Dos diversos aspectos da fraude e suas conseqüências.
Antonio de Jesus Trovão*
“Fácil é sempre ver as faltas alheias, difícil é ver as próprias. Espalhamos as faltas alheias como a palha do trigo ao vento, mas as nossas, ao contrário, as dissimulamos, como, no jogo, um astuto trapaceiro dissimula sua fraude.”- Buda.
INTRODUÇÃO.
Analisando-se o verbo FRAUDAR, temos a partir do exame singelo dos dicionários que refere-se a ato de falsificar ou adulterar, e também de burlar a verdade com vistas à obtenção de um interesse escuso próprio àquele que pratica a fraude. Trata-se de um engano malicioso, produzido de má-fé para ocultação da verdade ou ainda fuga do cumprimento de um dever ou de uma obrigação. É a intenção deliberada de causar prejuízo a terceiros (ato lesivo propriamente dito ou apenas a ameaça de fazê-lo).
Desta forma, basta a mera verificação de sua ocorrência (do prejuízo) para caracterizar-se a fraude e o ato tido como fraudulento. É, sem sombra de dúvida a prática insinuosa da má-fé, que segundo o Código Penal do Império, é “o conhecimento do mal e a intenção de praticá-lo) e sua resultante – o dolo – nada mais é que a má-fé concretizada.
Fraudar é corromper, falsificar, adulterar, perverter, depravar, praticar a omissão pura e simples da verdade com o intuito de lesar a outrem, ou apenas esquivar-se do cumprimento de uma obrigação de qualquer natureza. O elemento primordial da fraude é a má-fé, bastando sua configuração para que o ato seja eivado de fraudulência e exigindo e imediata reparação, seja de caráter civil (responsabilidade), seja pela via penal com a aplicação da sanção cabível.
Uma consideração clássica é aquela encontrada na mera intelecção do parágrafo 3° do artigo 628 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual segue transcrito:
Art. 628 – Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração. (Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 229, de 28-02-67, DOU 28-02-67, alterado pela MP nº 2.164-41 , de 24-08-2001, DOU 27-08-2001 – v. Em. Constitucional nº 32).
§ 3º- Comprovada a má-fé do agente da inspeção, quanto à omissão ou lançamento de qualquer elemento no livro, responderá ele por falta grave no cumprimento do dever, ficando passível, desde logo, da pena de suspensão até 30 (trinta) dias, instaurando-se, obrigatoriamente, em caso de reincidência, inquérito administrativo. (Parágrafo incluído pelo Decreto-Lei n.º 229, de 28-02-67, DOU 28-02-67)
Assim, temos que a simples omissão do agente público no exercício de suas funções evidencia a má-fé e, conseqüentemente, o ato fraudulento.
Precipuamente, há dois tipos distintos de fraude: contra credores e à execução. A primeira caracteriza-se, segundo ORLANDO GOMES (1): “propósito de prejudicar terceiros, particularizando-se em relação aos credores. Mas não se exige o animus nocendi, bastando que a pessoa tenha a consciência de que, praticando o ato, está prejudicando seus credores. É, em suma, a diminuição maliciosa do patrimônio (Caio Mário). O ato fraudulento é suscetível de revogação pela ação pauliana.” (GOMES, 2000: 430-431).
A fraude contra credores é o propósito de prejudicar o credor, furtando-lhe a garantia geral que deveria encontrar no patrimônio do devedor. Os requisitos da fraude contra credores são os seguintes: a) má-fé (malícia do devedor); e b) a intenção de impor prejuízo ao credor. Ou seja, a o conhecimento do mal e a intenção de praticá-lo e, por conseguinte, a sua concretização. Não é mero ato de fé a convicção, mas propósito determinado pela vontade do agente que, mesmo conhecedor dos eventuais prejuízos que serão causados à terceiros, invoca-se na firme decisão de turvar-lhes a oportunidade de satisfação de seus créditos. Constitui, portanto, ação voluntária, consciente e destituída de desconhecimento da causa, sendo certo que eventual prejuízo será acarretado aos terceiros tidos, neste momento, como de boa-fé. Note-se ainda que a fraude contra credores seja causa de anulabilidade do ato, e não de nulidade. A anulação, que se dá com o uso da ação pauliana, tem por efeito a reposição do bem no patrimônio do devedor ou o cancelamento da garantia especial concedida, a fim de que seja restituído seu caráter de garantia genérica.
A fraude à execução, de acordo com Moacyr Amaral Santos, é modalidade de alienação fraudulenta, assim como a fraude contra credores, e sua gravidade encontra-se no fato do agente desenvolver atos no sentido de impedir que a função jurisdicional seja concretizada, tendo em vista a existência de ação judicial em curso sobre a qual incide uma execução de qualquer natureza.
De acordo com Humberto Theodoro Júnior, a diferença básica entre a fraude de execução e a fraude contra credores é a seguinte:
“a) a fraude contra credores pressupõe sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos; é causa de anulação do ato de disposição praticado pelo devedor;
b) a fraude de execução não depende, necessariamente, do estado de insolvência do devedor e só ocorre no curso de ação judicial contra o alienante; é causa de ineficácia da alienação.” (THEODORO JUNIOR, 2002: 101).
Do ponto de vista jurisprudencial emerge caracteristicamente que diferem ambos os institutos pela preservação de interesses escusos, de um lado a possibilidade de um eventual estado de insolvência que conduz o agente a frustrar as expectativas de seus credores, enquanto que no outro aspecto, vale-se ele da boa intenção de um terceiro, ou ainda de novo interesse escuso deste mesmo terceiro em beneficiar-se em troca do impedimento de que a execução seja satisfeita, evitando que o real credor veja o cumprimento da determinação judicial que lhe foi favorável e que se concretize com a entrega do bem da vida.
UM POUCO DE HISTÓRIA.
O termo “lavagem de dinheiro”, surgiu entre os anos 20 e 30 nos Estados Unidos da América, quando a atividade desenvolvida pelos gangsters (chefes mafiosos) envolvendo bebidas, jogos ilegais e prostituição geravam montantes de dinheiro que eram reciclados em negócios lícitos, em especial, lavanderias que serviam como focos gestores para o fluxo do dinheiro ilegal gerado.
Ao longo do tempo, têm-se a fraude ou operação fraudulenta como ação baseada em pura má-fé, abusando da confiança de terceiros cujas intenções são as mais inocentes possíveis – isto no caso da fraude contra credores – demonstrando de forma inequívoca que o agente praticante do ato fraudulento tem a intenção de fraudar, vontade determinada e motivada para que suas ações tenham absoluto sucesso, pouco importando quem sejam as suas vítimas. Fraudar em face dos credores requer apenas e tão somente uma possível situação de insolvência do devedor que, para fugir da eventual possibilidade de ver seu patrimônio constrito, procede à sua alienação para terceiros tidos, até então de boa-fé, por meio de doações, vendas, arrendamentos e outras operações a ele disponíveis, com a finalidade de deixar evidente aos verdadeiros credores que inexistem bens capazes de solver as dívidas anteriormente contraídas pelo devedor que pode esquivar-se de perder integralmente seu patrimônio enquanto – teoricamente – poderá refazer-se a tempo de renegociar suas dívidas e, a seguir, reaver seu patrimônio por operações inversas.
Ou seja, fraudar em face de credores, nada mais é que mentir, ocultar a sua verdadeira situação com o intuito de refugiar-se das penalidades decorrentes por ausência de honra ao contrair dívidas, ou assumir compromissos de toda a ordem. Importa também lembrar, como faz JORGE AMERICANO (1932:56), que “a alienação é o meio de converter os bens imóveis ou móveis de difícil ocultação, em moeda corrente, facilmente ocultável. Mas, outras vezes é o meio procurado pelo devedor para obter fundos com que manter o seu crédito e desembaraçar-se da má situação que considera passageira”.
Fica evidente a intenção do devedor em preservando o seu patrimônio encontrar tempo hábil ante seus credores para renegociar suas dívidas, recuperando seu status quo ante, pelo qual estará novamente apto a reiniciar sua vida novamente. Deste ponto de vista, o fraudador poderia ser tomado como alguém cuja única intenção seria obter, ou melhor, recuperar sua saúde financeira e poder tocar novamente a sua vida, tomando-se, portanto, como um indivíduo bem-intencionado com vistas à recuperação financeira, o que não pode ser tomado como uma postura verdadeira, posto que este indivíduo possa tornar tal atitude uma atividade oportunista, pela qual, toda a vez que encontrar-se em dificuldades financeiras, valer-se-á de tal instituto com a finalidade de safar-se de seus credores, demonstrando a ilicitude do ato, já que assim praticado demonstra um ânimo em fraudar de forma perene e constante, sempre que necessário (ou não), inclusive com a formação de esquemas diversos que lhe proporcionem a melhor saída em face dos débitos assumidos.
Da mesma forma que os assim denominados terceiros de boa-fé poderiam, de antemão conhecer a situação de insolvência em que se encontrava o agente fraudador, e mesmo conhecendo tal situação, insistiriam em com ele contrair negócio jurídico inválido (veja-se não ineficaz, mas inválido), apenas e tão somente para contribuir para que a fraude tome corpo, sendo eles, portanto, cúmplices (após elementos de prova suficientes) do ato intencionalmente desenvolvido pelo agente com a intenção de lesar seus credores.
Inequívoco, portanto, a intenção firme do agente em lesar terceiros bem como seus credores, sem que haja qualquer intenção no sentido apenas de saldar dívidas, ou renegociá-las, conduzindo todo o sistema a um desequilíbrio que pode (e vai) afetar diretamente o princípio da segurança jurídica, que afeta tanto o sistema jurídico positivado, como também os sistemas econômico e financeiro, prejudicando as operações de crédito, e ainda a circulação de bens, serviços e mercadorias.
Ou seja, a atividade fraudulenta não é apenas um instituto jurídico que deve ser olhado sobre à luz da Ciência do Direito, mas principalmente, um instituto de lesão do sistema financeiro nacional, prejudicando que empresas, financistas, investidores e consumidores possam valer-se do crédito como instituto de geração de riquezas e oportunidades. A fraude contra credores é mais que uma lesão a ser condenada pelo Direito. É uma atividade ilícita, penalmente apontada, até mesmo porque pode ser capaz de gerar uma quebra de todo o equilíbrio no sistema econômico-financeiro de um país.
Por fim, tem-se que o combate à fraude contra credores tem por princípio que lhe sustenta a própria existência do sistema financeiro, permitindo que o crédito seja fornecido de maneira segura a todos aqueles que dele necessitem. O fraudador não pode ser tomado com alguém imbuído de qualquer boa-intenção, já que seu objetivo é o de lesar outras pessoas, trair a sua confiança e no seu próprio benefício prejudicar todo um sistema que alimenta e estrutura a existência de uma nação.
Não vamos nos perder em divagações desnecessárias, mas cabe salientar que o crime de fraude foi aquele que mais cresceu nos últimos anos, demonstrando que não se trata apenas de um ato desesperado de quem contraiu mais dívidas do que a sua capacidade financeira poderia suportar. O fraudador dos dias de hoje é um profissional que tem por finalidade beneficiar-se do ato lesivo, fraudando contra pessoas de boa-fé, tomando-lhes o patrimônio para a satisfação do seu próprio, enriquecendo a partir de outras pessoas que desconhecem suas intenções (o conhecimento do mal e a intenção de praticá-lo).
FRAUDE À EXECUÇÃO.
Como ensina o mestre LUIS ARLINDO FERIANI FILHO, mestrando do Curso de Mestrado
“O ato do devedor executado viola a própria atividade jurisdicional do Estado (art. 593 do Código de Processo Civil).
Um dos atributos do direito de propriedade é o poder de disposição assegurado ao titular do domínio. Mas, o patrimônio do devedor é a garantia geral dos seus credores; e, por isso, a disponibilidade só pode ser exercitada até onde não lese a segurança dos credores.
Daí desaprovar a lei as alienações fraudulentas que provoquem ou agravem a insolvência do devedor, assegurando aos lesados a ação revocatória para fazer retornar ao acervo patrimonial do alienante o objeto indevidamente disposto, para sobre ele incidir a execução. Essa ação, utilizada para os casos de fraude contra credores, denomina-se ação pauliana e funda-se no duplo pressuposto do eventus damni e do consilium fraudis. Aquele consiste no prejuízo suportado pela garantia dos credores, diante da insolvência do devedor; e este no elemento subjetivo, que vem a ser o conhecimento, ou a consciência, dos contraentes de que a alienação irá prejudicar os credores do transmitente, desfalcando o seu patrimônio dos bens que serviriam de suporte para a eventual execução. O exercício vitorioso da pauliana restabelece, portanto, a responsabilidade dos bens alienados em fraude contra credores.
Entende-se, porém, muito mais grave a fraude quando cometida no curso do processo de condenação ou de execução. O eventual negócio não agride somente ao círculo potencial de credores. Está em jogo, agora, a própria efetividade da atividade jurisdicional do Estado. A fraude frustra, então, a atuação da Justiça, e, por isso, é repelida mais energicamente.
Nesta espécie de fraude, segundo o entendimento uniforme da doutrina, os atos de alienação ou de oneração realizados pelo obrigado se ostentam ineficazes. Não se cuida de ato nulo ou anulável.
Ensina, a este propósito, Humberto Theodoro Júnior, que:
‘…o negócio jurídico, que frauda a execução, diversamente do que se passa com o que frauda credores, gera pleno efeito entre alienante e adquirente. Apenas não pode ser oposto ao exeqüente. Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulenta, como se estas não tivessem ocorrido. O bem será de propriedade do terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito…
Neste mesmo sentido, assentou a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: “Na Fraude de execução, o ato não é nulo, inválido, mas sim ineficaz em relação ao credor’.
Em contrapartida, a fraude contra credores é causa de anulabilidade do ato, cujo reconhecimento, e o conseqüente desfazimento daquele, ocorre em ação própria.
Não se requer, por isso, a presença do elemento subjetivo da fraude (consilium fraudis) para que o negócio incida no conceito de fraude de execução. A boa fé do adquirente também não é importante”.
A dicção do artigo 593 do Código de Processo Civil é cristalina ao asseverar que:
Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:
I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real;
II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;
III – nos demais casos expressos em lei.
A fraude realizada quando o devedor encontra-se submetido à processo executório não é mais um ato praticado contra pessoas, mas sim praticado contra o Estado na pessoa do Judiciário, posto que exista uma sentença transitada em julgado, uma decisão que determina a liquidação do feito e um agente que, sagrando-se vencedor na lide originalmente estabelecida precisa ver satisfeito o seu direito; ou seja, o devedor não impõe mais uma lesão apenas ao credor, mas sim lesiona ele todo o sistema jurídico positivado, criando uma situação insustentável que não pode ser admitida sob pena de causar, novamente, uma situação de insegurança jurídica, pela qual todos os cidadãos encontrar-se-ão em perigo iminente de não mais poder acreditar na confiabilidade do todo o sistema estatuído pelo Estado através de seus mecanismos de funcionamento, bem como prejudicando imediata e diretamente os fundamentos da República Federativa que estarão em estado de perigo.
FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL.
A Lei das execuções fiscais não dispõe sobre a fraude de execução, mas seu artigo 1º determina a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Há regra especial no Código Tributário Nacional:
Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução.
Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.
Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito.
A Lei das execuções fiscais (Lei 6.830/1980) dispõe:
Art 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Art 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
A Lei 4.320/1967, que estabelece normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, estabelece:
Art. 39
§ 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa Não-Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Redação dada pelo Dec-lei nº 1.735, de 20/12/79).
Observe-se que o artigo 185 do CTN refere-se exclusivamente aos créditos de natureza tributária, cabendo invocar-se, quanto aos demais, as regras gerais dos artigos 592 e 593 do Código de Processo Civil.
Argumentando com a exceção prevista no seu parágrafo único, sustenta MOSCON que é relativa a presunção decorrente do artigo 184 do CTN.
Sobre o sentido da expressão “dívida ativa em fase de execução”:
A doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vêm entendendo que, para a configuração de venda em fraude à execução, urge que o então alienante tenha, anteriormente à venda, sido regularmente citado. (STJ, 1ª Turma, RESP 506479, Ministro José Delgado, relator, j. 17.06.2003).
O que se nota é que não há diferença significativa entre a fraude à execução comum e à fiscal. O que ocorre é que, freqüentemente, a Fazenda Pública não precisa sequer alegar fraude de execução, bastando-lhe invocar seus privilégios, como o do artigo 184:
Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula (grifei), excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.
Cabe evidenciar que a execução sempre possui caráter patrimonial, ou seja, persegue-se bens do devedor capazes de suportar o ônus que sobre ele recaí, não havendo que se falar, portanto, em execução sobre a pessoa do devedor. Ademais, se assim o fosse, o credor, por sua vez, jamais veria satisfeito o seu crédito, já que sendo a obrigação de caráter eminentemente pessoal, redundaria em eternização do débito sem qualquer perspectiva de concretização ou de extinção conforme prevê o artigo 794 do mesmo Código de Processo Civil. Bem ainda, temos que a toda a satisfação à um dano possui caráter ressarcitório de ordem patrimonial, buscando a reposição de um bem anteriormente objeto de lesão.
Nos dizeres de LIEBMAN, citado por HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: “a intenção fraudulenta está in re ipsa; e a ordem jurídica não pode permitir que, enquanto pende o processo, o réu altere a sua posição patrimonial dificultando a realização da função jurisdicional” – o que se leva a concluir ser irrelevante que o ato seja real ou simulado, de boa ou de má-fé.
Veja-se ainda que o instituto ora em análise também pertence ao mundo do Direito Penal, posto que previsto no artigo 179 do Código Penal vigente e consiste na subtração de bens à penhora, utilizando-se de condutas como alienação, desvio, destruição ou danificação. Também consiste no ato de prejudicar o rateio entre os credores, mediante a inclusão de devedores fictícios para simular dívidas. É necessário que exista execução instalada ou sentença apta à execução. Trata-se de crime próprio. Neste crime a ação penal é privada, conforme consta no artigo 179, parágrafo único. Se atingir interesses da União, Estado ou Município será ação pública incondicionada.
De qualquer forma que se observa o instituto ora em análise, verifica-se que a fraude à execução pretende lesar patrimônio que servirá de garantia para a satisfação de crédito decorrente de ação judicial transitada em julgado, e o agente fraudador nada mais é que um criminoso, que valendo-se de meios ilícitos pretende esquivar-se de ver seu “ex-adverso” receber aquilo que é seu por direito. E, destaque-se, que tal postura demonstra inequívoca vontade do agente, intenção firme e determinada no sentido não apenas de proteger seu patrimônio da execução, mas principalmente de impossibilitar que seu eventual impositor possa, por sua vez, beneficiar-se deste mesmo patrimônio a fim de resgatar uma lesão ou ameaça de lesão que lhe tenha sido imposta pelo devedor em momento anterior. Ou seja, a intenção do agente não é apenas evitar que a execução se concretize, mas principalmente, constatar que ela não se torne um fato na vida jurídica do credor, valendo-se de meios lesivos suficientes para tal realização.
Todavia, este mesmo agente, ao praticar tal evento, realiza um fenômeno lesivo não mais em face do credor, mas sim em face do Estado, causando novamente a ocorrência do evento de lesão ao princípio da segurança jurídica, comprometendo todo o sistema positivado, e eivando de vícios todas as relações estabelecidas entre cidadãos e o Estado, representado por um de seus poderes: O Judiciário.
Não nos esqueçamos ainda que o agente causador da lesão ao cometê-la, projeta além de si um ato ilícito e criminoso, posto que ao fraudar a execução que sobre ele pende, o faz em plena afronta do Direito, sabedor, inclusive dos riscos iminentes que estão sob sua condição de lesador, agente capaz, e com plena distinção de que as penas lhe serão duras. Assim, condicionando sua ação à um efeito desejado e plenamente esperado, o fraudador age com plena consciência de que seus atos resultarão em prejuízo não apenas para as pessoas envolvidas, mas também para todo o tecido social, ocasionando sua ruptura com a quebra do princípio da segurança jurídica.
Temos, portanto, uma necessidade premente de impedir que a fraude à execução, assim como a fraude contra credores seja manipulada de forma a resultar num processo desarmônico, onde todas as pessoas sofrerão as conseqüências do ato cometido. E não é apenas isso. A punição deve prever, além da restituição à situação originalmente harmoniosa com também assegurar que o evento não venha a se repetir, não se tratando, assim, de ressocialização do indivíduo agente da lesão, mas sim de punição pura e simples em uma clara demonstração de que o ato por ele cometido não pode ser por ninguém repetido, sob pena de tornar-se mais que um vício um hábito a ser repetido e ensinado a todos os interessados em valer-se de um oportunismo mais que vil.
Desta forma, acreditamos que a fraude em qualquer de seus aspectos deve ser repelida de forma tão intensa que a autoridades, a sociedade e todos os cidadãos devam unir-se em torno de um interesse comum: preservar a seriedade do sistema, a sua credibilidade plena e, finalmente, assegurar que o sistema jurídico vigente seja respeitado acima de qualquer interesse individual escuso e sem dignidade.
CARACTERIZAÇÃO DAS ESPÉCIES DE FRAUDE AQUI ESTUDADADAS.
a) A fraude contra credores, que é instituto de direito material, regulada entre nós pelo Código Civil (arts.
b) A fraude à execução, instituto de natureza processual regulado pelos arts. 592, V, e 593 do Código de Processo Civil, como já afirmado, pressupõe um processo instaurado. Portanto, só pode ocorrer no curso da ação judicial intentada contra o alienante, e não depende do seu eventual estado de insolvência. Sua ocorrência determina a ineficácia do ato de disposição dos bens. Ademais, além de prejudicar o credor, também afeta a função jurisdicional, por criar-lhe sérias dificuldades de atuação.
FRAUDE CONTRA CREDORES |
FRAUDE DE EXECUÇÃO |
|
Supõe pendência de ação (CPC, art. 593) |
Instituto de direito material |
Instituto de direito processual |
É causa de anulação, como dispõe o artigo 158 do Código Civil. |
Determina a ineficácia do ato de alienação ou oneração. |
Elemento subjetivo: no caso de alienação a título oneroso, configura-se quando o adquirente conhecia, ou podia conhecer a insolvência do alienante (Cód. Civil, art. 159). |
Prescinde de elemento subjetivo (má-fé do adquirente). |
Exige ação própria, a chamada ação pauliana, a que se refere o artigo 161 do Código Civil. |
É declarada incidentemente. |
BIBLIOGRAFIA:
MARTINS, Sérgio Pinto – Direito do Trabalho – 17ª edição. São Paulo. Editora ATLAS. 2002.
ARAÚJO, João Vieira de – Código Penal Comentado – 1ª edição. Rio de Janeiro. Laemmert & Cia Editores. 1896.
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol.3. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
CLEDI DE FÁMITA MANICA MOSCON, Fraude de execução e a ineficácia dos atos de disposição de bens subtraídos à garantia patrimonial no Processo Civil. Dissertação de Mestrado, apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovada em 14.10.2003, pela Banca examinadora constituída pelos Professores José Maria Rosa Tesheiner, Araken de Assis e Luís Renato Ferreira da Silva.
* Graduação em Administração de Empresas pela Escola Superior de Administração de Negócios (ESAN), Campus de São Paulo (ano de 1995) – pós-graduação
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