Judiciário

Seguro Estatal Contra os Riscos do Mau Funcionamento da Justiça: Uma Meta a Ser Alcançada

 

OLIVIER RENARD-PAYEN e YVES ROBINEAU, no seu estudo intitulado La responsabilité de l’État pour faute du fait du fonctionnement défectueux du service public de la justice judiciaire et administrative (www.courdecassation.fr/_rapport/rapport02/etudes&doc/1-EtudeRenard-Payen.htm), dizem à guisa de Introdução, abordando detalhes da história do instituto da responsabilidade civil dos juízes:

 

A especificidade da função jurisdicional sempre exigiu um regime peculiar de cobrança de responsabilidade dos juízes, bem assim do próprio Estado, levando em conta que essa função constitui um poder do rei.

 

Os juízes não podiam fugir a uma regra geral de responsabilidade civil. Mas havia o risco da multiplicação de ações por iniciativa de partes insatisfeitas. Uma tal situação de risco, intranqüilizando a serenidade que os juízes devem ter, ameaçava sua independência profissional.

 

Assim é que um regime de responsabilidade muito restritivo foi instituído pelo artigo 505 do Código de Processo Civil.

 

Havia dois aspectos:

 

– De um lado, o direito dos jurisdicionados de cobrar judicialmente a responsabilidade pessoal dos juízes em condições particularmente drásticas. Era o procedimento da prise à partie, muito raramente utilizado, esclarecendo-se que o rigor da jurisprudência acentuava o rigor da lei.

 

– De outro lado, e correlativamente, o Estado era civilmente responsável pelas condenações a indenizar proferidas contra os juízes, salvo o direito regressivo contra terceiro responsável. Essa regra somente consagrava o regime de responsabilidade por fato de terceiro.

 

O sistema atual é previsto no artigo 11.1 da Lei Orgânica da Magistratura francesa:

 

Os juízes somente são responsáveis pelas suas faltas pessoais. A responsabilidade dos juízes que cometeram falta pessoal no exercício do seu cargo somente pode ser cobrada em ação regressiva do Estado, de competência das Câmaras Civis da Corte de Cassação.

 

No meu livro A Justiça da França – um modelo em questão, LED, 2001, transcrevo algumas informações a respeito no ítem 4.26:

 

Mauro Cappelletti, ob. cit., pp. 69/70, diz que na França “foi introduzido o que se pode considerar um sistema de seguro social (estatal), contra os riscos de mau funcionamento que os cidadãos podem encontrar quando utilizam a máquina judiciária. […] salvo regresso total ou parcial contra o juiz, o Estado assume sua própria responsabilidade em lugar de seus funcionários, e dita responsabilidade tende a representar séria realidade, ao invés da ficção ou burla que ocorria em tempos anteriores, como na França até a reforma dos anos 70.”

 

Trata-se de um grande avanço: os jurisdicionados prejudicados pelo mau funcionamento da Justiça são ressarcidos pelo Estado.

 

Respeitam-se os cidadãos, ao invés da ficção ou burla que ocorria em tempos anteriores, como na França até a reforma dos anos 70.

 

Penso que:

 

1 – nosso trabalho como juízes é cheio de dificuldades e, por isso, merece um regime especial no que pertine à responsabilidade civil, sob pena de arrasar-se a classe,

 

2 – nossa preocupação é de fazer a Justiça funcionar bem e acertarmos sempre nas decisões, mas, em caso de erro nosso ou mau funcionamento da Justiça, os jurisdicionados devem ser ressarcidos pelo Estado.

 

Entretanto, a curto prazo, não deve ser cobrada de nós uma perfeição incompatível com a limitação de recursos materiais e culturais da nossa estrutura. Afinal, o Judiciário não vive numa torre de marfim, independente da nossa realidade de país em desenvolvimento.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Seguro Estatal Contra os Riscos do Mau Funcionamento da Justiça: Uma Meta a Ser Alcançada. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/seguro-estatal-contra-os-riscos-do-mau-funcionamento-da-justica-uma-meta-a-ser-alcancada/ Acesso em: 07 nov. 2024