Processo Civil

Algumas reflexões sobre os agravos

Algumas reflexões sobre os agravos

 

 

Iure Pedroza Menezes*

 

 

1. ASPECTOS GERAIS

 

Diversos são os pronunciamentos adotados pelo magistrado no transcurso da relação processual. Alguns têm carga decisória; outros, não. Basicamente, contemplará carga decisória a sentença e a decisão interlocutória. Através da sentença, o juiz resolve o processo em primeiro grau, com ou sem exame meritório. A decisão interlocutória “é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” (art. 162, § 2º). É decisão (que não sentença) através da qual o magistrado emite pronunciamento no curso do processo, de modo a causar prejuízo, pelo menos em tese, a uma das partes, ou, excepcionalmente, a terceiro.

 

Não se pode confundir prejuízo com sucumbência (em sua acepção técnico-processual).

 

Há situações em que, mesmo vencedora, a parte poderá revelar interesse em recorrer, a exemplo do que ocorre com os embargos de declaração. A própria Exposição de Motivos do CPC/73 reconheceu a diferença entre prejuízo e sucumbência, ao dizer no item nº 32: “O réu pode sofrer prejuízo, ainda quando o juiz lhe dá ganho de causa. É o que ocorre, quando o magistrado declara o autor carecedor de ação, ao invés de julgar improcedente a ação”.

 

Destarte, caso o ato do juiz tenha cunho decisório, sentença não sendo, enquadrar-se-á, inevitavelmente, na categoria das decisões interlocutórias. Contra estas, o recurso cabível será o agravo.

 

Não se pode, contudo, excluir a possibilidade de interposição de agravo contra os chamados despachos. Os despachos, tendo-se por referência a letra da lei, são “todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma” (art. 162, § 3º). Os despachos trazem em si uma característica não-decisória.

 

O Código, na maioria das vezes, usava a terminologia “despacho”. Mas, em certas passagens faz uso de “despacho de expediente” (art. 189, I) ou “despacho de mero expediente” (art. 504, antes da Lei nº 11.276/06). Isso abriu margem ao entendimento de que “despacho” e “despacho de expediente” (ou “de mero expediente”) não seriam a mesma coisa. A respeito, opinou Egas Dirceu Moniz de Aragão:

 

    “Distingue o Código dois tipos de despacho: os de mero expediente que o art. 504 erige em categoria especial e declara irrecorríveis, e os demais, formando outra categoria. Relacionam-se ambas por um critério de exclusão. Se se obtiver a noção de despacho de mero expediente, os que nesta não couberem constituirão a outra categoria” (Comentários ao código de processo civil, p. 39).

 

O referido doutrinador, após tecer diversas considerações, afirmou que somente esses despachos de mero expediente (ou despachos de expediente) são, em absoluto, irrecorríveis. De outro lado, os demais (simplesmente despachos), mesmo desprovidos de carga decisória, poderão ter a aptidão de causar prejuízo e, assim, ensejarão uma resistência pela via recursal. Mais uma vez, transcrevemos a lição do conhecido processualista:

 

    “(…) todos os despachos que visem unicamente à realização do impulso processual, sem causar qualquer lesão ao direito das partes, serão de mero expediente. Caso, porém, ultrapassem esse limite e acarretem ônus ou afetem direitos, causando algum dano (máxime se irreparável), deixarão de ser de mero expediente e ensejarão recurso” (ob. cit., p. 43).

 

A maior parte da doutrina não aceita essa divisão. O ensinamento de Moniz de Aragão, a nosso ver, é bem fundada, sobretudo porque resolve um problema de ordem prática. De fato, é muito comum afirmar que os despachos não comportam recurso, quando eventualmente poderá caber. Basta que o despacho tenha a aptidão de causar um dano, ex vi do que ocorre quando sustente a adoção de um rito contrário à lei. É por isso que se fala na excepcional possibilidade de agravo de instrumento contra despacho (nem por todos isso é bem aceito). A respeito, diz Ovídio A. Baptista da Silva:

 

    “A circunstância de provocar um determinado provimento judicial qualquer gravame às partes é elemento suficiente para catalogá-lo não como simples despacho, mas como decisão interlocutória” (Curso de processo civil, p. 202).

 

Uma melhor análise, todavia, conduz a uma conclusão diferente. Não se pode caracterizar um instituto unicamente pelos seus efeitos (no caso tratado, o dano causado à parte). O norte há de ser a sua essência. Não raro, a parte se depara com pronunciamentos sem cunho decisório – despachos – que, pelo modo como proferidos, causam gravame. Seguindo linha semelhante à de Ovídio A. Baptista da Silva, porém de forma mais bem explicitada, dizem Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

 

    “Note-se que os despachos de mero expediente (como a vista dos autos às partes, a baixa ao contador etc), por definição, são incapazes de provocar prejuízo jurídico a quem quer que seja. Por essa razão, são irrecorríveis. Se, todavia, um ‘despacho’ vier a causar prejuízo – pela opção judicial que se fez, a um dos sujeitos do processo, ou mesmo a terceiro -, então perderá sua essência de despacho, transformando-se em decisão interlocutória” (Manual do processo de conhecimento, p. 563).

 

Em que pese mais técnica a doutrina de Egas Dirceu Moniz de Aragão, os autores derradeiramente citados acabam chegando a uma melhor conclusão: “(…) O nome que se lhe dá, portanto, é irrelevante; para caracterizar um despacho de mero expediente, é necessário avaliar se ele é inofensivo ou não ao interesse de qualquer sujeito” (ob. cit., p. 563).

 

Sem dúvida, a discussão é mais acadêmica do que prática. O nomem juris pouco importa. O que realmente deve ser levado em conta é a aptidão que o ato judicial tem de causar prejuízo. A Lei nº 11.276/06, ao que nos parece, pretendeu pôr fim à controvérsia doutrinária. Se antes o art. 504 dizia que “Dos despachos de mero expediente não cabe recurso”, agora afirma apenas: “Dos despachos não cabe recurso”. Entretanto, o legislador perdeu uma excelente oportunidade para encerrar de vez a celeuma, na medida em que, inadvertidamente, manteve incólume o art. 189, I, que continua a falar em “despachos de expediente”.

 

Portanto, poderá ser feito o uso do agravo contra qualquer pronunciamento diferente de sentença que tenha o condão de causar gravame à parte ou, excepcionalmente, ao terceiro.

 

O prazo do agravo não segue a regra geral do CPC, cabendo no prazo de 10 dias (art. 522), que serão contados em dobro quando a parte recorrente for o Ministério Público ou a Fazenda Pública (art. 188); quando a parte tiver litisconsorte com diferente procurador (art. 191), exceto quando um só dos litisconsortes sucumbe (Súmula nº 641 do STF); e quando a parte estiver representada por defensor público (LC nº 80/94).

 

O art. 506 estabelece regras acerca do termo inicial do recurso (o que não afasta, por óbvio, o sistema geral do Código no concernente à contagem dos prazos). Na forma do inciso I, quando a decisão for dada em audiência, é dela que se conta o prazo, não se podendo olvidar que o dia do começo é descartado. Aliás, o próprio art. 506 faz menção ao art. 184, que diz: “Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento”.

 

Não obstante o art. 506, I, fale em “sentença”, a regra há de ser aplicada a qualquer decisão proferida em audiência. Na dicção do inciso II, o prazo será contado “da intimação às partes, quando a sentença não for proferida em audiência”. Igualmente, é indevida a restrição às sentenças, pois a norma se aplica a qualquer decisão. Tratando-se de acórdão, a intimação ocorrerá com a publicação de suas conclusões na imprensa oficial.

 

O inciso III do art. 506 falava em “publicação da súmula do acórdão no órgão oficial”. A Lei nº 11.276/06 alterou o dispositivo, que passou a falar em “publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial”. Na prática, nada mudou, pois a “súmula do acórdão” nada mais é que a conclusão do pronunciamento judicial, isto é, o dispositivo da decisão. Antes mesmo da reforma, já dizia o Código no art. 564: “Lavrado o acórdão, serão as suas conclusões publicadas no órgão oficial dentro de 10 (dez) dias”. Mesmo não tendo ocorrido substancial modificação no mencionado inciso III, houve uma melhora na redação, pois o próprio CPC refere-se à conclusão do julgado, nominando-a de “dispositivo” (arts. 155, parágrafo único; 458, III; e 498).

 

A alteração do multicitado art. 506 foi mais longe. Houve aperfeiçoamento do parágrafo único, incluído desde a reforma de 1994. Dizia ele que “No prazo para a interposição do recurso, a petição será protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária, ressalvado o disposto no art. 524”. Foi valiosa a inclusão, pois, a partir dela, permitiu-se que os Estados e a União previssem normas procedimentais, no âmbito das respectivas organizações judiciárias, para fins de apresentação de recurso, a exemplo dos “protocolos descentralizados”.

 

O parágrafo único, contudo, fazia uma ressalva referente ao art. 524. Assim, da sua leitura poder-se-ia concluir que a interposição do recurso, de regra, seria mediante protocolo em cartório; alternativamente, na forma como determinado pela lei local. Mas, em qualquer caso, devendo-se observar o art. 524, no tocante ao agravo. Acontece que este dispositivo, antes da reforma de 1995, tinha a seguinte redação: “Deferida a formação do agravo, será intimado o agravado para, no prazo de cinco (5) dias, indicar as peças dos autos, que serão trasladadas, e juntar documentos novos”.

 

Está claro que o art. 524 não trazia uma forma especial de protocolamento do agravo. Desse modo, motivo não haveria para ser mencionado pelo parágrafo único do art. 506. Houve um equívoco do legislador. Após a inclusão do parágrafo único ao art. 506 (dada pela Lei nº 8.950), o art. 524, no entanto, foi alterado. A Lei nº 9.139/95 deu-lhe a seguinte redação: “O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, através de petição com os seguintes requisitos: I – a exposição do fato e do direito; II – as razões do pedido de reforma da decisão; III – o nome e o endereço completo dos advogados, constantes do processo”.

 

Portanto, se antes não trazia regra sobre apresentação de recurso, passou a prevê-la, ao dizer que o agravo deveria ser interposto diretamente no tribunal. De modo que, se a menção feita pelo parágrafo único do art. 506 ao art. 524 era irrelevante (ou, mesmo, incoerente), passou (após a reforma do referido art. 524) a ter certa utilidade. Mas, ainda assim, o dispositivo não satisfazia, pois não só o art. 524 disciplinava a apresentação do agravo. Com maior ênfase, em verdade, fazia o dispositivo seguinte, no seu § 2º:

 

    “No prazo do recurso, a petição será protocolada no tribunal, ou postada no correio sob registro com aviso de recebimento, ou, ainda, interposta por outra forma prevista na lei local” (Incluído pela Lei nº 9.139/95.).

 

Este, sim, trazia induvidosa regra especial acerca do protocolo do agravo, permitindo fosse ele postado em agência da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, fugindo à máxima de que os petitórios devem ser apresentados no cartório judicial.

 

Foi por isso que o legislador, corretamente, aperfeiçoou o parágrafo único do art. 506, passando a fazer remissão ao art. 525, § 2º, dispondo: “No prazo para a interposição do recurso, a petição será protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária, ressalvado o disposto no § 2º do art. 525 desta Lei”.

 

O Código de Processo Civil prevê diversas espécies de agravos. O mais comum é o agravo cabível contra decisões de primeira instância, podendo ser agravo retido e agravo por instrumento (art. 522). Ainda, tem-se o agravo de instrumento para destrancamento de recurso especial ou de recurso extraordinário, com específica disciplina (art. 544). Por fim, temos os agravos inominados, que, por ausência de adjetivo, são chamados de agravos legais ou “agravinhos”), cabíveis em situações diversas.

 

A Lei nº 11.187/05 promoveu uma densa alteração no regime dos agravos, cingindo-se, contudo, àquela primeira classe: os agravos cabíveis contra decisões prolatadas no âmbito do juízo de primeiro grau. Serão eles o objeto do presente ensaio.

 

2. O AGRAVO RETIDO COMO REGRA GERAL

 

O agravo retido, em sua essência, já existia no revogado CPC/39. Entretanto, com uma roupagem bastante diferenciada. No antigo Código, o agravo retido era chamado de “agravo no auto do processo”. Cabia contra decisões especificamente enumeradas, a saber: a) que julgavam improcedentes as exceções de litispendência e de coisa julgada; b) que não admitiam a prova requerida que cerceava a defesa do interessado; c) que concediam medidas preventivas na pendência do processo; d) que concerniam ao saneamento do processo, salvo aquelas que o resolviam sem apreciação de mérito (art. 851).

 

No CPC/73, originariamente, o agravo retido teve expressão de pequena monta. Na verdade, nem se encontrava previsto nominalmente no Código. O art. 496 só falava em “agravo de instrumento”. Mas, o agravo retido não fora expungido. O art. 522, ao encabeçar a regulamentação do agravo de instrumento, preconizava: “Na petição, o agravante poderá requerer que o agravo fique retido nos autos, a fim de que dele conheça o tribunal, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação”.

 

Através da Lei nº 8.950/94, a terminologia “agravo de instrumento” foi substituída por “agravo”, no âmbito do rol dos recursos (art. 496). No ano seguinte, com a Lei nº 9.139/95, o art. 522 foi reformulado, passando à seguinte redação: “Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, retido nos autos ou por instrumento”. Uma outra importante inovação implementada pela Lei nº 9.139/95 foi a possibilidade de interposição oral do agravo retido, no tocante às decisões proferidas em audiências (art. 523, § 3º). Essa possibilidade, contudo, já encontrava lastro na jurisprudência do STJ muito antes da reforma de 1995 (4ª Turma – REsp nº 6134/RJ – Rel. Min. Barros Monteiro – j. 21.05.91).

 

No historicismo legislativo, portanto, o agravo de instrumento era o recurso por excelência cabível contra as decisões interlocutórias. No CPC/39, o agravo retido tinha restrita utilização. No CPC/73, muito embora não tenha o legislador incorrido naquelas restrições, o agravo retido foi trazido de forma tímida. Após a reforma recursal de 1995, o agravo retido passou a ser uma faculdade do interessado.

 

No caso concreto, ao experimentar uma decisão com a qual não se conformasse, a parte poderia manusear o agravo em qualquer de suas modalidades: por instrumento ou de forma retida. Vale ressaltar, contudo, que a própria Lei nº 9.139/95 determinou a obrigatoriedade do agravo retido quando a decisão impugnada fosse posterior à sentença, exceto quando se tratasse de inadmissão da apelação (art. 523, § 4º).

 

Ampliando a temática do agravo retido, a reforma de 2001 (a Lei nº 10.352), impôs a forma retida para os casos de impugnação de decisões exaradas em audiência de instrução, não obstante tenha posto a salvo algumas situações especiais. Assim ficou o mencionado § 4º do art. 523:

 

    “Será retido o agravo das decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento e das posteriores à sentença, salvo nos casos de dano de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida”.

 

O reformador de 2001 foi mais adiante, conferindo ao relator do agravo de instrumento, poderes para convertê-lo em agravo retido. Para tanto, o inciso II do art. 527 sofreu alteração, ficando com o seguinte teor:

 

    “Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (…) poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente”.

 

Foi assim que o agravo retido ganhou mais espaço dentro da sistemática recursal. As alterações contribuíram sobremaneira para o desafogamento da segunda instância, valendo registrar que não houve mácula qualquer à tutela jurisdicional, especialmente porque a própria lei pôs a salvo as situações peculiares.

 

Por conseguinte, o legislador entendeu por bem tornar o agravo retido como regra geral para recorribilidade das decisões interlocutórias no âmbito do primeiro grau de jurisdição. Nesse passo, a Lei nº 11.187/05 deu nova redação ao art. 522, in verbis:

 

    “Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento”.

 

A Lei nº 11.187/05, ainda, modificou o § 3º do art. 523, determinando a recorribilidade imediata no tocante às decisões exaradas em audiência de instrução:

 

    “Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante”.

 

De outro lado, se com a reforma de 2001, podia o relator converter o agravo de instrumento em agravo retido, com a reforma de 2005 essa transformação passou a ser um dever, nas hipóteses indicadas. Assim ficou redigido o inciso II do art. 527:

 

    “Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (…) converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa”.

 

As alterações foram mais adiante. Antes da reforma de 2005, a decisão do relator que convertia o agravo de instrumento em agravo retido era recorrível. A respeito, o inciso II do art. 527 falava: “(…) poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido (…) cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente”. Com a Lei nº 11.187/05, o legislador retirou essa possibilidade. Destarte, tornou irrecorrível a decisão de conversão do agravo de instrumento em agravo retido.

 

Essa irrecorribilidade, inclusive, vem suscitando divergências na doutrina. À guisa de exemplo, o Professor e Desembargador Frederico Ricardo de Almeida Neves, em artigo publicado na Revista da Escola da Magistratura de Pernambuco, defende a possibilidade de interposição de agravo regimental (Agravo retido como recurso regra, p. 109-116), em especial porque o tribunal é o juiz natural para o julgamento do quanto veiculado no agravo de instrumento.

 

Ao meu ver, compete à lei – em sentido formal – estabelecer as espécies recursais. Compete aos tribunais, no máximo, prever o trâmite do recurso. Assim, regimentos internos de tribunais não têm a aptidão de criar recursos, ex vi dos chamados agravos regimentais. Não é por outra razão que há vários julgados negando juridicidade a tais expedientes.

 

No caso aqui tratado, com maior ênfase. Com efeito, se a lei formal pretendeu tornar irrecorrível a conversão, não pode os tribunais, fazendo da lei tabula rasa, patentear a recorribilidade pela via oblíqua do recurso regimental.

 

3. AS HIPÓTESES RESTRITAS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

 

Fazendo-se um balanço do regime dos agravos, observa-se uma total “inversão de papéis”. O agravo de instrumento, que era regra, passou a ser exceção; e o agravo retido, que era exceção, agora se tornou a regra.

 

Uma vez que o agravo retido tornou-se regra geral, o manuseio do agravo de instrumento ficou cingido às restritas situações elencadas pela lei. Conforme a nova redação do art. 522, dois são os pressupostos, basicamente, para o seu cabimento.

 

O primeiro deles ocorre nas situações de potencial efeito danoso, i.e, “quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação”. Ainda no âmbito dessa primeira classe, caberá agravo de instrumento contra a decisão relativa aos efeitos em que a apelação é recebida. Em que pese a lei não mencionar a questão do dano ou risco de grave lesão, é essa a temática legal.

 

Com efeito, nas situações em que a apelação deva ser recebida no duplo efeito, haverá potencial dano à parte apelante caso o juiz, desrespeitando a regra, deixe de conceder a suspensividade. A contrario sensu, nas situações em que a apelação não tenha o condão de suspender a eficácia da sentença, sendo o recurso recebido no efeito suspensivo, inevitável dano será imposto ao apelado, pois a sentença, que deveria surtir efeitos imediatos, assim não fará. Em qualquer desses casos (fundados no perigo de dano), a apreciação será subjetiva. No mais das vezes, dependerá das circunstâncias do caso concreto.

 

Numa segunda temática, tem-se decisão contra a qual não se pode impugnar pela via do agravo retido. É a situação em que o juiz deixa de receber o próprio apelo, negando-lhe seguimento. Se contra tal decisão fosse interposto agravo retido, não seria ele jamais julgado, pois tal modalidade recursal somente é apreciada na oportunidade do julgamento da apelação (art. 523), que no caso tratado, estaria fadada ao eterno trancamento no primeiro grau de jurisdição.

 

Importa registrar que o cabimento do agravo de instrumento não se resume às hipóteses previstas no art. 522. Há tantas outras tratadas no CPC, de forma não sistemática, em que, por decorrência lógica, somente caberá o agravo pela via instrumental.

 

Basta dizer que a reforma implementada pela Lei nº 11.232/05 retirou da execução de sentença a natureza de ação, sendo mera fase continuativa da cognição (hibridismo processual). Assim, com a liquidação e com o cumprimento de sentença não se tem nova relação processual, salvo raríssimas exceções.

 

Ao julgar a liquidação de sentença, o magistrado emite decisão interlocutória. Desse modo, já que não há mais sentença a ser proferida, não poderá haver apelação. Não havendo apelação, não se terá oportunidade para julgamento de agravo retido. Conseqüentemente, solução outra não há senão permitir-se o agravo de instrumento, sob pena de podar-se à parte o constitucional direito de acesso ao 2º grau. É justamente por isso que o legislador preconizou que “Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento” (art. 475-H).

 

Idêntico entendimento há de ser conferido à decisão que julga a impugnação ao cumprimento de sentença, notadamente quando não a acolhe. A respeito, diz o § 3º do art. 475-M: “A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação”.

 

Esboçando uma sistematização no tocante às decisões do juiz de primeira instância que podem ser objeto de agravo de instrumento, teríamos as seguintes hipóteses: a) quando a decisão puder causar à parte lesão grave e de difícil reparação; b) quando o juiz negligenciar os efeitos em que a apelação deva ser recebida; c) quanto o juiz deixar de receber a apelação; d) contra a decisão de liquidação de sentença; e e) contra a decisão referente à impugnação do cumprimento de sentença (exceto quando redundar na extinção da execução).

 

É salutar trazer à colação que o dinamismo processual poderá nos defrontar com outras situações, muito embora não nominadas taxativamente pela lei. A guisa ilustrativa, podem ser citadas as situações em que o juiz, no curso do procedimento voltado ao cumprimento de sentença, exara decisão que não se inclua nos casos antes mencionados. Sendo, pelo menos em potência, pronunciamento apto a causar prejuízo à parte, deverá caber o agravo de instrumento, pois, de regra, como não mais haverá sentença, utilidade nenhuma teria o agravo retido.

 

4. DECISÕES PROFERIDAS EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO

 

4.1. Imediatidade

 

Uma importante inovação da reforma recursal foi a previsão do agravo retido oral e imediato no tocante às decisões exaradas em audiência de instrução. É o que diz o já citado § 3º do art. 523:

 

    “Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante”.

 

Claramente, vê-se que o objetivo do legislador foi tornar mais célere o procedimento. Para tanto, prestigiou a oralidade. Tratando-se de decisão interlocutória proferida em audiência, andou bem o legislador ao determinar que eventual recurso deva ser veiculado na própria audiência. Assim, confere-se ao magistrado a possibilidade, pelo menos em tese, de verificar um erro seu e, portanto, na própria oportunidade retratar-se, evitando maiores delongas e custos. A nova sistemática evita que certa decisão, tomada em audiência, seja objeto de futuro agravo que, se provido, no mais das vezes, redundará na invalidação da própria colheita de provas.

 

De acordo com o novo art. 523, § 3º, a parte inconformada com determinada decisão exarada em audiência terá o ônus de interpor o agravo retido imediatamente, sob pena de operar-se a preclusão; não podendo, no futuro, questionar o pronunciamento judicial.

 

Não basta, portanto, o mero protesto, comum na prática forense. A impugnação deverá ser formulada através de agravo retido, com todas as formalidades que lhe são inerentes. Por conseguinte, não bastará à parte dizer que pretende agravar ou, ainda, dizer que agrava. Terá de fundamentar o seu recurso, expondo as suas razões recursais, que constarão em ata. A respeito, assim já se pronunciou o TRF da 3ª Região:

 

    “Não se conhece de agravo retido quando, na interposição oral desse recurso, na audiência de conciliação, instrução e julgamento, não foram expostos os fundamentos, ainda que de forma sucinta, nem houve pedido de reforma da decisão recorrida, conforme estabelece o § 3.º do artigo 523 do Código de Processo Civil” (1ª Turma – AC nº 558642/SP – Rel. Juiz. Clécio Braschi – j. 16.09.02).

 

Entretanto, o legislador parece haver incorrido em desnecessária restrição quanto à audiência mencionada no comentado § 3º. Fala ele em “audiência de instrução e julgamento”. Sem dúvida, melhor seria mencionar apenas “audiência” tal qual se encontrava na anterior redação do parágrafo, oriunda da Lei nº 9.139/05. Em especial, não se pode olvidar que as decisões interlocutórias emitidas em na audiência preliminar são mais importantes que as adotadas na audiência instrutória, pois são aquelas que norteiam estas. Com efeito, “Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário” (art. 331, § 2º).

 

A Lei, malgrado, foi taxativa ao mencionar a obrigatoriedade do agravo retido oral e imediato apenas na audiência de instrução e julgamento. Nesta temática, parece-nos que não seria correto fazer interpretação extensiva, pois o novo regime do agravo impugnativo de decisões exaradas em audiência denota restrição de direito, a partir do momento em que retira da parte o lapso temporal (dez dias) a que, normalmente, teria direito.

 

4.2. Resposta ao agravo retido oral e imediato

 

No caso do agravo retido oral e imediato, o art. 523, § 3º, não trata do prazo para resposta recursal. Assim, seria de se aplicar a regra geral, prevista no § 2º do próprio art. 523: “Interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de 10 (dez) dias, o juiz poderá reformar sua decisão”.

 

Parece, todavia, que o reformador cometeu inadvertido engano. De um lado impôs ao recorrente o ônus de agravar oralmente e com imediatidade. Ao agravado, ficou concedido o prazo de dez dias, face à ausência de regra específica que estabeleça sejam as contra-razões do recorrido veiculadas na própria audiência.

 

Destarte, não há como aplicar a regra geral acerca do prazo de resposta (dez dias). Isso revelaria inelutável ofensa ao princípio da isonomia. Redundaria em grave ofensa ao princípio da paridade de armas, que norteia todo o processo civil. Salvo nas hipóteses em que caiba extensão do prazo, a exemplo do que ocorre com a Fazenda Pública e o Ministério Público (art. 188), o prazo para resposta há de ser o mesmo que conferido ao próprio recurso.

 

No caso do agravo oral e imediato, já que não há prazo, no sentido próprio da palavra, não deverá havê-lo para a respectiva resposta. O ônus dado ao recorrente, nesse aspecto, deve também ser dado ao recorrido. Mesmo não havendo regra específica positivada no Código, há de se aplicar a principiologia concernente à igualdade das partes, impondo ao agravo o ônus de responder ao recurso na própria audiência.

 

4.3. Decisão gravosa proferida em audiência de instrução

 

Levando em conta a nova sistemática do agravo, uma questão, de logo, vem à tona: qual espécie de agravo deverá ser utilizada no tocante à decisão interlocutória proferida em audiência de instrução que tenha a aptidão de causar “lesão grave e de difícil reparação” à parte? Por óbvio, muito embora seja decisão exarada em audiência, o recurso manejável não será o agravo retido (art. 523, § 3º), mas o agravo de instrumento (art. 522), tendo em vista a urgência.

 

Neste caso, o agravo de instrumento não seguirá à especialíssima regra da interposição oral e imediata, mesmo porque seria impossível. A formação do “instrumento” – com todas as peças (obrigatórias e facultativas) que lhe são inerentes (art. 525, I e II) – deverá estar providenciada quando da interposição, o que seria de todo dificultoso no curso da audiência. De outro turno, o agravo de instrumento depende de preparo (art. 525, § 1º). Portanto, não se pode pensar, jamais, em agravo de instrumento oral e imediato, por absoluta incompatibilidade lógica.

 

Tratando-se de agravo de instrumento contra decisão exarada em audiência, deverá ele ser manejado no prazo legal (dez dias). Porém, o relator do agravo poderá entender vislumbrar ausência de gravidade. Em tal hipótese, deverá o relator converter o agravo de instrumento em agravo retido (art. 527, II).

 

Um problema, todavia, afigura-se em tal circunstância. A conversão tem por pressuposto a ausência de periculum in mora. Portanto, se houve conversão é porque “declarou” o relator que o caso não ensejaria agravo de instrumento, mas mero agravo retido. Ora, se o caso vislumbraria agravo retido e, já que este deve ser imediato, ao utilizar-se do prazo de dez dias (concernente ao agravo de instrumento), teria a parte, inelutavelmente, incorrido em excesso prazal.

 

Poder-se-ia pensar em medida mais liberal, entendendo que, na hipótese de ser manejado agravo de instrumento contra decisão (indigitada grave) exarada em audiência instrutória, e, havendo conversão em agravo retido, não estaria a parte sujeita àquela preclusão temporal.

 

Tal entendimento, entretanto, poderia dar margem a abusos. De fato, a parte que não tivesse sido diligente, deixando de interpor o agravo retido oral e imediato, manusearia o agravo de instrumento, em dez dias, muito embora sabendo que a decisão não é grave. A situação se torna mais difícil quando a apreciação da “gravidade”, não raro, redunda em subjetivismo, pois a lei não diz o que é grave e o que não é. O exame acerca do perigo é feito sempre no caso concreto, quando então o magistrado faz uso da prudência e razoabilidade.

 

No intuito de evitar fraudes, algumas sugestões podem ser esboçadas. Primeira: observando que a decisão recorrida foi exarada em audiência de instrução e verificando que o recurso merece conversão em agravo retido, o relator do agravo de instrumento faria apreciação quanto à eventual abusividade. Se o incabimento da via instrumental for flagrante e inequívoca, tão-logo faça a conversão, deverá monocraticamente, com arrimo no art. 557, negar seguimento ao retido, por intempestividade.

 

Segundo: nas situações onde a suposta gravidade da decisão guerreada não seja flagrante, dando margem a subjetivismos, poderá o advogado na própria audiência anunciar o seu ensejo de recorrer, a fim de se precaver contra a hipótese antes avençada, o que deverá constar em ata. No mesmo evento, deverá informar que o agravo a ser interposto será o instrumental pela gravidade que se reputa à decisão. Assim, no futuro, não se poderá dizer que a parte negligentemente deixou de interpor o agravo retido oral e imediato, fazendo-o após pela via oblíqua do agravo de instrumento conversível.

 

Os problemas não param por aí. A falta de cuidado do legislador abre outros caminhos para cometimento de fraude.

 

Caso a decisão adotada em audiência de instrução seja omissa, obscura ou contraditória, o recurso cabível será os embargos declaratórios. De fato, hoje é tranqüilo que tal modalidade recursal é cabível em sede de decisão interlocutória. Mas, não há imposição de que o mesmo seja oral e imediato. Por conseguinte, a parte poderá se valer do prazo legal de cinco dias.

 

De logo, vê-se que a parte, ao deixar de interpor o agravo retido em audiência, poderá se valer dos declaratórios como burla ao sistema, que serão interpostos até cinco dias após a assentada e com o efeito interruptivo do prazo do próprio agravo (art. 538).

 

Ademais ainda que não seja caso de embargos declaratórios, ex vi da inexistência de qualquer omissão, obscuridade ou contradição a ser sanada, a interrupção do prazo (pela

 

mera interposição dos aclaratórios) – conforme pacífica jurisprudência – ocorrerá.

 

Esse possível problema pode ser atenuado com forte na máxima secular, segundo a qual a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza. Conseqüentemente, contrariando copiosa jurisprudência, verificando o magistrado (de primeiro ou de segundo grau) que os embargos são flagrantemente descabidos, deverá inadmitir, liminarmente, eventual agravo interposto – retido ou por instrumento.

 

Poderia o legislador ter adotado solução menos complexa se tivesse imposto a imediatidade e oralidade dos embargos declaratórios contra decisões proferidas em audiência de instrução.

 

5. INSTRUÇÃO DOCUMENTAL DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

 

O agravo de instrumento assim é denominado por conta do “instrumento” que forma. Antes, dita instrumentação era atribuída à própria serventia judiciária, que procedia com o traslado das peças obrigatórias (art. 523, parágrafo único) e das indicadas pelo agravante (art. 523, III).

 

Desde a Lei nº 9.139/95, a formação do “instrumento” passou a ser atribuição do recorrente. Por conseguinte, o art. 523 foi modificado e deixou de regular a “instrumentação”, regendo apenas o agravo retido.

 

De outro lado, o art. 525, que tratava do procedimento para a formação do instrumento, passou à seguinte redação: “A petição de a,gravo de instrumento será instruída: I – obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado; II – facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis”.

 

A formação do agravo consistia (e com a Lei nº 9.139/95 continuou a consistir) na instrução de peças dos autos – expressão, aliás, redundante, pois falando em “peças”, significa que são dos autos.

 

Mas, era pacífico na jurisprudência que o agravante poderia juntar documentos novos, isto é, que não estivessem nos autos do processo. Nenhum problema daí se afigurava. Uma vez que o agravado teria a oportunidade de contra-arrazoar o recurso, aqueles documentos novos seriam submetidos ao contraditório.

 

Contudo, com a Lei nº 11.187/05, franqueou-se também ao agravado juntar documentos novos. Antes o art. 527, V, dizia:

 

    “Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (…) mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes (…)”.

 

Agora, estabelece:

 

    “(…) mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2º), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente (…)”.

 

Essa nova sistemática, se de um lado presta homenagem à isonomia processual, dando ao agravado equivalente direito conferido ao agravante, de outro, potencializa-se ofensa ao contraditório.

 

De fato, se ao agravado é permitida a juntada de documentos novos e se o tribunal poderá levá-los em consideração na apreciação do recurso, inevitavelmente deverá abrir-se oportunidade à impugnação. À parte deve ser conferido o direito de contribuir para o convencimento do julgador sempre que este puder adotar decisão prejudicial.

 

Assim, na hipótese de o agravado juntar documentos não constantes dos autos, o tribunal – através do relator do recurso – deverá intimar o agravante para manifestar-se sobre os novos elementos, o que poderia ser chamado de réplica recursal.

 

6. MEIO DE APRESENTAÇÃO DA RESPOSTA AO AGRAVO DE INSTRUMENTO

 

Segundo o § 2º do art. 525, que regulamenta o meio de oferecimento do agravo de instrumento, “No prazo do recurso, a petição será protocolada no tribunal, ou postada no correio sob registro com aviso de recebimento, ou, ainda, interposta por outra forma prevista na lei local” (redação dada pela Lei nº 9.139/95). O dispositivo, portanto, estabelece meios alternativos de protocolo além do método tradicional, qual seja, pela apresentação da peça no cartório judicial. A mesma prerrogativa era concedida ao agravado. A respeito, o parágrafo único do art. 527 dizia: “Na sua resposta, o agravado observará o disposto no § 2º do art. 525”.

 

Acontece que a Lei nº 11.187/05 implementou uma regra no CPC, impondo a irrecorribilidade da decisão do relator que determinasse a conversão do agravo de instrumento em agravo retido (art. 527, II), assim como a que concedesse efeito suspensivo ao agravo de instrumento (art. 527, III).

 

O legislador introduziu essa nova regra no âmbito do já referido parágrafo único do art. 527, extirpando o seu conteúdo anterior, que, conforme já dito, conferia ao agravado a mesma prerrogativa dada ao agravante, no que aludia à apresentação da petição recursal.

 

Uma indagação, de plano, exsurge: teve o legislador a intenção de abolir o mencionado direito da esfera jurídica do agravado? Ao que parece, não. Tudo indica que o legislador incorreu em um lapso ao trazer a nova regra da irrecorribilidade das decisões fundadas

 

nos incisos II e III do art. 527, inserindo-a no parágrafo único deste mesmo dispositivo.

 

Sem dúvida, melhor faria o reformador se mantivesse incólume a redação do parágrafo único do art. 527, transformando-o, nada obstante, em § 1º, a fim de que trouxesse, num § 2º, a nova regra de irrecorribilidade.

 

Não há, de fato, qualquer lógica na extração da anterior regra do parágrafo único do art. 527, notadamente porque a norma, independentemente de sua positivação, advém de preceito principiológico.

 

Com efeito, por questão de isonomia, se ao agravante é permitido o protocolo do agravo através de correios ou outro meio previsto em lei local, idêntica prerrogativa deve ser franqueada ao agravado.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. V. 2. 9ª ed. São Paulo: RT, 2005.

 

AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. V. 3. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

 

ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Comentários ao código de processo civil. V. 2. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

 

BRAGHITTONI, R. Ives. O princípio do contraditório no processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

 

CRUZ JR., Edmilson, MENEZES, Iure Pedroza, SANTANA, Luis Antonio Costa de. Comentários às reformas do código de processo civil. 2ª ed. Recife: Nossa Livraria, 2007.

 

GAMA, Ricardo Rodrigues. Efetividade do processo civil. Campinas: Copola, 1999.

 

JORGE, Flávio Cheim, DIDIER JR., Fredie, RODRIGUES, Marcelo Abelha. A terceira etapa da reforma processual civil. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

KOSIKOSKI, Sandro Marcelo. Embargos de declaração. São Paulo: RT, 2004.

 

MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003.

 

MOREIRA, José Carlos Barbosa. A nova definição de sentença. Revista IOB de direito civil e processo civil. Porto Alegre: Síntese. V. 7, nº 41, maio/jun. de 2006.

 

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. V. 5. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

 

NEGRÃO Theotônio, GOUVÊA, José Roberto F. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 38ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

NERY JR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006.

 

NEVES, Frederico Ricardo de Almeida. Agravo retido como recurso regra. Revista da ESMAPE. V. 10. Recife: ESMAPE, 2005.

 

ROCHA, José Albuquerque. Teoria geral do processo. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

 

SANTOS, Ernane Fidelis dos. As reformas de 2005 e 2006 do código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. V. 1. 5ª ed. São Paulo: RT, 2001.

 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. “A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o princípio da segurança jurídica”. Revista IOB de direito civil e processual civil. Porto Alegre: Síntese, V. 7, nº 40, mar./abr., 2006.

 

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3ª ed. São Paulo: RT, 2006.

 

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Agravos retidos e de instrumento. Revista da ESMAPE. V. 11. Recife: ESMAPE, 2006.

 

* Juiz de Direito no Estado de Pernambuco. Professor de Direito Processual Civil da UNEB (Univ. do Estado da Bahia). Ex-professor da UESB. Ex-professor da FTC. Especialista em Direito pela UESB/UFSC. Pós-graduando em Filosofia pela UCB (Univ. Católica de Brasília).

 

Como citar e referenciar este artigo:
MENEZES, Iure Pedroza. Algumas reflexões sobre os agravos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/algumas-reflexoes-sobre-os-agravos/ Acesso em: 08 dez. 2024