A ação de consignação de aluguéis
Maria Berenice Dias*
A atual Lei Inquilinária, nº 8245/91, criou forma procedimental própria, distanciando-se da ação especial de consignação em pagamento posta no CPC, imprimindo um rito mais ágil e célere para desobrigar o locatário do pagamento dos aluguéis. Afastou a necessidade de audiência de consignação e depósito, bem como foi abreviado o prazo de 10 dias do art. 899 do CPC, destinado à complementação do valor consignado, para 5 dias (inc. VII do art. 67).
Modificações outras também ocorreram, mas de menor importância. A competência da ação restou fixada no lugar do imóvel (art. 58, inc. II) em vez de no lugar do pagamento posta na lei processual (art. 891). Também em se tratando de débitos intercorrentes deixou de dispor o credor do prazo de 5 dias a contar do vencimento para o depósito judicial (art. 892 do CPC), devendo fazê-lo no dia dos respectivos vencimentos (inc. III do art. 67).
Algumas dúvidas restaram, no entanto, pelo fato de não ter fixado a lex specialis o prazo para a contestação, o que dividiu a doutrina e ensejou um cisma na jurisprudência. Enquanto alguns magistrados passaram a adotar o prazo de 10 dias previsto para a ação de consignação (art. 896 do CPC), outros assinam o prazo de 15 dias por aplicação subsidiária do prazo do processo ordinário do seu art. 297.
De outro lado, também não explicita a lei o termo a quo para o oferecimento da contestação, ao criar uma desnecessária intimação do autor para proceder ao depósito. Assim, proposta a ação, quando ordenada a citação do réu, é intimado o autor para efetuar em 24 horas o depósito judicial oferecido. Citado o réu para receber a importância depositada ou contestar, não há definição se o prazo de contestação corre da data do depósito, da data da citação ou da juntada do instrumento citatório aos autos. Essa última hipótese, que parece, em um primeiro momento, a que mais se afeiçoa à praxis, encontra óbice nas diversas espécies de citação facultadas pelo inc IV do art. 58, entre elas telex ou facsímile.
Agora vem o procedimento do código de processo civil de ser alterado de forma profunda, restando mais célere do que o gerado para solver os débitos locatícios. Porém, ainda que surpreendente a constatação, não se afigura outra solução senão a de persistir a dupla normatização, permanecendo a consignação de aluguéis com o rito da lei das locações. Em se tratando de lei que rege determinada categoria de vínculo jurídico, trata-se de lei especial que não resta derrogada pela alteração da norma geral.
Por um motivo mais significativo, no entanto, descabe é ter-se por remanescente um regime único, aplicando-se com exclusividade a demanda agora regrada pelo estatuto processual. Defere a lei inquilinária o uso da via reconvencional tendo como objeto o despejo e a cobrança dos valores consignados (inc. VI do art. 67). Agora o Código Processual reproduziu a norma da referida lei, eis que, apesar de não nominar como reconvenção, acabou por deferir caráter dúplice à ação, permitindo a formação de título executivo em favor do réu do débito faltante. Porém, de maior abrangência é a reconvenção da Lei 8255/91, ao deferir o exercício da ação de despejo por essa incidente via. A ter-se por única a forma procedimental da pretensão de depósito, estar-se-ia afastando o uso deste expediente, perda que não tem razão de ocorrer.
Há, no entanto, forma de se gozarem das beneces da reforma. O primeiro reflexo positivo que se visualiza é que, subtraído do art 896 do CPC o prazo da contestação, resta superada a discórdia, devendo prevalecer o prazo unificado de 15 dias do procedimento ordinário (art. 297 do CPC).
Por outro lado, em face da falta de explicitação da lei de locações sobre a forma de proceder o autor ao depósito, o modo e o momento do seu levantamento pelo réu, bem como em face da falta de estipulação do termo inicial do prazo de contestação, é de questionar-se sobre a possibilidade de adotar-se a normatização atual, invocando-se o disposto no art. 79 das disposição finais e transitórias, que determina aplicação subsidiária do estatuto processual. Como agora está de maneira melhor posta a desnecessidade da audiência consignatória., eis que inexiste intimação do autor para o depósito, que já é requerido com inicial (inc. I do art. 893 do CPC), possível é se adotar, em face da omissão da lei, o expediente ora criado.
Igual expediente hermenêutico poderá vir a ser utilizado para que possam os locatários fazer uso da faculdade aberta nos parágrafos inseridos no art. 890 do CPC, que gerou um procedimento extrajudicial, transformando as instituições bancárias em verdadeiras serventias judiciais. Omissa a lei inquilinária sobre essa possibilidade, não se mostra desarrazoado se ter por aplicáveis as novas regras. Com isso, estar-se-ia aperfeiçoando ainda mais a forma de dirimir controvérsia dessa espécie de vínculo jurídico de um relevo social significativo.
* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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