Patrulhamento ideológico e o autoritarismo
Ives Gandra da Silva Martins*
A Revista Justiça e Cidadania tem, como linha bem definida, lutar pelo ideal de justiça e pela maior participação da sociedade na deliberação dos governos. Entendendo a Democracia como o aspecto mais relevante dos Estados de Direito – que só o são, quando o povo, no governo, está representado por eleições livres e quando o Estado se submete, ele próprio, às leis emanadas por seus representantes no parlamento – desde sua fundação e sob a direção deste lutador incansável que é Orpheu Santos Salles, não poupa esforços para abraçar as duas causas, ou seja, a causa da Justiça e a causa da Cidadania.
Não sem certo desconforto, nos últimos tempos, muitos de seus articulistas e membros do Conselho Editorial têm alertado os leitores, a Comunidade Jurídica em geral e as próprias autoridades de que há um certo viés autoritário e crescente, no governo federal.
Reconhecendo no Presidente Lula um democrata, minha surpresa é tanto maior, quanto mais o direito é maculado sem reação do governo, como ocorre nas reiteradas violações à Constituição pelas invasões de prédios públicos e propriedades privadas, insufladas por este patético cidadão que lidera o MST; no financiamento governamental a uma universidade para implantar o marxismo, combater a economia de escala e esbulhar terras –falam, seus êmulos, em invasões “legais e ilegais”-; na desestruturação da universidade, substituindo, nos cursos superiores, o mérito pelo assistencialismo e a autonomia universitária por patrulhamento ideológico por parte de entidades não governamentais vinculadas ao poder; nas novas tentativas de censurar a carreira artística e jornalística, com possível ressurgimento de projetos semelhantes à ANCINAV e CFJ; na implosão do direito de defesa administrativa, nos processos tributários, decorrente das M.Ps. 219 e 232; no confisco tributário e na opção preferencial pelos ricos, perpetrados pela MP. 232, que aumenta fantasticamente a carga imposta às médias e pequenas empresas prestadoras de serviços sujeitas à tributação pelo lucro presumido – e preserva, sem qualquer aumento, as grandes empresas, sujeitas ao lucro real; na desfiguração das agências reguladoras, que deixam de ter um perfil técnico, para ganhar um desenho político, sendo, os respectivos cargos, preenchidos por ex-sindicalistas –correligionários da presidência- com o que, perdem a agilidade que tinham outrora e ganham o poder de controlar e interferir na economia, segundo as preferências do rei, e não das leis da livre iniciativa e livre concorrência; na multiplicação dos Conselhos e Comissões para tudo supervisionarem, em tudo interferirem e submeterem ao controle do governo um leque jamais visto – mesmo no regime militar- de ingerências na vida do cidadão e das empresas.
É, portanto, com indiscutível preocupação, que muitos dos conselheiros e autores de Justiça e Cidadania, defensores intransigentes de uma e outra, vêem as distorções que começam a atingir a vida democrática, a Constituição e a sociedade, passando, o governo, muitas vezes, a imagem, de que tudo quer controlar, envergando a figura do Grande Irmão, idealizada por Orwell, em sua obra “1984”.
Contra estas nuvens que se formam sobre a democracia brasileira e sobre a luta por um ideal de justiça e de plena cidadania, é que os editores da Revista, – que outorgam, anualmente, o Prêmio “Dom Quixote”, objetivando louvar aqueles que não perdem seus ideais, muitas vezes quixotescos- decidiram alertar Governo e Nação contra este crescente autoritarismo, que pode colocar em risco a liberdade a tanto custo resgatada.
Conhecendo o patriotismo dos atuais detentores do poder, espera, o Conselho Editorial e o diretor da revista, que meditem sobre os caminhos que estão percorrendo, para que não aconteça com eles o que se dizia de Francisco Campos, relator da Constituição de 1937: “quando as luzes de sua cultura e inteligência acendem, todos os fusíveis da democracia queimam”.
O Brasil só crescerá com o respeito à Constituição, à valorização da cidadania e à busca de um ideal de justiça, dentro da plena democracia. É por tais ideais que luta a Revista, esperando que o governo Lula seja sensível a esta luta e, como representante de toda a nação, reverta este preocupante movimento de patrulhamento ideológico e de autoritarismo.
* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.
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