A inconstitucionalidade do Decreto n.º 6.381/2008 ao conceder benefícios aos ex-Presidentes da República Federativa do Brasil
Ravênia Márcia de Oliveira Leite*
A Lei no 7.474, de 8 de maio de
Argui se a referida não recepção da citada lei com base, sobretudo, nos mais importantes princípios de Direito Administrativo encartados na Constituição Federal. Senão vejamos:
Em primeiro lugar, o princípio da legalidade, arts. 5º, 34, 37 e 150 da CONSTITUIÇÃO DA REOÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, é requisito do Estado de Direito, o qual sendo politicamente organizado deve obedecer às suas próprias legais.
A legalidade no Direito público, como cediço, é aquela onde o adminitrador só pode fazer aquilo que a lei autoriza e determina. O administrador está subordinado à lei, denominado critério da subordinação.
Havendo ofensa a qualquer princípio constitucional, ofende-se, ao mesmo tempo, o princípio da legalidade, em sentido amplo, incluindo todos os princípios constitucionais.
Em segundo lugar, o princípio da impessoalidade, o qual visceralmente ligado ao interesse público, finalidade da Administração Pública, não pode buscar, de modo algum, interesse próprio. Assim, o agente público deve praticar os atos adminitrativos em nome da atividade fim da Adminitração que representa, e não para fim próprio, como se vê na legislação alhures citada, e de onde emana a sua cristalina não recepção pela Constituição cidadã.
Em terceiro lugar, o princípio da finalidade, também descarta qualquer hipótese de recepção do texto constitucional, o ato adminitrativo deve obececer ao espírito da lei, seu objetivo, devendo cumprir a própria lei. Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que o princípio em testilha decorre, posto que inerente, da legalidade.
Por derradeiro, a Constituição Federal avoca a necessária obediência ao princípio da moralidade, ou seja, honestidade, boa conduta e obediência a princípios éticos e morais. Ora, em havendo ofensa ao princípio da moralidade tem-se um ato de improbidade, nos termos do art. 37, §4º da Constituição Federal.
O Poder Judiciário não tem reconhecido a nulidade de um ato adminitrativo apenas baseando-se na imoralidade, mas, baseia se, também, na legalidade, isto porque, a moralidade ainda é um princípio vago em nosso sistema jurídico.
Ora, em não recepcionada a referida legislação, por óbvio o Exmo. Presidente da República não detem poderes para editar decreto regulamentando a mesma, isto é, o decreto executivo, o qual visa complementar a lei, nos termos do art. 84, IV, da Constituição da Reoública Federativa do Brasil, como arguiu se no Decreto, alvo do presente. Não existindo a lei, pela não recepção, não há que se falar em sua complementação ou regulamentação.
O decreto autônimo não pode ser editado pelo Exmo. Presidente da República para o caso em tela, visto que, conforme nos ensina o Supremo Tribunal Federal, bem como, os ilustres Drs. Diogenes Gasparine e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando da publicação da Constituição Federal, em vigor, os decretos autônomos eram proibidos expressamente, sendo que, o art. 25 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece que revogam se em 180 (cento e oitenta) dias todos os atos dados ao Presidente da República os quais deverão ser enviados para o Congresso Nacional.
A emenda constitucional n.º 32/2001 introduziu o art. 84, VI, na Constituição Federal admitindo que o Presidente da República, mediante decreto, tão somente, organize a Administração federal, desde que não aumente despesas, nem crie ou suprima cargos públicos, exceto quando vagos.
Assim, conforme todo o exposto, até o presente momento, verifica-se que, nos termos do art. 102, § 1º da Constituição federal, regulamentado pela Lei n.º 9.882, cabe Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para afastar a lei acima mencionada.
Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 33, em agosto de 2004, julgada pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes, monocraticamente, o mesmo decidiu que no caso prevalece o princípio da subsidiariedade, o qual deve ser aplicado quando os procedimentos nas vias ordinárias não conseguirem afastar a lesão. Assim, cabe Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental contra lei ou ato anterior a Constituição Federal, contra lei revogada pela Constituição Federal, contra Leis Municipais e contra todas as hipóteses em que não se admite Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, qualquer pessoa pode representar ao Exmo. Procurador Geral da República solicitando a interposição da referida ação constitucional.
A decisão terá eficácia erga omnes e efeito vinculante contra os demais órgãos do Poder Público, inclusive o Legislativo, exceto o Supremo Tribunal Federal.
Com base em todo o exposto, flagrante a inconstitucionalidade, ainda assim o Exmo. Sr. Presidente da República, editou o Decreto n.º 6.381/2008 que estabelece em seu art. 1º que “findo o mandato do Presidente da República, quem o houver exercido, em caráter permanente, terá direito:
I – aos serviços de quatro servidores para atividades de segurança e apoio pessoal;
II – a dois veículos oficiais, com os respectivos motoristas; e
III – ao assessoramento de dois servidores ocupantes de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, nível
Ademais, conforme o mesmo dispositivo, os servidores e motoristas, a que se refere o art. 1o, “serão de livre escolha do ex-Presidente da República e nomeados para cargo em comissão destinado ao apoio a ex-Presidentes da República, integrante do quadro dos cargos em comissão e das funções gratificadas da Casa Civil da Presidência da República”.
Para atendimento do disposto no art. 1o, já citado, “a Secretaria de Administração da Casa Civil da Presidência da República poderá dispor, para cada ex-Presidente, de até oito cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, sendo dois DAS 102.5, dois DAS 102.4, dois DAS 102.2 e dois DAS
No art. 6º verifica-se que “aos servidores de que trata o art. 5o poderá ser disponibilizado, por solicitação do ex-Presidente ou seu representante, porte de arma institucional do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional, desde que cumpridos os seguintes requisitos, além daqueles previstos na Lei no 10.826, de 2003, em seu regulamento e em portaria do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional:
I – avaliação que ateste a capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, a ser realizada pelo Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional;
II – observância dos procedimentos relativos às condições para a utilização da arma institucional, estabelecidos em ato normativo interno do Gabinete de Segurança Institucional; e
III – que se tratem de pessoas originárias das situações previstas no art. 6o, incisos I, II e V, da Lei no 10.826, de 2003.
Parágrafo único. O porte de arma institucional de que trata o caput terá prazo de validade determinado e, para sua renovação, deverá ser realizada novamente a avaliação de que trata o inciso I do caput, nos termos de portaria do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional.”
O decreto ainda dispõe que os candidatos à Presidência da República terão direito a segurança pessoal, exercida por agentes da Polícia Federal, a partir da homologação da respectiva candidatura em convenção partidária.
Ora, com base em todos os princípios constitucionais citados, alicerces do Estado Democrático de Direito, ao qual se filia a República Federativa do Brasil, qualquer leigo nas artes jurídicas, verifica a ilegalidade e, quiçá a imoralidade, do referido Decreto, já que, a Lei que o ampara não pode ser de modo algum recepcionada pelo atual sistema jurídico.
Se não se puder entender os argumentos aqui citados, baseados unicamente na lei, na doutrina e na jurisprudência, ouça se o bom senso. Ora, em tempos de crises e um país onde a maioria vive abaixo da linha de pobreza tal decreto é um afronta a qualquer brasileiro, o que, entenda se, não é uma crítica de cunho político, pois o presente não se dá a tais hostes, mas meramente, ético e moral.
* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.