As distorções do poder público brasileiro
Ricardo Bergamini*
Temos assistido, através dos meios de comunicação, um grande debate por legítimas reivindicações dos membros dos poderes públicos, tanto federais, estaduais e municipais, em seus justos reclamos por aumentos salariais. Como já afirmamos, são legítimos tendo em vista ter sido a média de inflação medida pelo IPCA (IBGE), índice oficial do governo, no período de jan95 a set/00 em torno de 140,00%. Porém a legitimidade dos seus pleitos ficam deturpadas ao usarem da mentira ao defenderem seus direitos. Considerando apenas os membros dos poderes públicos federal, não é verídico quando afirmam repetitivamente estarem durante seis anos sem aumentos salariais, haja vista ter o custo total da folha com pessoal da União migrado de R$ 35,8 bilhões em 94 para uma previsão de R$ 56,9 bilhões no ano corrente, ou seja, incremento de 58,94%. Cabe destacar que, estamos falando sobre incremento de custos, não necessariamente aumentos direto de salários, já que um benefício indireto recebido, tal como “auxilio moradia”, aumenta o custo com pessoal, sem ter havido aumentos direto dos salários. Isso posto, em nossa opinião o mais importante não são os pleitos em si, mas sim, as graves distorções existentes dentro dos poderes públicos, tema do qual passaremos à demonstrar a partir dos próximos parágrafos deste artigo.
Conhecendo a média de remuneração entre os poderes da União, não considerando benefícios indiretos, apenas salários bruto, fica claro para qualquer leitor de conhecimento mediano sobre o tema, que este deveria ser o foco do debate.
Vejamos a remuneração média mês per capita relativa ao período de jan/95 a set/00, considerando todos os ativos, inativos e pensionista: Judiciário (R$ 4.782,00) Legislativo (R$ 4.651,00); Sociedade de Economia Mista (R$ 3.150,00); Empresas Públicas (R$ 3.043,00); Executivo Civil (R$ 2.056,99); Executivo Militar (R$ 1.535,00). É óbvio ser a mais clara das distorções existente, a dos militares, sem dúvida. Porém afirmo com absoluta certeza que, para quem conhece os mecanismos corporativista e ideológico existentes nas entranhas dos poderes públicos brasileiro, infestado por ideologias cinzentas, o prometido aumento parcelado aos militares, se aprovado, provocará uma avalanche de reivindicações em cascata dos demais membros dos poderes públicos, via judicial, exigindo os mesmos direitos. Diga-se de passagem, colocação pública já proferida pelo senador Antônio Carlos Magalhães. Com isso as distorções atualmente existentes tenderão à voltarem ao mesmo ponto de origem, e assim sucessivamente, atendendo aos verdadeiros propósitos e objetivos político, bem articulados pelos maus brasileiros encastelados, já em sua grande maioria, nos porões dos poderes da República, provocando uma eterna insatisfação entre seus membros, objetivando manter sempre acessa a chama do conflito, com isso: “dividindo para reinar”.
Outra gritante distorção existente na estrutura salarial das carreiras da administração pública federal, ocorrendo também nos Estados e Municípios, são as injustas remunerações salariais pagas, não considerando possíveis benefícios indiretos existentes. Vejam que, com base nas remunerações por carreira ou especialidade, fica demonstrado de forma inequívoca as áreas de prioridade, interesse e importância para o governo brasileiro. Isto posto vejamos os respectivos tetos salariais das carreiras de cada uma das especialidades profissionais, em ordem decrescente de valor: Delegado da Polícia Federal (R$ 8.967,71); Profissionais das áreas Econômica e Jurídica(R$7.080,24);Militares(R$5.893,25); Diplomatas (R$ 5.427,52); Pesquisadores e Cientistas (R$ 4.895,32); Professores de curso superior (R$ 4.860,17); Professores de 1° e 2° graus (R$ 3.377,39), e finalmente Médicos (R$ 2.726,34). São essas as prioridades de importância da sociedade brasileira, representada em seu governo, que por si só demonstram nossa clara decadência como sociedade . Assim sendo, após conhecermos o verdadeiro manicômio que é a atual política de recursos humanos do governo, creio que nenhum dos seus membros, com um mínimo de bom senso e racionalidade, teriam coragem em defender, publicamente, pleitos de aumentos salariais, sem que antes fossem exigidas as devidas correções nas distorções atuais existentes.
Para demonstrarmos o poder do Poder Público no Brasil, vejamos o percentual de servidores públicos civis ativos do poder executivo locados pelos estados da federação: a) em primeiro lugar, como não poderia deixar de ser, os inestimáveis serviços prestados à nação brasileira pelos nossos sofridos servidores públicos, ainda são exercidos residindo na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro (20,8%), mesmo após quarenta anos da transferência da capital para Brasília; b)apenas 8,8% aceitaram dedicar suas sofridas vidas pública residindo na mórbida cidade de Brasília, verdadeiros heróis nacionais; c) Minas Gerais (8,5%), São Paulo (7,4%), Rio Grande do Sul (5,3%), Bahia (4,6%), Pernambuco (4,4%). Resumindo, nossos altruístas servidores públicos civis do poder executivo se concentram em 23,6% na região nordeste, 38,4% na região sudeste e 10,9% na região sul, totalizando 73% do seu efetivo nas regiões mais ricas do país, representadas exatamente pela linha das capitanias hereditárias do início de nossa história, correspondentes a 36% do território nacional, onde concentram-se 86% da população brasileira, enquanto em nosso grandioso terreno baldio, representado pelas regiões norte e centro-oeste, onde seria mais necessária a presença do poder público federal, como alavancagem para o seu desenvolvimento, representando 64% do território nacional, e concentrando apenas 14% da população brasileira, a presença do poder público civil (médicos, engenheiros, polícia federal, professores, fiscalização etc) é de apenas 27% do seu efetivo.
Não custaria lembrar aos teóricos sobre defesa da soberania brasileira que, a única forma eficaz de defesa da soberania de um país, se faz com a presença maciça do Estado (civis e militares), e principalmente com população, o resto é debate entre estúpidos. Nossas Forças Armadas, por mais bem equipadas que fossem, não sendo o seu caso atual, sozinhas não conseguiriam defender nosso histórico desprezo por esses 64% de nosso gigantesco território abandonado pelos brasileiros. Infelizmente nosso povo e nossa elite, por deformação cultural e de colonização viveram, até aqui, virados de costas para o seu próprio país, enquanto muitos povos no mundo enfrentam longas guerras cruentas na defesa de pequenos espaços territoriais. Que desperdício o nosso diante de Deus!
Esta capacidade da hipertrofia da burocracia tem sido denominada de “Lei de Parkinson”, em homenagem ao nome do próprio autor que tão bem descreveu sua natureza, seu mecanismo de corporativismo e sobrevivência, e seu devastador poder de multiplicação do nada.
Nota:1 – Os números sobre pessoal citados no artigo, encontram-se disponíveis no Boletim Estatístico de Pessoal n° 52, de agosto/00, elaborado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. 2 – Sobre população e território, encontram-se disponíveis no Anuário Estatístico do IBGE ano 1997.
* Economista, formado em 1974 pela Faculdade Candido Mendes no Rio de Janeiro, com cursos de extensão em Engenharia Econômica pela UFRJ, no período de 1974/1976, e MBA Executivo em Finanças pelo IBMEC/RJ, no período de1988/1989. Membro da área internacional do Lloyds Bank (Rio de Janeiro e Citibank (Nova York e Rio de Janeiro). Exerceu diversos cargos executivos, na área financeira em empresas como Cosigua – Nuclebrás – Multifrabril – IESA Desde de 1996 reside em Florianópolis onde atua como consultor de empresas e palestrante, assessorando empresas da região sul.
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