Judiciário

A justiça a serviço dos cidadãos

 

ÉLISABETH GUIGOU, ex-Ministra da Justiça da França, engrossou a corrente que entende a Justiça como parte do Serviço Público em sentido amplo.

 

Essa doutrina não agrada a maioria dos juízes franceses, que pretendem o Judiciário como um setor à parte, superior. Apegam-se, no fundo, a uma realidade anterior à Revolução Francesa, quando pessoas ricas, mas não integrantes da nobreza de sangue, adquiriam (por compra) cargos de juiz e, com isso, passavam a fazer parte da noblesse de robe (nobreza togada).

 

Passados dois séculos, com a valorização das idéias democráticas e a repulsa às desigualdades sociais, essa “superioridade” é cada vez mais menos tolerada pela população em geral.

 

Pretende-se que todos os que ocupam cargos públicos, seja no Executivo, Legislativo ou Judiciário, são servidores públicos, ou seja, devem servir ao público.

 

Em um estudo intitulado A Justiça a serviço do cidadão (incluído no livro LE SERVICE PUBLIC DE LA JUSTICE, Éditions Odile Jacob, 1998, pp 11/27), aquela estudiosa da Justiça fala sempre de forma incisiva.

 

Iniciaremos as referências com sua indagação:

 

Não estaremos neste momento vivendo um profundo distanciamento entre os cidadãos e as instituições, simplesmente porque determinados servidores do Estado não compreenderam que certos hábitos e certezas geram novamente o questionamento sobre o papel do Estado, seu funcionamento, sua legitimidade? (p. 15)

 

A imagem negativa do Judiciário reconhecida numa pesquisa de opinião pública:

 

“Justiça: a distância insuportável”, escreveu Jean-Denis Bredin comentando a pesquisa de opinião pública encomendada pela Missão Senatorial Haenel-Arthuis em 1991. Mais de três quartos dos franceses diziam então que a Justiça não cumpre bem o seu papel, contrariamente a outras instituições como as Forças Armadas e a Polícia. Ela estava em primeiro lugar entre as instituições carecentes de reforma, antes mesmo do ensino. O mau funcionamento, que foi reconhecido por dois terços dos franceses, referia-se sobretudo à sua morosidade. A dificuldade do acesso, o custo, o tratamento diferenciado conforme a categoria social, eram os três outros pecados maiores.

 

Seis anos mais tarde, a constatação é praticamente a mesma.

 

Na pesquisa realizada pela SOFRES em maio de 1997, os franceses exigiam de início a melhoria do funcionamento cotidiano da Justiça e a aplicação da igualdade perante a lei. (pp. 15/16)

 

Na época atual novos modelos se impõem:

 

Nesse contexto, o trabalho do juiz, de todos os juizes, mudou muito, permitam-me insistir nesse ponto que me parece essencial. Nossas sociedades serão cada vez mais reguladas pelo Direito. A norma social será menos editada e mais negociada. Os conflitos não serão mais resolvidos autoritariamente pelas diversas instituições. Em um quadro mais transparente, mais informado pelo contraditório, mais contratual, com os cidadãos melhor informados e melhor aconselhados, sob o olhar das mídias, o debate judiciário sobre os grandes temas da sociedade terá cada vez mais espaço. […]

 

Nesse esquema, um espaço maior deverá ser dado para a mediação, a conciliação, e a transação entre pessoas responsáveis e bem aconselhadas. O recurso ao Judiciário deverá ser subsidiário, para reservar um espaço destacado para ele, que é o de solucionar os conflitos aplicando o Direito e não de gerir aquelas outras situações. […]

 

Como já tive oportunidade de dizer em um Congresso de Magistrados, nossa sociedade deve ter uma ambição para a Justiça e uma ambição para os juízes. A contrapartida é uma exigência social reforçada quanto aos juízes, na sua formação, prática, ética e regime de responsabilidade. Somente o atendimento a essas exigências pode fundamentar a legitimidade e o espaço destacado dos juízes na sociedade. A imparcialidade, a competência, a humildade e o respeito aos jurisdicionados deverá impregnar a prática profissional cotidiana de todos os juízes, porque, não sendo atendidas essas exigências, seu poder será rapidamente entendido como inaceitável e dará mais força àqueles que contestam o princípio da proeminência dos juízes (p. 17)

 

Talvez um certo desânimo frente à grandiosidade do empreendimento:

 

Eu gostaria de mobilizar todos os colaboradores da minha administração para este objetivo de modernização do funcionamento do serviço público da Justiça, todavia essa movimentação implica numa profunda mudança cultural (p. 19)

 

A impropriedade de se cobrar de juízes o cumprimento de atribuições administrativas:

 

A primeira missão do Juiz é de julgar. Para fazer isso é indispensável que as atribuições de mera administração sejam confiadas a profissionais especializados em gestão pública. Os presidentes de Tribunais devem incentivar, orientar, decidir, mas deveriam ser dispensados de atribuições de administração material que absorvem grande parte de sua energia e de grande número de Juizes. (p. 23)

 

As soluções não-jurisdicionais:

 

Todavia, as fases alternativas do processo, as soluções não-jurisdiconais devem ser priorizadas para que a Justiça se dedique ao seu trabalho essencial.

 

O acesso ao Direito, que é necessário que se desenvolva, não deve ser confundido com o acesso à Justiça. Devem existir diversas outras formas de solução antecedentes ao ajuizamento de ações na Justiça, particularmente a mediação, a conciliação e a transação. Se é que a Justiça deve sempre ser uma forma de solução, não pode ser uma porta aberta a todas as questões sociais mal resolvidas. Os advogados devem constituir-se os primeiros parceiros dessa reflexão que interfere nas estatísticas judiciárias, na economia interna da Justiça e nas diversas formas de soluções pelo Direito. (p. 26)

 

A conclusão:

 

Minha visão não é a de juízes imateriais, mas sobretudo de juízes que ouvem a sociedade. (p. 25)

 

Para encerrar, pergunto eu:

 

– Essas reflexões podem ajudar a melhorar nossa realidade?.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. A justiça a serviço dos cidadãos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/a-justica-a-servico-dos-cidadaos/ Acesso em: 26 jul. 2024