Introdução
O presente artigo objetiva tecer breves considerações sobre a constitucionalidade e os pressupostos de aplicabilidade do artigo 285-A, do Código de Processo Civil.
Justificativa
Recentemente, a Lei n° 11.277, de 7 de fevereiro de 2006, vigente desde 9 de maio de 2007, acrescentou ao Código de Processo Civil o art. 285-A, §§ 1° e 2°, o qual, a seguir, transcrevemos:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.
Segundo doutrinadores, o novel artigo constitui mais uma técnica processual criada pelo legislador com o intuito primordial de conferir maior celeridade e efetividade ao processo civil.
Ressalte-se, porém, que dentre as últimas reformas do CPC, o dispositivo em tela é um dos mais polêmicos, inclusive suscitando importante reflexão acerca do princípio do contraditório, notabilizado no art. 5°, LV da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.
Recentemente, amparada em parecer do jurista Paulo Medina, a OAB Nacional ingressou, em Março de 2006, com ADIN 3695, visando obter a declaração de inconstitucionalidade de toda a lei, sob o fundamento de que a mesma violaria o direito de ação, o direito ao contraditório e o devido processo legal.
Argumenta a OAB em sua petição inicial:
o direito de ação é, pela norma fustigada, limitado, restringido, ante a eliminação que se faz do procedimento normal pela pronta prolação da sentença emprestada. O direito de ação é direito de provocar o surgimento da relação processual triangular (autor-juiz-réu) afastada tal possibilidade no âmbito de primeiro grau, exsurge sua evidente restrição.
(…)
Por fim, cabe apontar que a Lei 11. 277 macula ainda o devido processo legal. Como bem destacou Paulo Medida ainda em seu parecer anexo, o devido processo é conspurcado, quando o feito tem seu curso abreviado com fundamento em sentença, cuja publicidade é inexistente, que acaba por dar fim ao processo sem examinar as alegações do autor sem as rebater.
Desenvolvimento
Conquanto o Supremo Tribunal Federal não tenha ainda julgado o mérito da supracitada ADIN, defendemos que os argumentos nela contidos não se sustentam. Logo, de plano, há ressaltar que o julgamento prima facie, isto é, imediato do processo não constitui novidade no CPC, porquanto a interpretação combinada dos artigos 269, IV com o art. 295, IV, abre a possibilidade de o juiz extinguir o processo com julgamento do mérito quando “verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 219, § 5o)”, ou seja, antes mesmo de determinar a citação do réu para integrar a relação jurídica processual.
Outrossim, não falar em violação do contraditório, visto que a hipótese do artigo 285-A só se aplica nos casos de improcedência total da demanda, não havendo qualquer prejuízo para o réu que, sob determinado prisma, obtém ganho, até porque não lhe coube pagar honorários e arcar com os demais ônus processuais de uma demanda que, seguramente, será julgada improcedente.
Analisemos um pouco mais detidamente essa questão da ofensa ao contraditório.
Ao receber a petição inicial, se o juiz aplicar o art. 285-A, julgando, initio litis, o mérito da causa, três situações podem, como conseqüência, ocorrer:
a) inconformado, o autor interpõe o recurso de apelação, e o juiz se retrata, conforme o disposto § 1º;
b) o autor interpõe apelação, mas o juiz mantém sua decisão, na forma do § 2º;
c) o autor se conforma com a decisão e não recorre.
Observe-se que, nas duas primeiras hipóteses, não há sustentar ofensa ao contraditório, pois – em ambas – haverá a citação do réu. Na hipótese do primeiro parágrafo, se o autor apelar e o juiz decidir não manter a sentença, determinando o prosseguimento da ação, será o réu citado e, como se não tivesse havido a aplicação do art. 285-A, apresentará sua resposta.
Se, no caso do segundo parágrafo, for mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder o recurso. Ou seja, a defesa é feita em primeira mão, assim garantindo, igualmente, o contraditório
.
Ressalte-se que a citação, como chamamento do réu para responder ao recurso, há consagrada no art. 213:
Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.
Mesmo na terceira hipótese, quando, pela inexistência de recurso, o réu não será citado e, por conseqüência, a sentença transita em julgado, operando os efeitos da res iudicata, não se afigura qualquer violação ao contraditório, pois sua exigência, nesse caso, é dispensada.
A razão principal de existência do contraditório é assegurar à parte processual, a quem a decisão possa causar prejuízo, o direito de contribuir de forma a si favorável para a formação do convencimento do magistrado.
Na terceira hipótese em tela, entretanto, a decisão judicial, obrigatoriamente, será plenamente favorável ao réu. E se inexiste motivo para impugnar, qual a razão de assegurar e aplicar o princípio do contraditório?
A propósito, há aqui transcrever os ensinamentos de Fredie Didier Jr:
Sentença proferida sem a citação do réu, mas a favor dele, não é inválida nem ineficaz, tendo em vista a total ausência de prejuízo (art. 249, §§ 1º e 2º, do CPC).
Cumpre lembrar que a Constituição Federal ao conferir ao réu o direito ao contraditório, em nenhum momento determina que seja através de citação inicial. Portanto, como elucida Didier, “a citação não é pressuposto de existência do processo”. Haja vista o disposto no primeiro parágrafo do art. 214, que prevê a possibilidade de processo sem citação, em razão do espontâneo comparecimento do réu.
Se à parte a decisão foi inteiramente benéfica, cogitar a nulidade desta porque aquela não foi ouvida contraria o direito moderno. Nesse sentido, atente-se ao disposto no parágrafo único do art. 250:
Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa.
O Código permite que o juiz conceda ao autor – e, portanto, contra o réu – liminar de mérito. Tais normas autorizativas desses pronunciamentos antecipatórios – e destes há exemplos na antecipação de tutela (arts. 273 e 461, § 3°), nas liminares em geral, em razão da ação possessória (art. 928), do mandado de segurança (LMS, art. 7°, II), da ação civil pública, entre outras, concedidas inaudita altera pars – são constitucionais.
Cotidianamente, decisões liminares são exaradas contra o réu e sem sua oitiva. E demandado só toma conhecimento da decisão contra ele proferida quando esta é efetivada no mundo fático. E, em todos os casos, o contraditório é assegurado ao permitir-se ao prejudicado manifestar-se no feito, seja impugnando a decisão liminar através de recurso, seja por pedido de reconsideração.
Há lembrar que decisão antecipatória deferida sem a oitiva do réu, embora não tenha a forma de uma sentença, a esta se assemelha no conteúdo, porque decide, conquanto de modo parcial, o mérito da causa. Por coerência, se o juiz, constitucionalmente amparado, pode, sem citar o réu, conceder contra ele liminar meritória, por maiores razões, poderá o juiz beneficiá-lo com sentença de mérito.
Cumpre destacar que tanto a decisão interlocutória quanto a sentença são pronunciamentos provisórios de mérito, que podem ser impugnadas por recurso. E, assim sendo, o argumento de que o permissivo da decisão inaudita se firma em ser ela interlocutória e não sentença encontra-se desprovido de bom fundamento.
Atente-se ainda que, enquanto na liminar deferida initio litis, o réu inconformado poderá fazer uso do agravo que, via de regra, não tem efeito suspensivo, na hipótese do art. 285-A, o réu nem ao menos precisa preocupar-se com o efeito recursal, pois se nada foi deferido pelo juiz, nada há a suspender.
BREVE ANÁLISE SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 285-A
Na ADIN N° 3.695-5, interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os argumentos são de que o art. 285-A violaria os seguintes princípios constitucionais: igualdade, segurança, acesso à justiça, devido processo legal e contraditório. Façamos aqui, breves considerações acerca de cada uma dessas possíveis violações.
Quanto à igualdade não há qualquer violação, porquanto ao reproduzir a sentença precedente, o juiz estará aplicando precisamente o mesmo direito para situações idênticas.
Relativamente à segurança jurídica, alguns autores que municiam doutrinariamente as reformas, defendem que deve esse princípio estar orientado pela previsibilidade e estabilidade. Mas quanto a estes, não há no art. 285-A qualquer desorientação, porquanto há previsibilidade, tanto no campo material, porque o seu entendimento sobre a matéria jurídica é público; quanto no formal, pois o sistema atual admite a sentença prima facie. E quanto à estabilidade, o julgador apenas antecipa uma decisão que, a qualquer tempo, seria proferida, sendo, tão-só, mais célere em fazê-lo.
Entretanto, se o juiz, ao aplicar o art. 285-A, por qualquer motivo incorrer em erro, este poderá ser sanado, dando a este julgador a possibilidade de retratar-se: bastará para tanto que o autor – a quem mais interessa a reforma da sentença – interponha o recurso de apelação.
Tampouco há ofensa ao direito de ação por ser a sentença exarada initio litis, sem prosseguimento do rito, pois o processo não tem curso por absoluta inutilidade, visto que o primeiro contato com a causa já ofereceu condições ao juiz de formar o convencimento de que o acionante não possui o direito que para si avoca. Nesse caso, a citação do réu restaria inútil, porque impensável seria ele vir a trazer elementos que favorecessem o autor.
Igualmente, o contraditório não é violado, apenas apresentando-se de forma diferida.
Quanto ao devido processo legal, dois são os argumentos alegados na ADIN em tela: de que “o devido processo é conspurcado quando, o feito tem seu curso abreviado com fundamento em sentença, cuja publicidade é inexistente”; e de que o magistrado “acaba por dar fim ao processo sem examinar as alegações do autor, sem as rebater”.
O primeiro argumento não se sustenta, pois, de acordo com a CRFB/88, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos” (art. 93, IX), só havendo a esta regra restrição “quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (art. 5º, LX).
No que concerne ao segundo, o juiz, ao decidir a causa, examinará os fundamentos jurídicos do que é avocado pelo autor, mormente para averiguar se a questão é idêntica a outras anteriormente prolatadas.
Também não prospera o argumento de que o art. 285-A implementou em nosso sistema o efeito vinculante, visto que o magistrado não está obrigado a julgar na forma determinada pelo artigo em questão, mesmo que convencido desde início de que julgará improcedente o pedido do autor.
É, pois, justamente a aplicação da técnica da harmonização dos princípios constitucionais que patenteiam a constitucionalidade do artigo 285-A do CPC. Visto que o principal objetivo do referido dispositivo é tornar efetivo o direito constitucional fundamental da duração razoável do processo, não há priorizar a celeridade, mas a eficiência da prestação jurisdicional.
PRESSUPOSTOS PARA APLICAÇÃO DO ART. 285-A, DO CPC
O artigo 285-A foi acrescentado ao CPC buscando dar maior celeridade e efetividade ao processo civil, debelando “processos repetitivos”, em que basicamente se discute a mesma tese jurídica aplicada a uma mesma situação fática inconteste, ou, quando menos, que não desperta maiores dúvidas ou indagações das partes e do magistrado.
Basicamente, três são os pressupostos para aplicação do artigo em exame:
a) a matéria controvertida seja unicamente de direito;
b) que exista, no juízo, precedente de sentença de total improcedência em outros casos idênticos;
c) que existam, pelo menos, dois precedentes do mesmo juízo de improcedência total do pedido.
A expressão “unicamente de direito”, embora também usada na caput do artigo 330, não se refere à hipótese idêntica, pois, neste último dispositivo citado a alusão é ao conhecimento antecipado da lide, adstrita aos casos onde, depois de dada ao réu a chance para defender-se, não tenha ocorrido o julgamento conforme o estado do processo, com base na casuística dos arts. 267 (sentenças terminativas) e 269, II à V (sentenças formalmente meritórias) do mesmo Diploma. No caso do inciso I do art. 330, portanto, para que o juiz conheça diretamente do pedido, urge a viabilização prévia do contraditório – o que não é o caso do artigo aqui apreciado.
A interpretação da regra contida no art. 285-A é que a matéria seja exclusivamente de direito. Segundo Cássio Scarpinella Bueno,
“Aqueles casos em que a prática do foro levará, sempre e em qualquer caso, ao ‘julgamento antecipado da lide’, justamente porque a questão a ser resolvida é ‘unicamente’ (leia-se: predominantemente) de direito, porque fatos sempre há”.
Sobre esta última observação do professor Bueno, há relembrar a lição de Santiago Sentis Melendo:
“Dónde están los procesos de puro derecho? En mi vida judicial apenas si tropecé côn ellos. La vida está formada por hechos; se discute sobre hechos; y de ellos nace el derecho: ex facto oriutur ius. El puro derecho, desconectado de los hechos, no existe. El derecho que se aplica al hecho, el hecho que se subsume en el derecho, son, no fenómenos recíprocos, sino el mismo fenómeno”
Assim sendo, a interpretação da mens legis do artigo 285-A, é que a matéria de fato já deve estar comprovada pelos documentos apresentados, não dependendo de produção de outras provas em audiência.
Não há, portanto, falar em aplicação do artigo em análise após a citação, porquanto isso caracterizaria aquela hipótese do julgamento antecipado da lide, já previsto no art. 330, do CPC, acima referido.
O segundo pressuposto para aplicação do art. 285-A, é que haja, no juízo, precedente de sentença de total improcedência em outros casos idênticos.
Cumpre assinalar que a identidade aqui referida não é a de completa identidade disciplinada nos parágrafos 1º a 3º, ao art. 301, do CPC, em que temos mesmas partes, causa de pedir e pedido, pois nesses casos, o que temos é a litispendência ou a coisa julgada, com a sobrevinda extinção do processo sem julgamento de mérito, como o determina o inciso V, do art. 267, do CPC.
A identidade a que se reporta o art. 285-A será a da repetição da questão, da controvérsia, da tese jurídica já discutida no caso padrão, que virá a ocasionar idêntica resposta judicial de improcedência já prolatada em outros processos, o que torna a fase de citação e resposta do réu desnecessária e proporciona maior celeridade ao processo.
Em doutrina, Humberto Theodoro Júnior defende que a analogia deve existir no pedido e na causa de pedir. E, assim, elucida seu posicionamento:
“Se a tese de direito é a mesma, mas a pretensão é diferente, não se pode falar em ‘casos idênticos’, para fins do art. 285-A. Da mesma forma, não ocorrerá dita identidade se, mesmo sendo idêntico o pedido, os quadros fáticos descritos nas duas causas se diferenciarem.”
Divergentemente, Fernando da Fonseca Gajardoni sustenta que, ainda que os pedidos sejam diversos, suficiente será a identidade da causa de pedir:
“A expressão casos idênticos deve ser interpretada, por isso, como sendo casos semelhantes, isto é, que tenham os mesmos fundamentos de fato e de direito (causa de pedir), ainda que o pedido seja diverso.”
Esse último posicionamento parece ser o que guarda maior conformidade com mens legis, porquanto o objetivo dessa é que os fundamentos do julgamento anterior sejam hábeis e os necessários para motivar novo julgamento, permitindo que a sentença deste repita o teor da sentença proferida naquele julgamento que primeiro ocorreu.
A seguir transcrevemos exemplo dado por Gajardoni que, claramente, demonstra esse raciocínio:
“Por exemplo, nada impede a aplicação do dispositivo para julgar improcedente de plano pretensão que veicule tese sobre a inconstitucionalidade de determinado tributo ou contribuição (causa de pedir) para fins de repetição de indébito (pedido da nova ação), quando idêntica tese jurídica, com a invocação dos mesmos fundamentos, haja sido rejeitada em ação com pedido de compensação (pedido primitivo).”
Contudo, atendo-se à redação do artigo 285-A, que determina que a sentença deve ser de total improcedência, há tecer comentário sobre a hipótese de cumulação de pedidos, pois o julgamento deve ser sobre cada pedido. Deste modo, se num caso padrão foi dada parcial procedência, por ter sido acolhido um pedido e julgado improcedente outro, é possível a aplicação do art. 285-A, ou seja, é possível o julgamento liminar de nova ação, precisamente porque o pedido nesta repetido foi julgado totalmente improcedente na sentença anterior.
Logo, o que realmente importa é que o novo caso se assemelhe com o precedente, a ponto de que seja previsível à parte o resultado de seu processo, a exemplo dos julgamentos anteriores do juízo.
O terceiro pressuposto é que existam, no mesmo juízo, pelo menos, dois precedentes de improcedência, uma vez que o dispositivo legal faz referência a – “outros casos” -, no plural.
Desse pressuposto foi levantada uma controvérsia: “Qual a interpretação que deveria ser dada para tal expressão? Quis o legislador referir-se ao juiz ou ao juízo, enquanto unidade territorial de competência?”
Os doutrinadores Cássio Scarpinella e Tereza Arruda Alvim, defendem que quando o Código diz “sentença total de improcedência em outros casos idênticos”, está ele a se referir às decisões dos juízos de 1º grau e às sentenças por eles prolatadas, devendo o intérprete fazer uma leitura sistemática do CPC, de sorte que, quando o Codex se refere a “sentença do juízo”, tal expressão seja entendida como súmula e jurisprudência dominante do STJ e STF.
Tais precedentes devem ser do mesmo juízo que sentenciará o caso novel, o que garantirá maior segurança ao jurisdicionado, pois terá este conhecimento prévio da posição adotada naquele juízo. Exatamente por isso, o juiz substituto ou que estiver cumulando as atividades não pode basear o julgamento da causa repetida em sentenças de improcedências proferidas em outros juízos. Por conseguinte, para que a parte tenha pleno e imediato conhecimento e reconhecimento dos fundamentos que levaram à improcedência de seu pedido, não bastarão simples referências aos números dos processos julgados naquele sentido: a sentença dada no novel caso deve conter o relatório, com breve resumo do caso, de modo a possibilitar a plena identificação da semelhança com o caso padrão, para, logo depois, fazer uso do mesmo fundamento utilizado naquele paradigma.
Juristas têm defendido que esse julgamento liminar pela improcedência do pedido ou o julgamento antecipadíssimo da lide deve estar em conformidade com jurisprudência sumulada ou dominante do tribunal ao qual se recorre, de Tribunal Superior ou do Supremo Tribunal Federal. Embora em seu teor, o art. 285-A não faça referência a tal necessidade, a interpretação sistemática de todos os outros dispositivos legais – art. 557, art. 475, § 3º, e art. 518, § 1º, todos do CPC – leva a concluir que aquela decisão de primeiro grau esteja em conformidade com a orientação jurisprudencial. Corroborando essa forma de interpretar, há as permissões ao relator de julgar monocraticamente o recurso ou ao juiz sentenciante de não receber a apelação ou afastar o reexame necessário. Essa uniformidade busca garantir agilidade à tramitação processual.
Sobre se configura ou não revelia a omissão do réu na fase recursal, doutrinadores têm se posicionado de modo divergente:
Ernane Fidélis dos Santos defende não configurar revelia, afirmando:
“Ainda que o réu não se manifeste, não se pode considerar revelia e decidir contra ele, mesmo porque a questão deve ser apenas de direito. A confirmação da sentença faz coisa julgada favorável ao réu, mas a reforma da decisão, se a questão for, realmente, de puro direito, poderá ser definitiva; se por motivo de questão fática, no entanto, os autos retornam e se permite ao réu adendo em sua defesa.”
Diversamente, Fernando da Fonseca Gajardoni sustenta:
“Tendo natureza de contestação, urge esclarecer que a falta de apresentação de resposta ao recurso, no prazo legal, implica revelia do demandado, mas não presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial (art. 319 do CPC). Com efeito, a presunção só recai sobre fatos, e o julgamento liminar se dá em regra quando a matéria for unicamente de direito (item 5.3), o que afasta a presunção legal. Haverá, entretanto, a incidência do efeito secundário da revelia, ou seja, o réu contumaz não será intimado dos posteriores atos processuais em 2º grau enquanto não intervier no feito (art. 322 do CPC).
Caso a sentença liminar seja cassada pelo Tribunal por impossibilidade do art. 285-A do CPC, a citação para as contra-razões, por ser ato subseqüente à sentença neste novo regime, automaticamente restará prejudicada (art. 248 do CPC). Assim, com os autos devolvidos à origem, nova citação do réu deverá ser efetuada, agora para que apresente defesa em sua plenitude (contestação tanto com a matéria quanto de fato, exceções, reconvenção, etc.).”
Embora constitua uma resposta ao recurso e a eventual cassação da sentença anule a citação anterior, a revelia não se impõe, porquanto já tendo conhecimento dos fundamentos que levaram à improcedência do autor, o réu pode entender ser desnecessária sua atuação nessa fase. Diferente quando, no curso regular do processo, precisa defender fundamentos de sua defesa visando obter a sentença que mais o beneficie.
Antes da citação do réu, o julgamento liminar de improcedência das ações repetidas traz como conseqüência a não condenação do autor ao pagamento de honorários, uma vez que desnecessário é contratar um advogado.
Na fase recursal o Tribunal poderá:
a) confirmar a sentença;
b) cassá-la por não ser aplicável o art. 285-A do CPC naquele caso por ausência de alguns de seus pressupostos;
c) reformá-la, se não depender de produção de provas ou, se esta for necessária, baixar os autos em diligências, com base na nova redação do art. 515, § 4º, do mesmo Código;
d) ou, ainda, remeter os autos de volta ao primeiro grau para processamento regular do feito.
No que concerne à sucumbência, se nessa fase a sentença for mantida, o autor será condenado ao pagamento de custas e honorários, visto que o réu, citado para responder ao recurso, para fazê-lo terá de contratar advogado.
Cumpre ainda registrar algumas críticas havidas em doutrina, pois há quem destaque as duas expressões – “sentença de total improcedência” e “outros casos idênticos” – como incompatíveis com a boa técnica legislativa, porquanto numa sentença típica de mérito, que envolva a concreta apreciação da pretensão enumerada em juízo, ao julgador se abrem três alternativas: acolher o pedido formulado na inicial por completo, ampará-lo parcialmente ou julgá-lo improcedente. Por conseguinte, a expressão “sentença de total improcedência” seria inadequada.
Outrossim, a expressão “outros casos idênticos” é apontada como uma incorreção, porquanto, nas palavras de Marco Antônio Ribas Pissurno,
“casos processuais idênticos pressupõem a tríplice correlação dos elementos da ação: partes, pedido e causa de pedir. A rigor, o ajuizamento de pretensão ulterior reprisando os eadem de demanda preexistente, merece o destino da extinção terminativa, ou por infringência à coisa julgada, ou por vulneração a uma possível litispendência nas hipóteses onde o litígio ainda esteja em curso, aguardando a paz da preclusão máxima. (art. 267, V, segunda e terceira figuras).”
Destarte, para que esse comando da norma se efetivasse, deveria haver uma transigência conceitual para se admitir a aplicação da Lei onde houvesse identidade apenas entre o pedido e a causa de pedir, sendo um ou ambos os sujeitos processuais diversos.
Mas ainda que houvesse essa transigência interpretativa, para Ribas Pissurno restaria outra barreira, sobre a qual indaga:
“seriam dois, três, quatro casos idênticos suficientes para suprir a condição em testilha, autorizando o julgador a ceifar o processamento da demanda ainda no pórtico do procedimento?”
O novo regramento poderá ensejar que ações que discutam assuntos similares, em qualquer processo, ainda que iniciado antes da vigência do art. 285-A, venham a ser extintas, ocasionando concreta insegurança jurídica ao autor da ação. E para que não pareça mera hipótese acadêmica, Ribas Pissurno argumenta:
“Ora, se, lutando para encontrar o réu há certo tempo, arcando com todos os custosos ônus do processo, o demandante se depara, após meses de espera, com uma sentença liminar de improcedência, o projeto de justiça imaginado quando o cidadão batera às Portas do Judiciário, inegavelmente se transformará num ato jurisdicional formalmente legítimo, mas materialmente insatisfatório, posto que maculado por um sabor amargo de negativa de prestação jurisdicional efetiva.”
Conclusão
A conclusão é pela constitucionalidade do art. 285-A, porquanto prestigia o princípio da isonomia, na medida em que todo jurisdicionado terá a convicção de tratamento jurídico inteiramente igual ao de outro jurisdicionado que estiver numa situação análoga; possibilita que não sejam proferidas decisões contraditórias num mesmo juízo; evita o desperdício de jurisdição, pois não será necessário movimentar a máquina do Poder Judiciário para promover a citação do réu, num caso flagrantemente improcedente.
Quanto ao contraditório, inexiste violação pois a norma aplica-se apenas aos casos de improcedência e, “havendo apelo do autor, poderá o réu deduzir em contra-razões toda a matéria de defesa que normalmente seria deduzida em contestação.”
Por conseguinte, é plena a constitucionalidade do art. 285-A, ressalvando-se que a sua utilização deve ser fiscalizada, para que não se torne um instrumento de restrição de direitos e concessão de benesses.
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* Lucília Lopes Silva – Formação acadêmica: Graduada em Direito pela Faculdade Cândido Mendes. Pós-graduada Lato Sensu em Direito Civil, pela ESA/OAB-RJ. Cursos de especialização na FGV Online: Direitos do Consumidor, Direitos Humanos, Direito Societário, Direito Processual Civil – Fundamentos e Teoria Geral e Atualização em Direito Processual Civil. Dados profissionais: Consultora jurídica e parecerista