Processo Civil

A legitimidade da Defensoria Pública

 

 

UMA NOVA LEI

 

No dia 15 de janeiro deste ano, 2007, foi sancionada a Lei nº 11.448. Alterou o art. 5º da 7.347/85, que disciplina a ação civil pública por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Acrescentou entre os legitimados para propô-la logo após o Ministério Público, no inc. II, a Defensoria Pública. Incluiu ainda entre seus pares, o Distrito Federal. E por causa dela muitos questionamentos estão sendo feitos.

 

DA PARTE DACONAMP

 

De particular destaque se reveste a iniciativa da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), que no dia 16 de agosto último, bateu às portas do Supremo Tribunal Federal, ADIN (nº 3.943) para argüir a inconstitucionalidade do inc. II (art 5º da nova lei). Não obteve a liminar pretendida, além de já se saber que o parecer do Procurador Geral da República no sentido, foi pela improcedência do pedido.

 

Os argumentos apresentados podem ser assim resumidos: “A inclusão da Defensoria Pública no rol dos legitimados impede o Ministério Público de exercer, plenamente, as suas atividades ao conceder à Defensoria Pública atribuição vedada pelo ordenamento constitucional, que contraria os requisitos necessários para a ação civil pública, cuja titularidade pertence ao Ministério Público, consoante disposição constitucional.” Alega ainda “vício material de inconstitucionalidade” por suposta afronta aos artigos 5º, LXXIV, e 134 da Constituição Federal, uma vez que a Defensoria Pública teria sua atuação condicionada à individualização precisa de seus assistidos. Consequentemente, a Defensoria Pública está impedida de pleitear, por meio da ação civil pública, a defesa de interesses difusos. Ao final requer, declaração de inconstitucionalidade do inciso II do artigo 5º da Lei Federal nº 7.347/85 (grifos nossos).

 

Analisando o sobredito verifica-se que a grande queixa se traduz em nada menos que tal reconhecimento à Defensoria Pública, impedir o Ministério Público de exercer suas atribuições. Peço vênia, mas não sou capaz de entender nem com a justificativa que segue, como isto pode acontecer. Se o Ministério Público, como deve, ao tomar ciência de qualquer das hipóteses previstas para seu agir que a lei prevê, quiser adotar as medidas pertinentes, a partir da instauração de um Inquérito Civil, quem o impedirá? Sempre foi, é legitimado constitucionalmente para fazê-lo. Portanto, certamente, uma entre outras razões que lhe negará êxito no pleito, aqui está.

 

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

A Constituição Federal de 1988, desejosa de prevenir a afirmação, a defesa e o reconhecimento de todos os direitos fundamentais da pessoa, esculpiu no seu art. 5º o inc. LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Para tanto incluiu entre as funções essenciais a justiça, dentre as quais o Ministério Público também consta, a defensoria pública, em virtude do que o seu art. 134. Assim, não permite desconhecer que: A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, (LXXIV).

 

É correto dizer que o Ministério Público é titular da ação civil pública, por força constitucional, aliás, é o que expressamente consta do art 129: São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Que tal titularidade, no entanto, lhe seja privativa, não consta da mesma Carta Maior, que ao invés assim o fez em relação à ação penal, pois no inc. I, a palavra privativamente o evidencia: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.

 

CONDICIONANTES DA DEFENSORIA PÚBLICA

 

Outro argumento que não vinga: “a Defensoria Pública teria sua atuação condicionada à individualização precisa de seus assistidos”. Não vinga, ao menos para escorraçar a ACP da seara da Defensoria. É na Defensoria Pública que chegam as mais diversas notícias sobre violação dos interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos do Código de Defesa do Consumidor, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos do mesmo CDC, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base; interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Dos quais o mesmo código ainda aconselha que a defesa se proceda de forma coletiva. (Art 81). Já não se permite que ninguém olvide que modernamente, as ações coletivas se constituem no meio mais abrangente, assecuratório do acesso à justiça.

 

OUTROS ARGUMENTOS

 

A Constituição mandou, mas só com atraso de quase cinco anos, foi editada a Lei Complementar 80 que Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, dá outras providências. É evidente que com o advento desta lei, a Defensoria que era despersonalizada, ganhou status, podendo inclusive exercer suas funções institucionais em face de pessoas Jurídicas de Direito Público. (§ 2º, art 17).

 

A faculdade que lhe foi positivada existia mesmo antes que isto acontecesse, pois, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, dos necessitados, em todos os graus, em se configurando como o mais adequado instrumento, a Ação Civil Pública, ela já podia propor tal ação na defesa dos direitos coletivos de qualquer sorte.

 

É de utilidade, alertar que questionarem a conseqüência erga omnes de uma ação que nasça da Defensoria Pública: o atributo deriva da decisão de um juiz e não das partes que afinal de contas pelo princípio da igualdade, devem obter o mesmo tratamento.

 

Agora, tantas associações instituídas em função do meio ambiente, que sempre quiseram ter acesso à justiça em favor de seus pleitos e não podiam, por falta de recursos e constituir advogados, também vão poder contar com a Defensoria Pública, destinada a atender todas as pessoas independentemente de serem físicas ou jurídicas.

 

Finaliza-se, sem ter abordado a extensa gama de razões que existem e fulminam por fragilidade, as, da mesma CONAMP. Mas crê-se que as levantadas se configuram como suficientes para prever sua sucumbência na ADI proposta.

 

Reitera-se: a atribuição conferida a Defensoria Pública para ajuizar Ação Civil Pública, não impede o Ministério Público de exercer suas funções, até porque implicitamente, nunca lhe foi vedada, nem, do MP privativa; o Parquet é um dos titulares, não é o único. A tendência moderna do direito conforme, entre tantos autores, ensina Cappelletti é facilitar o acesso de todos à justiça, inclusive pela Defensoria Pública.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

 

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. A legitimidade da Defensoria Pública. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-legitimidade-da-defensoria-publica/ Acesso em: 12 fev. 2025