de feito envolvendo suposto autor do fato com prerrogativa de foro. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, determinou a notificação de um Deputado Federal para que se manifeste sobre seu interesse em aceitar transação penal proposta pelo procurador-geral da República nos autos do Inquérito (INQ) 2793. O parlamentar foi indiciado perante o STF pelo delito de desacato, crime previsto no artigo 331 do Código Penal e cuja pena varia de seis meses a dois anos de detenção – infração de menor potencial ofensivo, conforme prevê o artigo 61 da Lei 9.099/1995. Ao estabelecer que o deputado se manifeste sobre a proposta, em até dez dias, o Ministro Celso de Mello lembrou que a aceitação do benefício deve ser pessoalmente assumida pelo próprio interessado, além de subscrita por seu advogado. Lembrou, ainda, que o Plenário da Corte já se pronunciou no sentido de ser cabível a transação penal nos processos penais originários instaurados no Supremo. O decano explicou que a transação penal é um processo técnico de despenalização, previsto na Lei 9.099/1995, resultante da expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, e tem como razão de ser a “deliberada intenção do Estado de evitar, não só a instauração de processo penal, mas, também, a própria imposição de pena privativa de liberdade, quando se tratar, como sucede na espécie, de infração penal revestida de menor potencial ofensivo”.

Por fim, ressaltamos que o art. 27 da Lei nº. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) prescreve que a transação penal somente poderá ser formulada desde que tenha havido prévia composição do dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

Uma segunda exceção reside na Lei nº. 12.529/2011: Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e Prevenção e Repressão às Infrações Contra a Ordem Econômica.

No seu art. 86, estabelece-se que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica poderá celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, “desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais envolvidos na infração; e II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação”. 

Tal acordo, segundo o art. 87 da mesma lei, nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Código Penal, “determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.”. 

Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade nos referidos crimes.

Como terceira exceção, faz-se referência à Lei nº. 12.850/2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas (crime e contravenção penal) e o procedimento criminal a ser aplicado, além de alterar o Código Penal e revogar expressamente a Lei nº. 9.034/95.

                                                           Segundo esta norma legal, o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.”

                                                           Obviamente que não se revogou implicitamente a Lei nº. 9.807/99, que criou o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, pois a nova lei trata apenas de autores envolvidos em organização criminosa (com a sua definição específica), restando para os demais casos a Lei. nº. 9.807/99. Temos, inclusive, que esta lei de proteção a vítima e testemunhas pode ser utilizada subsidiariamente, sempre que houver qualquer lacuna na nova lei (art. 3º., CPP).

                                                           Continuando, estabelece-se que “em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.” A depender da importância da delação premiada, “o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, art. 28 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).” Criou-se uma nova causa de suspensão do prazo prescricional, sempre que o prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, for suspenso por até seis meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração.

                                                           O Ministério Público poderá (poder-dever) deixar de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou se for o primeiro a prestar efetiva colaboração. Concordamos inteiramente com mais esta exceção à regra da obrigatoriedade, cabendo a utilização de habeas corpus caso o Ministério Público insista no oferecimento da peça acusatória e o Juiz a receba. Não faz nenhum sentido denunciar alguém quando se sabe de antemão que será, na sentença final, beneficiado pelo perdão judicial e, consequentemente, com a extinção da punibilidade (art. 107, IX do CP). Faltaria ao Ministério Público uma das condições para o exercício da ação penal (o interesse de agir, sob o aspecto da utilidade).

                                                           Ainda que a colaboração seja posterior à sentença, dispõe a lei que “a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.” Logo, até na fase do processo de execução penal, poderá o delator ser beneficiado, ao menos com a progressão de regime.

                                                           Para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o Delegado de Polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor, não participará o Juiz das negociações realizadas. Ainda bem, pois se isso fosse possível incidiria, desgraçadamente, o art. 83 do CPP (prevenção – ver abaixo).

                                                           Após o acordo, deverá ser lavrado termo, “acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.” E apenas nestas hipóteses.

                                                           “Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações.“ Ademais, “as partes (?) podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.” Este advérbio deve ser interpretado à luz da CF/88, ou seja, o conteúdo do acordo nunca poderá ser utilizado contra o delator. É o direito de não autoincriminação, previsto no art. 8º., do Pacto de São José da Costa Rica.

                                                  Este termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conterá o relato da colaboração e seus possíveis resultados; as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

                                                           O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto. As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao Juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de quarenta e oito horas e o acesso aos autos será restrito ao Juiz, ao Ministério Público e ao Delegado de Polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial (o que macula o Enunciado da Súmula Vinculante 14), ressalvados os referentes às diligências em andamento. O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, mesmo porque o colaborador terá os seguintes direitos: “usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.” Além disso, todos os atos processuais são públicos, segundo o conhecido mandamento constitucional, com as ressalvas previstas na Carta Magna.

                                                           Continuando, afirma a lei que “ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial. Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.

                                                           Eis agora uma das maiores inconstitucionalidades na legislação brasileira:nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.” (grifo nosso). Ora, onde já se viu o dever, a imposição de renunciar a um direito constitucionalmente declarado. Óbvio que esta disposição só pode ter saído de uma mente em desvario. Claro que o direito ao silêncio é renunciável, voluntária e espontaneamente, jamais imposto. Mais uma vez, valendo-se de uma interpretação à luz da CF/88, deve-se ler este teratológico dispositivo da seguinte maneira: nos depoimentos que prestar, o colaborador poderá renunciar, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio. Somente assim, estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.

                                                           Respeitando-se o devido processo legal, estabelece-se que “em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor.” Que novidade!

                                                           Afirma-se, também, que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.” Aqui vale as observações feitas acima, ou seja, a sentença condenatória nunca poderá ter como único fundamento a delação, mesmo porque na maioria das vezes tratar-se-á de mero ato investigatório e, portanto, de nenhum valor probatório.

                                                           A propósito da delação premiada e “no espectro do recrudescimento da legislação processual penal, visto como um reflexo da expansão tresloucada da cultura da emergência, ganhou vigor a figura da delação premiada, sobretudo com a sua propagação no processo criminal italiano e estadunidense.[20]

                                                           Segundo Damásio de Jesus, “a origem da “delação premiada” no Direito brasileiro remonta às Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, constante do Livro V, vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Título VI do “Código Filipino”, que definia o crime de “Lesa Magestade” (sic), tratava da “delação premiada” no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica “Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão” e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios.”[21]

                                                           Já na Inquisição, “um filho delator não incorre nas penas fulminadas por direito contra os filhos dos hereges e este é o prêmio pela sua delação. In proemium delationis.”[22]

Alguns doutrinadores costumam distinguir a delação[23] como aberta ou fechada, aduzindo que naquela primeira o delator aparece e se identifica, inclusive favorecendo-se de alguma forma com o seu gesto, seja na redução da pena, seja no recebimento de recompensa pecuniária ou mesmo com o perdão judicial; nesta, ao contrário, o delator se assombra no manto do anonimato “propiciando auxílio desinteressado e sem qualquer perigo“, como assevera Paulo Lúcio Nogueira.[24]

                                                           Afora questões de natureza prática como, por exemplo, a inutilidade, no Brasil, desse instituto por conta, principalmente, do fato de que o nosso Estado não tem condições de garantir a integridade física do delator criminis nem a de sua família, o que serviria como elemento desencorajador para a delação, aspectos outros, estes de natureza ético-moral informam a profunda e irremediável infelicidade cometida mais uma vez pelo legislador brasileiro, muito demagogo e pouco cuidadoso quando se trata dos aspectos jurídicos de seus respectivos projetos de lei.[25]

                                                           Sem dúvidas, “o tema da delação premiada desafia diversos questionamentos: desde sua conveniência político-criminal, passando por sua apreciação sob o ponto de vista da quebra da ética ínsita ao proceder dentro de um Estado Democrático de Direito, ou pelas questões relativas ao seu valor probatório(1), até sua natureza jurídico-penal, sua função processual penal e as implicações daí decorrentes para o postulado do devido processo legal em nosso direito positivo. Nesta oportunidade, passaremos os olhos por estes três últimos aspectos quanto à delação que tem por objeto a identificação dos demais coautores ou partícipes.”[26] Como diz Hassemer, “não é permitido ao Estado utilizar os meios empregados pelos criminosos, se não quer perder, por razões simbólicas e práticas, a sua superioridade moral.”[27]

                                                           Também a propósito, veja-se a opinião de João Baptista Herkenhoff:           “A meu ver, a delação premiada associa criminosos e autoridades, num pacto macabro. De um lado, esse expediente pode revelar tessituras reais do mundo do crime. Numa outra vertente, a delação que emerge do mundo do crime, quando falsa, pode enredar, como vítimas, justamente aquelas pessoas que estejam incomodando ou combatendo o crime. Na maioria das situações, creio que o uso da delação premiada tem pequena eficácia, uma vez que a prova relevante, no Direito Penal moderno, é a prova pericial, técnica, científica, e não a prova testemunhal e muito menos o testemunho pouco confiável de pessoas condenadas pela Justiça. Ao premiar a delação, o Estado eleva ao grau de virtude a traição. Em pesquisa sócio-jurídica que realizamos, publicada em livro, constatei que, entre os presos, o companheirismo e a solidariedade granjeiam respeito, enquanto a delação é considerada uma conduta abjeta (Crime, Tratamento sem Prisão, Livraria do Advogado Editora, página 98). Então, é de se perguntar: Pode o Estado ter menos ética do que os cidadãos que o Estado encarcera? Pode o Estado barganhar vantagens para o preso em troca de atitudes que o degradam, que o violentam, e alcançam, de soslaio, a autoridade estatal?[28]

                                                           Se considerarmos que a norma jurídica de um Estado de Direito é o último refúgio do seu povo, no sentido de que as proposições enunciativas nela contidas representam um parâmetro de organização ou conduta das pessoas (a depender de qual norma nos refiramos se, respectivamente, de segundo ou primeiro graus, no dizer de Bobbio), definindo os limites de suas atuações, é inaceitável que este mesmo regramento jurídico preveja a delação premiada em flagrante incitamento à transgressão de preceitos morais intransigíveis que devem estar, em última análise, embutidos nas regras legais exsurgidas do processo legislativo.

                                                           Que não se corra o perigo, já advertido e vislumbrado pelo poeta Dante Alighieri, lembrado por Miguel Reale quando afirma que o “Direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a.“[29]

                                                           Diante dessa sombria constatação, como se pode exigir do governado um comportamento cotidiano decente, se a própria lei estabelecida pelos governantes permite e galardoa um procedimento indecoroso? Como fica o homem de pouca ou nenhuma cultura, ou mesmo aquele desprovido de maiores princípios, diante dessa permissividade imoral ditada pela própria lei, esta mesma lei que, objetiva e obrigatoriamente, tem de ser respeitada e cumprida sob pena de sanção? Estamos ou não estamos diante de um paradoxo? Como afirma Paulo Cláudio Tovo, “a delação premiada de comparsa nos parece uma violação ética com perigosas conseqüências no mundo do crime (…). Este não é o verdadeiro caminho da Justiça, importa, isto sim, na confissão que o Estado não tem capacidade científica de chegar à verdade.”[30]

                                                           É certo que em outras legislações, inclusive em países desenvolvidos economicamente (embora possuidores de uma sociedade em desencanto, como, por exemplo, a americana), a figura da delatio já existe há algum tempo (diga-se de passagem, assegurando-se inquestionavelmente a vida do denunciante), como ocorre nos Estados Unidos (bargain) e na Itália (pattegiamento), entre outros países. São exemplos, contudo, que não deveriam ser seguidos, pois desprovidos de qualquer caráter moral ou ético, como já acentuamos.

                                                           Tão-somente para se argumentar, pode-se dizer que o bem jurídico visado pela delação (a segurança pública), justificaria a sua utilização, ou, em outras palavras, o fim legitimaria o meio. Ocorre que tal princípio é de todo amoralista, aliás, próprio do sistema político defendido pelo escritor e estadista florentino Niccolò Machiavelli (1469-1527), sistema este dito de um realismo satânico, na definição de Frederico II em seu Antimaquiavel, tornando-se sinônimo, inclusive, de procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro, etc., etc…

                                                           O próprio Rui Barbosa já afirmava não se dever combater um exagero (no caso a violência desenfreada) com um absurdo (a delação premiada).

                                                           Em um artigo intitulado “Prêmio para o ´dedo duro`, o advogado mineiro  Tarcísio Delgado afirmou com muita propriedade: “Contam uma história muito conhecida, aconteceu há muitos e muitos anos e, de geração em geração, tão sagrada e consagrada, que estabeleceu o mais importante marco no caminho da humanidade. Trata-se da saga de um “Sujeito”, altamente perigoso, indisciplinado e subversivo, que andava atormentando e tirando o sono do Poder Soberano. O “Cara” não era mole, dizia defender os fracos e os oprimidos. Fazia até milagre. Formou uma “quadrilha” de seguidores fanáticos, e andava com seu “bando”, infernizando o Poder constituído. Não respeitava nem o Imperador. Era uma ameaça permanente às instituições. “Pior” que “Esse”, nunca se viu. Precisava pegá-lo, mas ele era “danado”, se misturava no meio do povo, e não tinha como prendê-lo. Preso, o castigo seria severo e inapelável. Eis que aparece a figura canhestra do delator, para “colaborar” com a polícia e com os detentores do Poder. Um dos seus vende-se por trinta dinheiros e articula a prisão do chefe: “O traidor tinha combinado com eles um sinal, dizendo: Jesus é aquele que eu beijar; prendam” (Mateus, 26, 48). Estava consumada a mais famosa e repugnante traição de todas as épocas. Judas se transformou em sinônimo de traidor. Podemos fixar aqui a origem da delação premiada, que se confunde com o nascimento de nossa Era. Este famigerado instituto tem vida recente em nosso Direito. Importado dos Estados Unidos e da Itália, que o recepcionam com grande entusiasmo, foi positivado em nosso País, pela Lei nº 8.072/ 90, art.8º, § único – O participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços). O art.159, do Código Penal, no seu § 4º, estabelece coisa parecida. Como esta legislação contraria a natureza de nossos sentimentos, nossas tradições e a formação de nossa cultura, permaneceu durante esses anos como letra morta, sem qualquer aplicação noticiada. Só agora, recentemente, foi, imprópria e equivocadamente, cogitada. (…) Faz quase 60 anos, lembro-me muito bem, quando cursava o primeiro grau, certa feita nossa professora enérgica e diligente, magnífica mestra, que saudade!… surpreendeu um grupo de alunos com um caso grave de indisciplina que, embora praticada por um só, não havia como identificá-lo, sem que houvesse confissão. O indisciplinado calou-se. A professora ameaçava punir o grupo inteiro, se não aparecesse o responsável. Eis que surge o “dedo duro” e delata o colega, apontando aquele dedo de “bom moço” para o culpado. Aquela mestra exemplar passou-lhe uma descompostura. Disse que a indisciplina mais grave praticara o delator do seu colega. Aplicou-lhe a penalidade mais forte, e ensinou que nunca mais deveria dedurar quem quer que fosse. O resto daquela aula foi sobre o papel sujo e condenável de delatar. Esta foi uma lição que me marcou para sempre. (…) Por estas e por outras, tenho fundadas e irremovíveis restrições à chamada delação premiada. Repugna-me o acordo de autoridade instituída com bandidos. Parece-me mais um comodismo de quem tem o dever de investigar, uma redução de trabalho, um falso pragmatismo utilitarista, que encontra utilidade numa prática que corrompe e avilta. O argumento de que os criminosos modernos dispõem de técnicas e arranjos difíceis de serem apanhados, nada mais é do que a confissão de que o Estado está perdendo uma batalha que não pode perder, sob pena do desmantelamento total da organização social. Pegar um acusado, sem qualquer culpa formada, no início da apuração de possíveis atos criminosos, prendê-lo, algemá-lo e oferecer-lhe o benefício da “deduragem” é de arrepiar os cabelos. Os momentos em que prevaleceu o crédito à delação não enaltecem a história, pelo contrário, são períodos soturnos no caminho da humanidade. A delação mais conhecida é aquela que está na origem de nossa Era, resumidamente descrita na introdução deste artigo. Aí, os personagens são nominados, a vítima foi simplesmente Jesus Cristo e, o delator, aquele que virou sinônimo de traidor, Judas Iscariote. Todavia, a história universal está repleta de exemplos tenebrosos de milhares de pessoas inocentes e anônimas que, por causa da delação, foram queimadas vivas nas fogueiras da inquisição; levadas à guilhotina para serem decapitadas depois da Tomada da Bastilha nos anos que se seguiram à Revolução Francesa. Além disso, na Rússia do comunismo Stalinista, por um canto, e no Nazismo Hitlerista, por outro, a delação desempenhou papel absolutamente fundamental. E não citamos, ainda, o caso clássico e típico de delação premiada, que marca a história pátria com sangue e vergonha, daquele que delatou o “bando perigosíssimo” comandado por aquele desvairado de amor à Pátria, Tiradentes, na Inconfidência Mineira – o fraco e pusilânime Joaquim Silvério dos Reis, em troca de vantagens pessoais. A história registra incontáveis casos de delação que, sem nenhuma exceção, marcam sempre os momentos mais obscuros e vergonhosos da humanidade. Só quem não quer ver, em virtude de uma formação utilitarista, não reconhece que a delação sempre foi um instrumento do autoritarismo, da violência, da injustiça. Está na teoria que justifica os meios pelo fim e, ainda assim, no caso, impropriamente, porque, aqui, por meios corrompidos, quase sempre se chega a fim distorcido e injusto. “A árvore má não dá bons frutos”. Enganam-se os que buscam tirar proveito de quem só pensa em se aproveitar. A prova não pode fundar-se no testemunho daquele que antes fora pego como comparsa do crime. Sua palavra é suspeita e inconfiável. Todo delator, para amenizar sua situação no processo, joga a culpa no outro, seu comparsa ou não. Não é de se acolher, também, o argumento dos defensores da adoção deste instituto jurídico, de que hoje ele é aplicado com tais cautelas que impossibilitariam qualquer abuso contra inocentes. Claro que, em nossos dias, a delação não levaria ninguém à fogueira ou à guilhotina, mas pode criar constrangimentos e danos morais, ferir direitos inalienáveis, que precisam ser respeitados numa sociedade civilizada e livre, durante o processo investigatório, isto para admitir, o que não é nosso caso, alguma utilidade ou alguma força moral na aplicação dessa norma positiva. É aconselhável que, em se tratando de assuntos desse nível de especulação e com tantas manifestações do pensamento universal, procure-se exemplares na vasta doutrina existente. André Comte-Sponville, desculpando-se por citar poucos, trabalha com conceitos de Kant, Bérgson, Camus, Dostoievski, Jankélévitch para indagar e responder: “se para salvar a humanidade fosse preciso condenar um inocente (torturar uma criança, diz Dostoievski), teríamos de nos resignar e fazê -lo? Não, respondem eles. A cartada não valeria o jogo, ou antes, não seria uma cartada, mas uma ignomínia. Porque, se a justiça desaparece, é coisa sem valor o fato de os homens viverem na Terra. O utilitarismo chega aqui ao seu limite. Se a justiça fosse apenas um contrato de utilidade, apenas uma otimização do bem-estar coletivo, poderia ser justo, para a felicidade de quase todos, sacrificar alguns, sem seu acordo e ainda que fossem perfeitamente inocentes e indefesos”, e avança, utilizando-se ainda de Kant e Rawls: “a justiça é mais e melhor do que o bem estar e a eficácia, e não poderia ser sacrificada a eles, nem mesmo em nome da felicidade da maioria”.  Estes conceitos, certamente, soam como devaneios aos “idiotas da objetividade”, de Nelson Rodrigues, mas, só assim, poderemos “criar uma sociedade de Homens, não de brutos”, como acentua Spinoza. Premiar o delator é premiar o crime.” Fonte: JURID Publicações Eletrônicas – 06/09/2005.

Em crônica publicada no jornal O Globo, na edição do dia 17 de dezembro de 1995, João Ubaldo Ribeiro, após lembrar que as expressões “dedo-duro” e “dedurismo” surgiram ou generalizaram-se após o golpe militar de 1964, escreveu:

                                                           “Os próprios militares e policiais encarregados dos inquéritos tinham desprezo pelos dedos-duros – como, imagino, todo mundo tem, a não ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrível seria de se esperar que algo tão universalmente rejeitado, epítome da deslealdade, do oportunismo e da falta de caráter, também se juntasse a um passado que ninguém, ou quase ninguém, quer reviver. Mas não. O dedurismo permanece vivo e atuante, ameaçando impor traços cada vez mais policialescos à nossa sociedade.” E, conclui: “Sei que as intenções dos autores da idéia são boas, mas sei também que vêm do desespero e da impotência e que terminam por ajudar a compor o quadro lamentável em que vivemos, pois o buraco é bem, mas bem mesmo, mais embaixo.”

                                                           Entendemos que o aparelho policial do Estado deve se revestir de toda uma estrutura e autonomia, a fim de poder realizar seu trabalho a contento, sem necessitar de expedientes escusos na elucidação dos delitos. O aparato policial tem a obrigação de, por si próprio, valer-se de meios legítimos para a consecução satisfatória de seus fins não sendo necessário, portanto, que uma lei ordinária use do prêmio ao delator (crownwitness), como expediente facilitador da investigação policial e da efetividade da punição.

                                                           Ademais, no próprio Código Penal já existe a figura da atenuante genérica do art. 65, III, b, onde a pena será sempre atenuada quando o agente tiver “procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano”, que poderia muito apropriadamente compensar (por assim dizer) uma atitude do criminoso no auxílio à autoridade investigante ou judiciária.                                                

Além da atenuante referida há o instituto do arrependimento eficaz que, igualmente, beneficia o agente quando este impede voluntariamente que o resultado da execução do delito se produza, fazendo-o responder, apenas, pelos atos já praticados (art. 15 do Código Penal).[31]

                                                            Pode-se, ainda, referir-se ao preceito do art. 16, arrependimento posterior, bem verdade que este limitado àqueles crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, mas, da mesma forma, compensador de uma atitude favorável por parte do delinquente, reduzindo-lhe a pena.

                                                           Vê-se, destarte, que o ordenamento jurídico existente e consubstanciado no Código Penal já permitia beneficiar o réu em determinadas circunstâncias, quando demonstrasse “menor endurecimento no querer criminoso, certa sensibilidade moral, um sentimento de humanidade e de justiça que o levam, passado o ímpeto do crime, a procurar detê-lo em seu processo agressivo ao bem jurídico, impedindo-lhe as consequências”, como já acentuou o mestre Aníbal Bruno.[32] Não necessita, portanto, o legislador, em lei extravagante, vir a prever a delação premiada, como causa de diminuição da pena. Também por isso é inoportuno.

                                                           A traição demonstra fraqueza de caráter, como denota fraqueza o legislador que dela abre mão para proteger seus cidadãos. A lei, como já foi dito, deve sempre e sempre indicar condutas sérias, moralmente relevantes e aceitáveis, jamais ser arcabouço de estímulo a perfídias, deslealdades, aleivosias, ainda que para calar a multidão temerosa e indefesa (aliás, por culpa do próprio Estado) ou setores economicamente privilegiados da sociedade (no caso da repressão à extorsão mediante sequestro).

                                                           Em nome da segurança pública, falida devido à inoperância social do Poder e não por falta de leis repressivas, edita-se um sem número de novos comandos legislativos sem o necessário cuidado com o que se vai prescrever.[33]

                                                           Repita-se uma observação de Damásio de Jesus:

                                                           “A polêmica em torno da “delação premiada”, em razão de seu absurdo ético, nunca deixará de existir. Se, de um lado, representa importante mecanismo de combate à criminalidade organizada, de outro, parte traduz-se num incentivo legal à traição. A nós, estudiosos e aplicadores do Direito, incumbe o dever de utilizá-la cum grano salis, notadamente em razão da ausência de uniformidade em seu regramento. Não se pode fazer dela um fim em si mesma, vale dizer, não podem as autoridades encarregadas da persecução penal contentarem-se com a “delação”, sem buscar outros meios probatórios tendentes a confirmá-la.”

                                                           Incita-se, então, à traição, este mal que já matou os conjurados delatados pelo crápula Silvério dos Reis; que levou Jesus à cruz por conta da fraqueza de Judas e deu novo alento aos invasores holandeses graças à ajuda de Calabar.

                                                           Esses traidores históricos, e tantos outros poderiam ser citados, são símbolos do que há de pior na espécie humana; serão sempre lembrados como figuras desprezíveis. Advirta-se, que não estamos a fazer comparações, pois sequer são neste caso cabíveis. Apenas tencionamos mostrar a nossa indignação com a utilização da ordem jurídica como instrumento incentivador da traição, ainda que se traia um seqüestrador, um latrocida ou um estuprador.

                                                           Não podemos nos valer de meios esconsos, em nome de quem quer que seja ou de qualquer bem, sob pena, inclusive, de sucumbirmos à promiscuidade da ordem jurídica corrompida. Esta nossa posição, sem sombra de dúvidas, sofre forte contestação; de toda maneira, valhemo-nos da lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, segundo a qual “autores sofrem o peso da falta de respeito pela diferença (o novo é a maior ameaça às verdades consolidadas e produz resistência, não raro invencível), mas têm o direito de produzir um Direito Processual Penal rompendo com o saber tradicional, em muitos setores vesgo e defasado (…).”[34]

                                                                                              “Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes[35]

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[1] Rômulo de Andrade Moreira é Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público Estadual (BA). Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA) e IELF (SP). Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal” e “Comentários à Lei Maria da Penha” (em coautoria com Issac Guimarães), ambas editadas pela Editora Juruá, 2010 (Curitiba); “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares” (2011), “Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo” (2013), “Uma Crítica à Teoria Geral do Processo” (2013) e “A Nova Lei do Crime Organizado”, publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre), além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

[2] O art. 17 da Lei nº. 11.340/2006, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mullher, veda “a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.” E, como já foi referido, o art. 41 desta mesma lei proíbe a aplicação de todos os dispositivos da Lei nº. 9.099/95 quando se tratar de violência doméstica ou familiar, o que nos parece, à luz da isonomia constitucional e do princípio da proporcionalidade, uma clara inconstitucionalidade. Neste sentido conferir a nossa obra sobre a Lei Maria da Penha, em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães, Salvador: Editora JusPodivm, 2008. 

[3]Lei dos JuizadosEspeciais Criminais (com Geraldo Prado), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 110.

[4] Observa-se que a expressão “culpabilidade” não está inserida como requisito subjetivo para a proposta de transação (art. 76, § 2º., III).

  

[6] A Terceira Velocidade do Direito Penal seria o chamado “Direito Penal do Inimigo”.

[7] A Expansão do Direito Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 145, 147 e 148 (tradução de Luiz Otavio de Oliveira Rocha).

[8] Justiça Restaurativa e Transação Penal – Artigo de Alexandre Ribas de Paulo, publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, nº. 252, novembro;2013, ISSN 1676-3661.

[9] A respeito do papel da vítima no Processo Penal, veja-se este trecho de parecer subscrito por Lênio Luiz Streck, exarado nos autos da Apelação Crime nº. 70.006.451.827, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “De pronto, não se deve, em hipótese alguma, esquecer que a vítima não faz parte do processo penal (contemporâneo), eis que o Estado, na qualidade de acusador, reivindica, para si, o ius puniendi. Trata-se, sem dúvida, de uma conquista da própria civilização. Ao abdicar do seu direito de resolver o conflito individualmente (por não ter capacidade de sublimação), conferindo este poder a um terceiro imparcial que o substitui processualmente, o homem optou pela civilidade à barbárie! Como é sabido, o Estado expropria o direito da vítima, uma vez que esta não tem qualquer interesse de índole penal. A sanção penal não está voltada para a satisfação retributiva da vítima; não tem caráter reparatório!” Do contrário, afirma o autor, “é retroceder e apontar para a (neo) privatização de um direito eminentemente público. Simples, pois! (Porto Alegre, 20 de junho de 2003).

[10]AçãoPenal – Denúncia, Queixa e Aditamento, Rio de Janeiro: AIDE, 3ª. ed., 2002, p. 37.

[11]Lei dos JuizadosEspeciais Criminais (escritacom Geraldo Prado), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 139.

[12]Elementospara uma análisecrítica da transaçãopenal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 169.

[13] Nova Lei de Drogas, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 139.

[14] Habeas Corpus nº. 79.572 – 2ª. Turma, j. 29/02/2000, Rel. Min. Marco Aurélio. Assimtambémpensa Cezar Roberto Bitencourt, ob. cit., p. 12.

[15] O que não significa que seja um negócio jurídico, evidentemente.

[16] Como afirma José Frederico Marques, “só se pode falar em ação quando, com o pedido, se instaura uma relação processual. Outras atividades postulatórias e são muitas – que qualquer dos sujeitos processuais exerça, refogem do conceito de ação (…) Se, com o pedido, instaurar-se uma nova instância, esse pedido será manifestação do exercício do direito de agir.” (Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 298).

[17]JuizadosEspeciais Criminais, São Paulo: Atlas, 4ª. ed., 2000, 149.

[18] Tampouco admitimos a homologação do acordo após o cumprimento da pena pelo autor do fato, como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça. Neste sentido, veja-se esta decisão do Supremo Tribunal Federal: “SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – HABEAS CORPUS 88.616-7 RIO DE JANEIRO – RELATOR: MIN. EROS GRAU – EMENTA: HABEAS CORPUS. JUIZADO ESPECIAL. TRANSAÇÃO PENAL. EXIGÊNCIA DO ATO IMPUGNADO DE QUE A HOMOLOGAÇÃO OCORRA SOMENTE APÓS O CUMPRIMENTO DA CONDIÇÃO PACTUADA: CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DIREITO À HOMOLOGAÇÃO ANTES DO ADIMPLEMENTO DAS CONDIÇÕES ACERTADAS. POSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO OU DE PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. I. Consubstancia constrangimento ilegal a exigência de que a homologação da transação penal ocorra somente depois do adimplemento das condições pactuadas pelas partes. II. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a transação penal deve ser homologada antes do cumprimento das condições objeto do acordo, ficando ressalvado, no entanto, o retorno ao status quo ante em caso de inadimplemento, dando-se oportunidade ao Ministério Público de requerer a instauração de inquérito ou a propositura de ação penal. Ordem concedida.” VOTO: “(…) Essa pretensão contraria a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de que “[i]mpõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando a denúncia” (HC n. 79.572, relator o Ministro Marco Aurélio, 2ª Turma, DJ de 29/2/2000). Confira-se, no mesmo sentido, decisão recente desta Turma (13/6/2006), proferida no HC n. 88.785, por mim relatado (acórdão pendente de publicação). 3. Como o acórdão impugnado determinou que a homologação fosse implementada somente após o cumprimento da condição, a ordem aqui há de ser concedida, em parte, apenas para determinar que o Juiz de primeiro grau homologue, por sentença, desde já, a transação penal; ato que, todavia, tornar-se-á insubsistente, viabilizando a persecução penal, se o paciente não cumprir o que foi acordado com o Ministério Público. 

[19] “Eficácia Jurídica da Transação Judicial Homologada e a ‘Exceptio Litis Per Transactionem Finitae”, Revista da AssociaçãoPaulista do MinistérioPúblico, Dez/Jan – 2000.

[20] Natália Oliveira de Carvalho, A Delação Premiada no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 78.

[22] Manual da Inquisição, por Nicolau Eymereco, Curitiba: Juruá, 2001, (tradução de A. C. Godoy).

[23]Hoje, inclusive e principalmente a doutrinaestrangeira, prefere a expressão “colaboração processual”, aindaquetalcolaboração se dê, também, na fase pré-processual, como informa Eduardo Araújo da Silva (Boletim do IBCCrim. nº. 121, dezembro/2002).

[24] Crimes Hediondos, LEUD, 4ª. ed., p. 126.

[25] A propósito, o Supremo Tribunal Federal decidiu que um juiz que supervisionou um processo, ainda na fase de instrução em que houve delação premiada, pode ser o mesmo que recebe a denúncia para abrir a ação penal contra o réu. A decisão da Primeira Turma julgou não haver impedimento para o magistrado atuar nas duas fases processuais, acompanhando o voto do Ministro Dias Toffoli e indeferindo o Habeas Corpus nº. 97553 em que um empresário acusado de gestão fraudulenta pedia o reconhecimento da suspeição do juiz para anular todo o curso da ação penal desde o recebimento da denúncia.O colegiado rejeitou o pedido e manteve o curso da ação penal por crime contra o Sistema Financeiro Nacional que o empresário S.A.M responde perante a Justiça Federal no Paraná. A Turma entendeu que os argumentos apontados pela defesa do empresário não estão contemplados no artigo 252 do Código de Processo Penal, que elenca as hipóteses de impedimento de um juiz atuar em determinado processo. A avaliação dos ministros é de que não houve na decisão do juiz da 2ª Vara Criminal Federal de Curitiba, especializada em lavagem de dinheiro e crimes contra o Sistema Financeiro, qualquer ilegalidade ou abuso de poder que justificasse a anulação da ação penal. O ministro Dias Toffoli observou em seu voto que embora ainda não exista no Brasil o chamado Tribunal de Instrução, não há impedimento para o juiz conduzir mais de um procedimento sobre uma mesma questão, desde que isso seja feito em mais de um grau de jurisdição. Segundo Dias Toffoli, no caso o magistrado “apenas agiu administrativamente como um supervisor”, um coordenador, quando acompanhou os depoimentos que levaram à denúncia do empresário. Os demais ministros da turma seguiram esse entendimento.

[26] ESTELLITA, Heloísa. A delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas reflexões à luz do devido processo legal. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 202, p. 2-4, set. 2009Paranós é tremendamenteperigosoque o DireitoPositivo de umpaís permita, e mais do queisso incentive os indivíduosque nele vivem à prática da traiçãocomomeio de se obterumprêmioouumfavorjurídico.

[27] ApudPaulo Rangel, in Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 7ª. ed., 2003, p. 605.

[29] Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19a. ed. 1991, p. 60.

[30] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Ano 13, nº. 154, setembro/2005, p. 9.

[31]TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS – Número do processo: 1.0145.05.262763-8/001(1) – Relator: ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS – Data do acórdão:  09/01/2007  – Data da publicação:  25/01/2007 – EMENTA: ROUBO BIQUALIFICADO – EMPREGO DE ARMA E CONCURSO E AGENTES – DESCLASSIFICAÇÃO FORMA TENTADA – CONFISSÃO – DELAÇÃO PREMIADA – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO – DISPARO – RESISTÊNCIA – ‘POST FACTUM’ IMPUNÍVEL – PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. O roubo consuma-se no momento em que o agente, mediante violência ou grave ameaça, se torna possuidor da ‘res furtiva’, pouco importando que seja por breve lapso temporal, bastando apenas que a res saia da esfera de vigilância da vítima. A confissão e delação dos outros agentes gera apenas direito à atenuante da confissão espontânea, pois a chamada delação premiada somente pode ser acolhida quando da efetiva colaboração resultar na identificação e prisão dos demais autores, o que não ocorre quando todos os agentes são presos em flagrante e na posse da ‘res furtiva’. Tem-se o ‘ante factum’ impunível sempre que um fato anterior menos grave for praticado como meio necessário para a realização de outro mais grave, ficando por este absorvido, o mesmo ocorrendo em relação ao ‘post factum’, o qual ocorre quando após realizada uma conduta, o agente pratica novo fato visando proveito da conduta anterior, o que ocorre quando o agente efetua disparo com a arma empregado no roubo e oferece resistência à ordem de prisão, não podendo estes delitos ser considerados autônomos, pois não passaram de um desdobramento da violência caracterizadora do roubo para garantir a posse da ‘res furtiva’. Recursos da defesa e da acusação parcialmente providos.” Vejamos este trecho do voto: “(…) No que diz respeito ao reconhecimento da atenuante da confissão e da delação premiada, melhor sorte não lhe assiste, pois tendo a pena do delito de roubo sido fixada em seu patamar mínimo, não havia e não há como trazê-la para baixo desse patamar, pois de acordo com a Súmula n.º 231 do STJ é inadmissível a redução da pena aquém do mínimo legal. Lado outro, a confissão e delação dos outros agentes gera apenas, quando possível, direito à atenuante da confissão espontânea, pois a chamada delação premiada somente pode ser acolhida quando da efetiva colaboração resultar na identificação e prisão dos demais autores, o que não ocorre quando todos os agentes são presos em flagrante delito na posse da res furtiva.”

[32] Direito Penal, 4a. ed. Tomo. III, p. 140, 1984.

[33]O Projeto de Lei 6.578/2009, que tipifica penalmente a organização criminosa, regulamenta os respectivos meios de obtenção de prova e dá outras providências de natureza processual, propõe uma nova regulação ao instituto da colaboração premiada. A colaboração premiada atualmente tem previsão em diversas leis vigentes, como a Lei 9.807/1999, o Código Penal, a Lei 8.137/1990, entre outras, e com diversas denominações (delação premiada; acordo de leniência…). O regime jurídico proposto no texto para a colaboração premiada, além de empregar a terminologia jurídica correta, classifica-a como meio de obtenção de provas, porquanto o meio de prova é a declaração do colaborador e não o ato de colaborar, e ainda prescreve os limites do seu valor probatório, define o respectivo procedimento e os seus reflexos penais e processuais. Um dos avanços que merece particular destaque está previsto no art. 4.º, § 4.º, I e II, em que se abre ao Ministério Público a possibilidade de arquivamento da investigação contra o colaborador, desde que, sendo o acordo efetivo, o colaborador não seja o líder da organização ou que seja o primeiro a prestar efetiva colaboração. Importante assinalar que nesse caso a promoção de arquivamento assume certa particularidade, uma vez que o seu fundamento é o acordo entre o Ministério Público e o colaborador, com a consequente aplicação imediata da pena reduzida ou o perdão judicial. Portanto, a decisão que homologa o arquivamento nessa hipótese faz coisa julgada material em relação ao seu objeto. A hipótese supradescrita coloca em discussão, todavia, três questões essenciais, que merecem uma reflexão mais acurada, que são a aplicação da pena sem processo judicial, a relativização do princípio da obrigatoriedade na ação penal pública e a busca da verdade com princípio informativo do processo penal.” (Bechara, Fábio Ramazzini. Colaboração premiada segundo projeto de lei das organizações criminosas. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 233, p. 04-05, abr., 2012).

[34] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.

[35]Marcos, 14,30 – Palavras de Jesus a Pedro.

Como citar e referenciar este artigo:
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A regra da obrigatoriedade da Ação Penal Pública e as suas exceções no Direito Brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-regra-da-obrigatoriedade-da-acao-penal-publica-e-as-suas-excecoes-no-direito-brasileiro/ Acesso em: 20 mai. 2024