Diversos fatores têm contribuído para que o Judiciário fique cada vez mais atulhado de processos e tenha menos condição de resolvê-los.
No meu livro A Justiça da França – um modelo em questão, LED, 2001, abordo esse tema no ítem 4.10 sob o título insuficiência para atender à crescente demanda:
Não é essa incapacidade uma realidade só da França, mas dos tribunais de qualquer país do mundo. A procura crescente dos jurisdicionados pelas soluções da Justiça é um fenômeno curioso, pois, ao mesmo tempo que muitos duvidam das soluções judiciárias, procuram a Justiça em busca de resposta para os problemas mais graves.
Esse volume de demandas gera a dificuldade em se dar uma resposta rápida.
Francis Kernaleguen, ob. cit., p. 163, diz: “…o número de processos recebidos é constantemente superior ao número de processos julgados. Desde 1982 o estoque de processos restantes a julgar cresceu em proporções inquietantes.” Depois de ter dito que em
Roger Perrot, no seu discurso sobre O Processo Civil Francês na véspera do século XXI (traduzido por José Carlos Barbosa Moreira), Revista de Processo 91, reconhece o aumento avassalador do número de demandas, dá explicações para o fenômeno e afirma que a solução é a reforma processual para se acelerar os processos: _2. O considerável desenvolvimento da litigiosidade. 2. O acontecimento processual marcante deste último meio século terá sido sem dúvida, e não só na França, o considerável aumento da massa litigiosa. Foi esse dado primeiro que pesou muito fundo nas transformações do processo civil francês. 2.1 O desenvolvimento quantitativo. Quando se evoca tal problema, logo se pensa no crescimento quantitativo do volume das causas. As demandas apresentadas dos tribunais multiplicam-se em condições inquietantes. Na França, foi possível verificar que, no espaço de vinte anos, o número de causas triplicou, e por motivos fáceis de compreender. Numa sociedade que evolui rapidamente, as leis sucedem-se em ritmo acelerado e fatalmente geram um contencioso mais abundante, tanto mais quanto os nossos contemporâneos, mais bem informados de seus direitos que no século passado, já não hesitam em dirigir-se aos tribunais ante a menor dificuldade e, se necessário, percorrendo todos os degraus da hierarquia judiciária, desde o juiz de primeiro grau até a Corte de Cassação. Mas não existe milagre. Com um pessoal judiciário que praticamente não aumentou em número, o resultado mais claro de semelhante situação consiste em que nossos tribunais, que já não conseguem deter essa maré montante, só podem proferir seus julgamentos ao fim de muitos meses, quando não de muitos anos. Há aí um fenômeno de massa que não é peculiar à Justiça – a Universidade conhece também o mesmo problema – mas que acarreta, no mundo judiciário, conseqüências temíveis, se se considera que a Justiça é fator de Paz social e que não lhe é possível desempenhar plenamente seu papel sem que as decisões sejam proferidas dentro de prazos razoáveis e executadas com rapidez. 2.2 O desenvolvimento quantitativo. Esse primeiro fenômeno é notavelmente agravado pelo fato de que a massa litigiosa não se limitou a aumentar em quantidade: também qualitativamente se modificou a fundo. Eis aí um aspecto em que se pensa bem menos e que, todavia, merece à maior atenção. No século XIX; os litígios versavam em geral sobre a propriedade das terras, sobre alguns contratos comerciais cuidadosamente catalogados e disciplinados pela lei, sobre a definição de sucessões ou de regimes matrimoniais, por vezes, ademais, com alguns problemas de filiação; isto é, em resumo, sobre fortuna adquirida objeto de disputas que não exigiam necessariamente solução imediata. Litigava-se com freqüência, família contra família, ao longo de várias gerações. Ora, em nossos dias, é diferente o contexto. A grande maioria dos processos envolve questões que impregnam nossa vida quotidiana: é o assalariado que encontra dificuldades para obter do empregador uma indenização por despedida; é a vítima de acidente rodoviário que não recebe da companhia seguradora a prestação reparadora com que contava; é um locatário cuja locação foi resilida e está ameaçado de despejo; é uma mãe abandonada que espera em vão uma pensão alimentar ou se bate para conservar a guarda dos filhos; e que dizer dos processos que nossa sociedade de consumo fez nascer, com créditos distribuídos a torto e a direito e que não raro põem o consumidor na necessidade de ir a juízo para escapar de cláusulas abusivas ou à cobrança de juros astronômicos. Cumpre que nos rendamos à evidência: sociologicamente, o Processo deslocou-se na direção de camadas populacionais de condições mais modestas, que vivem de seus ganhos e são comumente designadas por _classes médias”. Ora, essa situação – da qual nem sempre se tem medido as incidências judiciárias – fez aparecer duas preocupações novas que o jurista moderno tem de encarar. 1.°) Antes de tudo, há o problema do acesso à Justiça. Numa época em que os processos gravitavam em torno de uma fortuna familiar solidamente e Há meio século, portanto, vem-se esforçando a França para resolver o problema de maneira indireta, dirigindo as reformas para as estruturas judiciárias (I), para o procedimento (II) e enfim para a decisão judicial (III). Não é exagero dizer – e é o que desejaríamos agora mostrar – que todas as mais importantes reformas processuais francesas têm sido ditadas par uma única e mesma preocupação, a da aceleração da Justiça.”
A justiça administrativa também mostra um quadro de insuficiência no que pertine aos Tribunais Administrativos e Cortes Administrativas de Apelação.
Vejamos alguns dados estatísticos:
ESTATÍTICAS DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS EM 1.998:
Processos registrados: 123.834; Decisões proferidas: 104.615
ESTATÍTICAS DAS CORTES ADMINISTRATIVAS DE APELAÇÃO EM 1.998
Processos registrados: 14.330; Decisões proferidas: 9.199
Pesquisa de opinião pública promovida em 1991 pela Comissão Senatorial Haenel-Arthuis concluiu que 75% dos franceses entendem que a Justiça francesa não cumpre a contento seu papel, entendendo 66% da população que o problema maior é a demora das soluções jurisdicionais, aparecendo outras críticas: dificuldade de acesso à Justiça, custo alto, tratamento diferenciado em detrimento dos pobres. esse resultado foi mais ou menos confirmado em 1997pela pesquisa realizada pela SOFRES.
Essa insuficiência tem feito surgirem e se desenvolverem as chamadas “formas alternativas de regramento dos litígios”: “Dado característico do período contemporâneo é a diminuição do papel desempenhado pelas jurisdições propriamente ditas no regramento dos litígios.” (La justice et ses Institutions, Vincent, Guinchard, Montagnier e Varinard, Dalloz, 1996)
Incentiva-se a conciliação e a mediação, mas a última não é utilizada geralmente na França, como acontece nos Estados Unidos, segundo informa Serge Braudo.
A carência de elemento humano é mostrada pelos dados estatísticos. Assim, em 1857, com uma França de 37.000.000 de habitantes, haviam 6.254 magistrados, enquanto que em 1990, o país já tendo 58.000.000 de habitantes e uma vida muito mais complexa (com número maior de processos), o número de magistrados era menor, ou seja, de 6.009. Dessa forma, o número de magistrados por habitante caiu de 1 magistrado para cada 6.000 habitantes (1857) para 1 magistrado para cada 9.666 habitantes (1990).
Atualmente (dado de 31/01/2000) existem na França 4.953 juízes de ordem judiciária, segundo informação de Christian Coste.
Ainda deve ser observado que no século passado o número de pessoas jurídicas (evidentemente não computadas entre os habitantes) aumentou muito e as demandas em que elas são partes também.
Em face das constatações acima expostas, acredito que qualquer projeto de melhoria do Judiciário para atender as necessidades crescentes dos dias que correm deve ser elaborado levando em conta o universo de fatores que contribuem para sua insuficiência.
Soluções parciais ou amadoras, decisivamente, não resolvem….
* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).