Judiciário

Pregar a Verdade x Fazer Carreira

 

(Dedico este artigo ao ministro CARLOS AYRES BRITTO, presidente do TSE)

 

Fazer carreira é um desejo que nos atrai quase sempre que ingressamos numa atividade profissional, principalmente no começo.

 

Dentro do Judiciário francês a carreira foi instituída por NAPOLEÃO BONAPARTE como forma de manter os juízes sob seu controle rigoroso, uma vez que era ele quem promovia aqueles que se lhe mostravam submissos.

 

Por aí se vê o que muitas vezes nos aguarda no trajeto da nossa carreira.

 

Há quem consiga percorrer esse caminho sem nunca terem participado de qualquer tipo de “troca indébita de favores”… Exemplos nobres encontramos naqueles que estão sempre voltados pela a evolução do Direito e o aperfeiçoamento da Justiça.

 

Todavia, a ascensão funcional tem muito de risco de acarretar uma cobrança da nossa consciência quando a arranhamos em troca das promoções na carreira. Essa cobrança poderá vir a acontecer mais diretamente quando estivermos aposentados e sobrar-nos mais tempo para as reflexões sobre o caminho percorrido.

 

A submissão que acaba se instalando pode constituir-se apenas do compromisso tácito de não apresentarmos críticas aos padrões em vigor…

 

Homenagens, condecorações e cargos honoríficos são outras tantas formas de nos dificultar o ideal de falar em favor de idéias mais avançadas, dependendo da mentalidade de quem nos homenageia ou promove.

 

Por isso, é importante que a carreira dependa apenas dos membros do próprio Judiciário. A escolha dos promovidos pelo Executivo cria um risco muito grande para nós.

 

Por isso, penso se vale a pena fazer carreira.

 

Ainda, se a extinção das entrâncias não seria a melhor forma de evitarem-se certos problemas de que padecemos como instituição.

 

Alguém pode dizer que quanto mais alto subirmos numa montanha, nossa visão aumentará em termos de conjunto. Todavia, essa visão se torna mais distanciada de cada detalhe da paisagem.

 

Ficamos longe da realidade lá de baixo e começamos a correr o risco da “tonteira das alturas”…

 

Mais ainda, corremos o risco de querer “subir apenas por subir”, ou seja, querermos apenas o “poder pelo poder”, sem nenhum comprometimento com as coletividades da base.

 

Essas reflexões me foram suscitadas pela leitura de uma biografia de GETÚLIO VARGAS, que começou sua carreira da forma mais idealista possível e acabou se perdendo num cipoal complexo de situações que ele mesmo criou devido à ambição que terminou por dominá-lo.

 

Na verdade, não sei se o que nos move nessas ascensões é o ideal de mais contribuir para o progresso do Direito e da Justiça ou o desejo de domínio sobre a estrutura em que atuamos e sobre as pessoas…

 

Entre subir mais e continuar totalmente livre para falar a Verdade, prefiro continuar com a segunda opção.

 

Afinal, se for por causa do dinheiro, o que ganho me permite viver até bem num país pobre como o nosso.

 

E, se for por causa do prestígio, é muito fugaz e vai, no máximo, até os 70 anos de idade, quando, queiramos ou não, temos de renunciar às regalias (poucas ou muitas) do cargo.

 

A gente vai-se preparando para o desapego e o idealismo, queiramos ou não.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Pregar a Verdade x Fazer Carreira. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/pregar-a-verdade-x-fazer-carreira/ Acesso em: 22 abr. 2025