O futuro nem a Deus pertence…
Francisco César Pinheiro Rodrigues*
…porque, se pertencesse, não permitiria tantos sofrimentos. Para não ofender os honrados crentes — que conhecem melhor a matéria e responderiam prontamente que os desígnios divinos são insondáveis — esclareço que apenas joguei, talvez censuravelmente, com as palavras, atraindo a erradia atenção do leitor. E pelo jeito deu certo, porque está me lendo… Mas não brinco com o que se segue.
Quando George W. Bush invadiu o Iraque, satisfazendo um velho desejo — bem anterior aos ataques de 11 de setembro —, tirando proveito do clima emocional de revolta e patriotismo de seus concidadãos, cheguei a discutir, com um amigo, a possibilidade de o presidente americano ter acertado — por mero acidente e no longo prazo —, um alvo benéfico à humanidade. Algo assim como um caçador, precipitado e de escrúpulos discutíveis, que, após mirar o cachorro latidor do vizinho acaba matando um puma esfomeado, bem mais distante, agachado entre arbustos, pronto para saltar sobre uma criança que brincava longe da mãe.
No caso, a intenção teria sido mesquinha, egoísta, embora o cão costumasse latir demais, mas o resultado seria bom, não consultada, obviamente, a opinião do puma alvejado que apenas pretendia almoçar e talvez alimentar os filhotes. O tiro errado salvou, afinal, uma vida humana e esta é a que nos interessa.
Dou mais um exemplo de resultado inesperado: em importante torneio de xadrez, um dos jogadores está em dificuldade para fazer o seu lance. Sente um frio na espinha, sentindo que o adversário o está encurralando perigosamente. Nesse momento, o juiz avisa que chegou o momento de um breve descanso para diminuir o stress dos contendores. Quando os enxadristas se afastam da mesa e todos se distraem tomando café, um menino de seis anos, filho do árbitro, aproxima-se sem ser notado do tabuleiro e, apenas brincando, move uma das peças, sem a menor noção do desenrolar do jogo. Nem sabe jogar xadrez. Em seguida, vai brincar com outra coisa.
Quando os competidores voltam ao tabuleiro, o preocupado jogador que teria de fazer o lance percebe que mexeram nas peças. Inicialmente, revolta-se, mas, melhor examinando, percebe, maravilhado, que aquele movimento é simplesmente genial. Um lance de Deus. Com ele poderá até vencer o jogo! Teria sido um ato divino? Por que não? Ele bem que merecia essa ajuda, segundo sua própria opinião. E mantém o lance feito pelo menino que, agora, aborrece a mãe pedindo para ir embora porque tudo aquilo é muito chato. O garoto, por mero acaso, inverteu o resultado da grande partida. Bush — em tese, em tese… — teria sido esse garoto, em termos de salvação ambiental do planeta.
Há décadas que cientistas de peso advertem que a obtenção de energia através da queima dos combustíveis fósseis resulta em poluição e efeito estufa. Estima-se que atualmente há cerca de oitocentos milhões de veículos envenenando o ar. E a previsão é a de que em 2050 haverá cerca de dois bilhões de veículos emitido dióxido de carbono. O resultado é bem previsível, com aumento contínuo de tornados, inundações, secas, calor ou frio excessivo, desertificação, etc.
Mikhail Gorbatchev, em livro sobre a questão ambiental, nos conta uma anedota que esteve em voga na Europa, já por mim contada em outro artigo mas que merece ser recontada em razão do tema em exame: dois planetas, vagando pelo espaço, se encontram depois de vários milênios. Um dos planetas, muito franco, diz ao colega, afastando um pouco, meio receioso: “Você está com uma pele esquisita, cheia de feridas… Que doença é essa? É contagiosa?” O astro doente responde: “Infelizmente nem sei que doença é. Parece lepra mas não é. Já percorri todas as clínicas dermatológicas espaciais e permaneço na ignorância. E, não sabendo o nome, não sei qual remédio tomar.” Aí o planeta sadio, examinando mais de perto a epiderme do colega, diz: ”Espera… Já sei o nome da doença!. Já sofri dela. Chama-se humanidade. Não é necessário tomar remédio algum, ela desaparece por si só”.
Até uns poucos anos atrás, quem insistisse, na mídia, na idéia de substituir a gasolina e o diesel por uma forma não poluente de energia — carro elétrico, hidrogênio, energia nuclear — sentia a impressão de que sua vida corria risco. Era opinião mais ou menos assentada que as grandes companhias petrolíferas — de poder incontrolável — jamais permitiriam esse golpe mortal em suas finanças. Como “jogar no lixo” os bilionários investimentos na extração de petróleo em todo o planeta? Aos próprios árabes essa substituição do petróleo seria uma sentença de morte, porque vivem em regiões de água escassa e solo pouco adequado para a agricultura. Países tradicionalmente ricos em petróleo acabam apoiando-se quase totalmente nele como fonte principal de riqueza e sustento de suas populações. Assim, um inventor de mente genial que pensasse em “aposentar” o petróleo, mesmo poluidor, sabia que teria pela frente imensos e perigosos obstáculos, não podendo contar praticamente com o apoio de ninguém. Financiadores e governos não queriam assumir tal risco, concretizando idéia totalmente antipática e hostil a toda uma imensa estrutura econômica montada durante décadas. Fabricantes de veículos também não tinham forte interesse em entrar pesado nas pesquisas que dispensassem o uso dos derivados de petróleo, o que é comercialmente compreensível.
Se o governo Bush não tivesse invadido o Iraque, ou, mesmo invadindo, tivesse sido recebido de braços abertos pela população iraquiana, — como esperava — a manutenção do “status quo” na larga utilização do petróleo continuaria prevalecendo. Certamente, hoje, bem recentemente, com menos força porque nos últimos meses se acentuaram os furações, inundações e derretimento das calotas polares, com aumento das advertências de cientistas e ambientalistas. A natural comodidade da indústria petrolífera e dos fabricantes de automóveis seria um obstáculo à intensificação de pesquisas visando a substituição da gasolina ou do diesel pelo hidrogênio, que não deixa resíduo tóxico; ou, se deixa, corresponde a 1% da poluição gerada pela queima dos derivados do petróleo.
Como ocorreu a invasão — errada, abusiva do ponto de vista do Direito Internacional —, o Iraque ficou muito mais instável e violento do que era antes. Aumentou a hostilidade do mundo árabe contra o governo americano, Com isso, mais os distúrbios climáticos quase semanais, Bush viu-se forçado a procurar caminhos alternativos na busca de energia. E isso significará maior limpeza futura do ar. O petróleo iraquiano já não tem a atração absoluta que tinha ao tempo da invasão. E o mesmo se diga do petróleo de todo o Oriente Médio, sujeito à variação de humores e preços dos governos daquela região, algo que sempre incomodou o consumidor americano e Bush pretendia corrigir. Doravante, as próprias indústrias fabricantes de automóveis sentirão necessidade de fabricar um modelo de veículo que aposente, total ou parcialmente, o derivado de petróleo, um veneno de ação lenta.
Atualmente, os pouquíssimos veículos movidos a hidrogênio — maneira de dizer, porque a energia do hidrogênio se transforma em energia elétrica — são mera “curiosidade”. A BMW, pelo que diz um artigo na internet, mantém uma frota de 15 carros movidos à hidrogênio líquido, modelo BMW 750 hL, em testes na Europa. A Honda, a Ford e a Mercedes Benz também pesquisam nesse sentido e concorrem com seus modelos em exposições, como, por exemplo, a H2 Expo, de Hamburgo, Alemanha. Todas elas, aparentemente, mais preocupadas em projetar um status de vanguarda do que pensando seriamente em “aposentar” o velho e perigoso petróleo, inclusive quando derrama no mar.
Enquanto a “grande invenção” — um carro não poluidor — não vem, o governo americano volta-se para o álcool, em que ocupamos posição de destaque. Já é um avanço — o álcool polui menos —, que não teria ocorrido se não tivesse havido a invasão do Iraque ou, se a invasão dando certo, estimularia a manutenção do petróleo como a principal fonte de energia. Como Bush errou na “pontaria” contra o “latidor” — o governo iraquiano —, essa má pontaria política, ou má-fé, acabou, sem querer, beneficiando a “criança indefesa”, no caso a humanidade, que vai se livrar mais cedo do grande veneno. O tiro errado acabou apressando as pesquisas em busca de uma energia alternativa limpa.
Fala-se muito no álcool, que tem sua grande virtude no fato de diminuir a poluição. Todavia, é algo chocante e preocupante saber que imensas áreas de plantio sirvam apenas para produzir um líquido que moverá veículos e não gente. Terra foi feita para plantar alimentos, não combustíveis. O terceiro mundo tem fome, não só os automóveis. Por isso, espera-se um renovado esforço das indústrias de veículos para descobrir um substituto perfeito para a gasolina, diesel e o próprio álcool. Atualmente, os veículos movidos a hidrogênio precisam ter seus motores adaptados também para a gasolina. Isso porque não há, quase, postos de abastecimento para fornecer hidrogênio quando este se acaba em estradas. A necessidade de manter dois tipos de motores em um mesmo veículo encarece a fabricação desses carros híbridos.
A indústria petrolífera possivelmente se interessará — não há outra saída não-suicida, considerando a crescente poluição — pelo desenvolvimento de um novo tipo de combustível e investirá fortemente nessa nova tecnologia, adaptando-se à necessidade de sobrevivência. Os CEOs também têm filhos e netos, que precisam respirar e continuar a linhagem, sem as feridas referidas na anedota dos planetas.
A revista “Newsweek”, de 12-2-07, pág. 6, diz, sumariamente, que o Instituto Sueco de Física do Espaço, em relato publicado na revista “Science”, discute a afirmação científica de que o planeta Marte foi úmido e quente 3,5 milhões de anos atrás. De minha parte, embora como leigo mas com direito de opinar, arrisco dizer que provavelmente Marte foi a “Terra” de um bilhão, ou mais, de anos atrás, quando o sol era mais quente e a Terra quente em excesso. Àquela época, Marte tinha a temperatura ideal para a formação e desenvolvimento da vida. Havendo luz e calor adequados, a vida sempre surge e evolui. Marte provavelmente teve um ciclo bem assemelhado ao da Terra e acabou se destruindo. A mesma notícia diz que Marte tinha um grosso cobertor de dióxido de carbono que acabou sendo empurrado para fora do planeta pelos raios solares. Gostaria de estar entre os vivos — hipótese impossível — quando escavações profundas verificarem o que existe embaixo da superfície marciana. Talvez encontrem os restos de uma civilização que se auto destruiu, vítima da cobiça e imprevidência. Não tiveram a “sorte” de ter como chefe um Bush verde, de olhos grandes, estabanado, que mirou uma coisa e acertou outra, salvando a criança.
Meras conjeturas…
(7-2-2007)
* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Website do autor: http://www.franciscopinheirorodrigues.com.br
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