CPI do judiciário
Kiyoshi Harada*
Assim que anunciada a criação da CPI, pelo Senado Federal, para investigar atos praticados por membros da magistratura vozes se levantaram, por sinal, das mais abalizadas, batendo-se pela sua inconstitucionalidade. Alguns enfatizavam a necessidade de alterar o Regimento Interno do Senado, que veda a investigação de matérias pertinentes às atribuições do Poder Judiciário.
Diga-se, a bem da verdade, que a CPI não foi criada para investigar “fato determinado” como manda o texto constitucional; pelo menos isso não era do conhecimento público, porque não revelado pelo autor da proposta de investigação. Somente após instalada a CPI é que os fatos a serem investigados foram sendo definidos pelos seus membros, muito provavelmente, ao sabor da ação dos denunciantes de todas as matizes.
Tirante esse equívoco inicial a CPI vem cumprindo a missão de investigar, exercendo, nesse particular, as prerrogativas próprias das autoridades judiciais, de conformidade como o § 3 º do art. 58 da CF. Ao menos em um dos fatos investigados desvendou toda sorte de irregularidades, que teriam sido praticadas pelo ex Presidente do TRT de São Paulo, no exercício de suas funções administrativas. Constatou-se, também, a inoperância do órgão fiscalizador e auxiliar do Congresso Nacional nesse triste epsódio. A CPI, apresenta seu aspecto positivo ao comprovar, na prática, que nenhum membro de Poder é intocável; pode e deve ser investigado, sempre que surgir “fato determinado”, acoimado de irregular. Assim, dissipa-se, de vez, a idéia equivocada da intocabilidade dos atos do Judiciário. Atos de natureza administrativa (licitação, compra de materiais, contratação de obras e serviços, promoção, nomeação, despesas sem correspondência nas dotações orçamentárias etc.), praticados por membros do Poder Judiciário podem e devem ser investigados, sempre que houver indícios de irregularidade, principalmente, se houver omissão dos órgãos técnicos, auxiliares do Legislativo (TCU e TCEs). Apenas os atos jurisdicionais estão a salvo dessas investigações. E aqui é oportuno esclarecer que, pelo menos, em um caso – suposta irregularidade na adoção de menores – a CPI resvalou, ainda que indiretamente, para o perigoso campo das revisões de decisões judiciais, o que é de todo inadmissível. Nada se apurou contra o magistrado, então alvo de investigação precipitada e vítima de permanente exposição a comentários nada dignificantes por parte da mídia leiga.
Outrossim, verificou-se no curso dos trabalhos, principalmente, na CPI dos Bancos, que seus membros, apesar de investidos das prerrogativas de magistrados, não souberam, infelizmente, manter a mesma postura técnica e imparcial que caracteriza a ação de um juiz. Do ponto de vista técnico confundiram as figuras de testemunhas com as de acusados, gerando conseqüências danosas, facilmente detectáveis. Foi preciso a pronta intervenção do STF para restaurar a legalidade ferida. Outrossim, abusos foram cometidos por conta do extravasamento de emoções, próprias de um parlamentar que lida, diariamente, com as questões sociais efervescentes, auscutando a média da vontade popular, com vistas ao fiel desempenho de seu mandato.
Tudo isso demonstra quão difícil é a substituição das atribuições próprias dos membros de um Poder pelo desempenho dessas atribuições por membros de outro Poder, ainda que legitimada essa substituição excepcional pelo Texto Magno.
Enfim, desse episódio pode-se extrair a certeza de que não existe e nem pode existir Poder intocável, bem como, o risco a que se expõem as pessoas investigadas por uma CPI, expostas que ficam à execração pública, difícil de ser evitada em um recinto onde impera o natural predomínio das paixões.
* Advogado, Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo, Diretor da Escola Paulista de Advocacia, Ex-procurador-chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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