O colega MAURICIO
MARCHETTI, da AMATRA 2, enviou para a Lista da AMB o artigo intitulado
Parlamentares armam reação para frear interferência do Judiciário, de DENISE
MADUEÑO, publicado no ESTADO DE SÃOPAULO, de 06/01/2009, que transcrevo abaixo
e comento parágrafo por parágrafo.
Parlamentares agastados com o que
consideram intromissão do Judiciário em assuntos políticos, particularmente em
2008, preparam uma ofensiva contra os tribunais a ser desencadeada depois do
recesso.
Se consultarmos a
História do Brasil, veremos que, desde o começo do nosso país, o Executivo
sempre foi o mais forte dos Poderes, ficando, em segundo lugar, o Legislativo
e, por último, o Judiciário.
Esse estado de coisas
perdurou durante o Brasil-colônia e o Brasil-império e tem continuado pelo
Brasil-república afora.
A Carta
Constitucional de 1988 foi o começo da mudança em favor do Judiciário.
Os próprios
constituintes de 1988 não imaginavam o que o Judiciário se tornaria a partir
daí, acostumados que se achavam o Executivo e o Legislativo com a atuação
“discreta” do Judiciário até então. Tinha-se um Judiciário “bouche de la loi”,
como pretendia NAPOLEÃO BONAPARTE na França pós-Revolução Francesa, ou seja, os
juízes deveriam ser meros aplicadores das leis, sem possibilidade de criarem o
Direito.
Acontece que o
Judiciário brasileiro aos poucos foi-se imbuindo do ativismo judiciário
norte-americano e deu no que deu… Quando o Executivo e o Legislativo
brasileiros se deram conta o Judiciário nacional, encabeçado pelo STF, já
estava exercendo, em plenitude, o sistema de freios e contrapesos dos
americanos, ao invés de continuar passivamente à sombra do princípio da
independência e harmonia entre os Poderes.
Aliás, esse último
princípio jamais foi aplicado realmente no nosso país, pois a independência
existe, de fato, para o Executivo e a harmonia é fantasia orquestrada por ele.
O Judiciário resolveu
atuar de forma mais decisiva na vida do país e isso tem sido motivo de
perplexidade para os integrantes dos dois outros Poderes.
O protagonismo do Judiciário levou o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, a classificar a
corte como a “verdadeira terceira Câmara”, ao lado da Câmara dos
Deputados e do Senado, tal o número e a importância de questões que acabaram
sendo definidas ali.
As importantes
questões atualmente julgadas pelo STF têm determinado rumos novos ao país.
Nas composições
anteriores do STF houve muitos grandes juristas, mas os tempos não estavam
propícios para uma atuação decisiva da suprema corte da Justiça. Atualmente, a
própria opinião pública respalda a atuação do STF. Inclusive porque o
provisório, mas real, descrédito da classe política em geral (com honrosas e
excelentes exceções) fez o povo querer que as soluções para muitos problemas
graves passem a vir das mãos dos juízes. É o que tem acontecido.
Mesmo reconhecendo a omissão do Congresso
como o combustível que animou a interferência “legislativa” dos
magistrados, parlamentares elaboram projetos para “enquadrar” o
Judiciário.
Não só os
parlamentares reconhecem sua omissão em solucionar muitas situações graves,
mas,principalmente, o próprio povo está cansado de promessas e discursos e quer
soluções objetivas e decisivas.
Alguém já disse que a
“morosidade judiciária” proporciona soluções mais rápidas que a “morosidade
legislativa”. O Judiciário tem resolvido muitas questões, como a extinção do
nepotismo no país, o que aumenta a credibilidade do serviço público nos três
Poderes.
Assim que se iniciarem os trabalhos da
Câmara, o deputado Flávio Dino (PC do B-MA), por exemplo, vai apresentar uma
proposta de emenda constitucional para fixar mandato para os ministros do STF.
Hoje o cargo é vitalício – o ministro se aposenta compulsoriamente aos 70 anos.
Caso seja aprovada a
idéia do mandato provisório para os Ministros do STF, o Brasil será o único
país do mundo a contemplar esse tipo de situação. Não consigo entender o
fundamento dessa inovação.
O deputado Geraldo Magela (PT-DF) elabora
um projeto para obrigar a Justiça Eleitoral a julgar os processos envolvendo
políticos no prazo máximo de oito meses. Ricardo Barros (PP-PR) espera que o
novo presidente da Câmara, que será eleito no próximo dia 1º, crie um grupo de
trabalho para tratar das questões do Judiciário que estão pendentes na Casa e
propor uma solução.
É louvável a idéia de
se agilizar os processos em geral – e não só daqueles que tramitam na Justiça
Eleitoral. Mas, fixar prazo para o julgamento é uma inovação estranha, que o
Brasil liderará, uma vez que a própria Corte Européia dos Direitos Humanos, por
exemplo, não fixa prazo para definir o que seja “prazo razoável para duração de
processos” previsto na CEDH. Não há como se fixar previamente prazos para
encerrar processos, uma vez que há processos simples e processos complexos,
processos com um réu e processos com muitos réus e assim por diante…
A gente percebe uma
certa precipitação, talvez por não ter havido uma consulta aos operadores do
Direito.
As leis deveriam
nascer do consenso dos que vivem a realidade que se irá regulamentar e não ser
imposições de cima para baixo. Por isso é que temos leis que “emplacam” e leis
que são letra-morta…
As “questões do
Judiciário” já deveriam ter sido resolvidas há muito tempo. A remuneração dos
magistrados, por exemplo…
A temperatura aumentou no ano passado
como reflexo de algumas decisões tomadas pelo STF e pelo TSE. A súmula
antinepotista editada pelo Supremo, proibindo a contratação de parentes nos
três Poderes, causou mal-estar no Congresso, que recorreu até mesmo a pareceres
jurídicos preparados no próprio Parlamento para atenuar os efeitos da decisão.
O Congresso Nacional
teve 20 anos para acabar com o nepotismo no serviço público e não o fez… Está
reclamando do Judiciário tê-lo substituído na solução desse grave problema do
serviço público nacional?
FICHAS SUJAS
No front eleitoral, a divulgação pela
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) da relação de candidatos
fichas-sujas – com pendências na Justiça -, incluindo vários deputados no rol,
azedou a relação com o Congresso. Já a decisão do TSE de mandar cassar o
mandato do deputado infiel Walter Brito Neto (PB) provocou atritos entre a
Câmara o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto.
O Congresso já
deveria ter realizado a Reforma Política, mas sempre houve pretextos tal não
acontecer. Pois bem, o Judiciário, de algum tempo para cá, resolveu acelerar a
Reforma.
O Congresso deveria
aproveitar a oportunidade e, ao invés de brigar com o Judiciário, realizar a Reforma
Política, como é do seu dever…
Em fevereiro, o Supremo, mais uma vez,
voltará à ribalta política para decidir uma ação da Mesa do Senado, presidida
por Garibaldi Alves (PMDB-RN), contra a Mesa da Câmara, comandada por Arlindo
Chinaglia (PT-SP). Isso reforça a ideia da chamada “judicialização da
política”, com a corte passando a ser uma instância de recurso político,
além de dar a palavra sobre questões que, a rigor, seriam de iniciativa dos
parlamentares, como a fidelidade partidária e a proibição do nepotismo.
Não há como o
Judiciário deixar de contribuir para a evolução do país. Se algum dos segmentos
tenta frear o progresso, tem de haver quem o incremente.
Ricardo Barros, que é vice-líder do
governo na Câmara, identifica uma grande insatisfação de parlamentares com o
que consideram interferência do Judiciário nas prerrogativas do Congresso. Um
exemplo disso é a demora na votação dos projetos de aumento salarial dos
ministros do Supremo e dos membros do Ministério Público que estão na lista de
espera desde 2006. “Resolvendo as questões pendentes, aumenta a boa
vontade do Congresso com as demandas do Judiciário”, afirma Barros.
Não pode haver “troca
de favores”. Cada setor deve atuar com retidão e honestidade, cada um cumprindo
seu dever frente aos olhos dos cidadãos, que são os verdadeiros detentores do
poder, sendo nós todos meros servidores do povo. Não há como “negociar” em
prejuízo das causas públicas.
Ele cita entre os assuntos prioritários
nessa relação a votação de um projeto que responsabiliza o procurador que
apresentar denúncia infundada à Justiça. “O procurador denuncia, divulga
na imprensa, acaba com o patrimônio do político, que é a sua imagem, e depois
se comprova que a acusação é infundada e fica por isso mesmo?”, argumenta.
Barros quer também mudanças para o acesso ao cargo de juiz. “Tem de
aumentar o período de experiência para o concurso de juiz.”
Para os eventuais
casos de processamento doloso já há previsão legal, não sendo necessária lei
nova para tanto.
Acho justo o aumento
do período de prática forense para ingresso na magistratura, mas sem obrigação
de passar pela advocacia.
A reclamação dos parlamentares é também
sobre a invasão de prerrogativas pelo Judiciário. Barros aponta a questão das CPIs
– que são instrumentos de fiscalização do Congresso, mas têm sido alvo de
decisões da Justiça dando direito aos convocados de ficarem calados durante os
depoimentos.
Se nenhuma lesão de
direito pode ficar fora da atuação do Judiciário, como previsto na CF, os
juízes devem analisar todas as situações em que alguém alegue tal lesão.
ELEIÇÕES
A demora na solução de processos
eleitorais é o ponto que Magela pretende atacar. O projeto do deputado fixa
prazo de oito meses para que a Justiça Eleitoral, da primeira à última
instância, julgue as ações envolvendo eleições de políticos. “Os Tribunais
Regionais Eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral só existem para julgar
esse tipo de ação. Têm de julgar, não podem deixar os processos na gaveta”,
critica Magela.
Já comentado acima.
Em conclusão: o
Judiciário não está guerreando contra ninguém, mas está apenas cumprindo seu
papel de contribuir para o progresso do nosso país.
*
Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).