Ricardo de Holanda Janesch[*]
Resumo: Este artigo versa sobre a incompletude das teorias jurídicas clássicas em relação ao novo paradigma do direito, por meio de uma análise dos aspectos principais de cada doutrina, ressaltando os problemas e as qualidades.
Palavras-chave: Jusnaturalismo. Positivismo jurídico. Materialismo Marxista. Novo paradigma do Direito.
1 introdução
Este artigo trata da insuficiência das teorias jurídicas clássicas para explicar o fenômeno do direito como um todo. Para isso, será feita uma reflexão sobre as três grandes – e divergentes – doutrinas tradicionais: o jusnaturalismo, o positivismo jurídico e o materialismo marxista.
Neste estudo serão abordados os aspectos principais de cada teoria, destacando a sua linha filosófica base e seu intuito como ciência do direito. Desta forma, poder-se-á analisar comparativamente essas teorias e ver possíveis intersecções e disparidades.
Por fim, ver-se-á as falhas nas teorias, sua incompletude ante a um mundo jurídico complexo e sem utopias. Nesta etapa, serão destacados os principais defeitos de cada teoria e, também, por que elas são cada vez menos válidas.
2 jusnaturalismo
O jusnaturalismo, ou direito natural, é a principal tendência idealista na tradição do pensamento jurídico-filosófico ocidental. Ele reivindica a existência de uma lei natural, eterna e imutável, distinta do sistema positivista – baseado nas leis –que engloba amplas manifestações do idealismo que se traduzem na crença de um preceito superior advindo da vontade divina, da ordem natural das coisas, do instinto social, ou mesmo da consciência e da razão do homem.
Dessa ideologia – o jusnaturalismo – surgem três concepções, segundo Wolkmer[1]: a cosmológica, a teológica e a antropológica.
A cosmológica, a primeira delas, afirma que o direito natural tem origem na própria natureza das coisas, consubstancial à ordem cósmica. Essa teoria foi a base de raciocínio de importantes filósofos da Antiguidade Clássica, como Aristóteles, que justificava a escravidão por essa teoria.
A lei divina, como o próprio nome já diz, vem de Deus. Ele dá a ordem e o valor das coisas. Nesse sentido, o direito é uma invenção de Deus, posta a serviço dos homens, e, bem por isso, mero apêndice da religião. Neste ínterim, pode-se ver o papel secundário do direito em relação aos cultos. Doutrina utilizada nas civilizações de modo de produção asiático e na idade média.
A concepção antropológica veio no momento em que a burguesia ascendente ainda possuía valores jusnaturalistas e precisava derrubar a estrutura aristocrática: o fundamento do direito viria nos preceitos relativos à razão humana.
Segundo Rodrigues, a concepção jusnaturalista é reducionista. Ele segue:
Coloca o Direito fora da sociedade, construindo, da mesma forma, uma visão de mundo que é unívoca, consensual e não democrática. Historicamente tem sido utilizado tanto para legitimar o poder estabelecido como para justificar os movimentos de resistência às ditaduras. Atrelados ao paradigma jusnaturalista, os juristas, nas várias atividades que desempenham, transformam-se em metafísicos.
Sua proposta se esvai em princípios vagos, ambíguos e ineficazes. Se de um lado aquele [positivismo] tem um compromisso com o formal, de outro o jusnaturalismo tem um compromisso com um ideal não bem explicitado. Resta esquecida, à margem, a realidade concreta. (RODRIGUES, 2004 p. 3)
3 juspositivismo
O positivismo jurídico prosperou a partir da metade do século XIX e acabou impondo-se como a principal doutrina jurídica contemporânea. Constitui uma reação ao jusnaturalismo, afirmando que o Direito não é nada natural, divino ou da razão humana, mas sim algo relativo à análise e à criação de normas e estruturas legais.
Ele descarta, assim, os princípios e juízo valorativo – por considerá-los metafísicos e anti-científicos – em função de uma suposta neutralidade axiomática, de um rigoroso experimentalismo e, ao mesmo tempo, de um tecnicismo formalista. Esse direito caracteriza-se, também, pelo materialismo coercitivo e tem como função harmonizar os possíveis conflitos entre classes, bem como disciplinar e manter as funções do aparelho estatal e garantir sua validade. “Para o positivismo jurídico só existe um ordem jurídica: a comandada pelo Estado e que é soberana.” (NADER, 1997. p. 449)
É importante lembrar que o formalismo jurídico enquanto ideologia é fruto das revoluções sócio-politico-burguesas, que instituíram seu modo de pensar, baseado no capitalismo.
Assim, consoante Wolkmer[2], o positivismo possui três subdivisões principais: o positivismo legalista, o positivismo historicista ou sociologista e o positivismo psicologista.
O legalista, parte das leis e outras normas instituídas e realiza suas reflexões, num plano hermético, baseado na superioridade da lei sobre qualquer outra razão. Como expoente dessa filosofia, tem-se Hans Kelsen, que
Já o historicista ou sociologista defende as formações jurídicas pré-legislativas, isto é, anteriores à lei. Mergulha, portanto, nos costumes e outras normas não-escritas. De certa forma, rende-se ao primeiro tipo, uma vez que acaba procurando legitimar esse direito consuetudinário.
Quanto ao psicologista, este se relaciona diretamente com a consciência individual do intérprete. Por conseguinte, os juristas “realistas” que trabalham com essa teoria acabam por servir à ordem dominante, à qual fazem parte.
No que tange à visão positivista do direito Bobbio afirma:
[…] o cientista moderno renuncia a se pôr diante da realidade com uma atitude moralista ou metafísica, abandona a concepção teleológica (finalista) da natureza (segundo a qual a natureza deve ser compreendida como pré-ordenada por Deus a um certo fim) e aceita a realidade assim como é, procurando compreendê-la com base numa concepção puramente experimental (que nos seus primórdios é uma concepção mecanicista). (BOBBIO, 1999. p. 135-136)
4 materialismo marxista
“Para o marxismo, a explicação materialista histórica do Direito coloca suas origens como decorrência das iniciais transformações econômicas que deram origem à sociedade de classes.” (MACHADO, apud SILVA, 2007. p. 1)
Na separação classista dos homens, em proletários e burgueses, quando houve a divisão social do trabalho, o Estado foi o instrumento de violência organizada para garantir a propriedade e prosperidade da elite. Desta forma, o direito foi criado para e legitimar (legalmente) o domínio dos ricos[3]. “Estado e direito, portanto, seriam instrumentos de classe servindo os interesses globais dos grupos dominantes.” (SILVA, 2007 p. 2)
Em seus estudos, Marx concluiu que o processo histórico era definido dialeticamente pela dinâmica gerada pela oposição de classes. Este conflito existente entre elas era explicado pela desigualdade na repartição dos bens materiais e dos modos de produção que, no pós revolução industrial, concentraram-se nas mãos burguesas que exploraram os proletários.
Aqui se vê um problema do positivismo – à luz marxista: o direito não é apenas um conjunto de normas fruto de um sistema lógico e disciplinador; mas também fruto da sociedade em que vigora. Consoante Silva:
Ainda que o jurista não esteja interessado no vínculo que liga a doutrina à vida real, ainda assim o vínculo existe, pois ele se encontra no conceito de Direito válido que é parte integrante de toda proposição doutrinária. Esse direito válido é o direito positivado e acatado pela sociedade, pois, só assim ele tem eficácia social. Essas normas serão aceitas como fato social e parte integrante desse direito normado. (SILVA, 2007. p. 3)
Para Marx, o direito possui caráter contraditório que decorreria do domínio das classes dominantes ser sempre incompleto; pois os grupos dominados conseguirão valer, em espaços limitados, pontos de vista próprios. Ademais, a sociedade seria partilhada entre projetos e valores político-sociais divergentes, embora a classe dominante exercendo hegemonia sobre a classe dominada.
Pode-se ver, aqui, que o socialista alemão vê o direito à luz de sua teoria sócio-econômica e como reflexo da situação que ela expressa. Assim, da mesma forma que o Estado o direito deveria ser destruído, pois faria parte do sistema de dominação.
5 problemas com as teorias
Antes de procurar as falhas e lacunas teóricas nas três doutrinas trabalhadas, deve-se ver o meio em que estão inseridas hoje, século XXI. Passamos atualmente por uma crise no direito paradigmático-empirista, corrente predominante na modernidade. O pluralismo jurídico vem com força e confronta-se, cada vez mais, em par de igualdade com o monismo tradicional. Para buscar legitimidade “o direito só pode continuar a ser justificado por um fundamento inatacável [na idade contemporânea], a Ciência”. (Mialle, 1984. p. 31).
Deve-se ressaltar que a ciência do direito não é mais a visão de Kelsen e outros teóricos positivistas que afirmavam que ela é apenas a relação entre normas. Mas, também, numa ótica mais moderna, busca uma verdade no direito que condiga com a realidade das outras ciências sociais, algo semelhante ao sincretismo da filosofia do direito, da ciência jurídica kelseniana e da sociologia, economia, enfim de todas as outras ciências que se relacionem direta ou indiretamente com o direito[4]. Agora, busca-se a relação das normas entre si e com as pessoas sujeitas a elas tentando-se atingir de modo multilateral todas as possíveis faces da ciência jurídica. E, por isso, vê-se a incompletude das teorias tradicionais.
“O grande erro dessas teorias, em todos os seus matizes, é que através de seus métodos estáticos tentam apreender um objeto dinâmico – o Direito.” (RODRIGUES, 2004. p. 11) O jusnaturalismo, assim como as outras doutrinas, não se encaixa nesta nova perspectiva. Apesar de possuir um ideal de justiça, sua reflexão é, em grande parte, utópica e ultrapassada, uma vez que caiu em desuso já na modernidade, quando, “durante o século XIX, o positivismo de inspiração comtiana alcançou ampla repercussão no âmbito do direito”. (NADER, 1997. p. 442) Ademais, suas idéias acabam caindo em um paradigma metafísico – atualmente condenado pelos jusfilósofos.
Enquanto isso a visão positivista do direito, à qual fazemos parte, é, também insuficiente. Essa concepção monista é, visivelmente, ineficaz. Por isso, vê-se, como já salientado, a doutrina do pluralismo jurídico – principalmente em sociedades com muita miscigenação – ser cada mais defendida.
Além disso, a já ultrapassada Teoria Pura do Direito de Kelsen continua presente nas mentes dos juristas positivistas. Com isso, as relações tornam-se unilaterais e alheias ao mundo, apesar de ser função do legislativo modernizar o sistema legal do país; e não do judiciário que deveria apenas incentivá-las e orientá-las. Dessa forma:
O positivismo jurídico é uma doutrina que não satisfaz às exigências sociais de justiça. Se, de um lado, favorece o valor segurança, por outro, ao defender a filiação do direito a determinações do Estado, mostra-se alheio à sorte dos homens. O direito não se compõe exclusivamente de normas, como pretende essa corrente. As regras jurídicas têm sempre significado, um sentido, um valor a realizar. (NADER, 1997. p. 450)
Nader segue afirmando que a lei não pode corresponder a todo o direito. Além disso, a “lei, sem condicionantes, é uma arma para o bem ou para o mal”. (NADER, 1997. p. 451) Os regimes ditatoriais da Europa no século XX – como o fascismo e o nazismo –, em sua maioria, foram erguidos sob um aparato jurídico que os dava a legalidade que precisavam. O próprio Kelsen, refugiado nos Estados Unidos, afirmou que o governo de Hitler era legítimo à luz de sua teoria.
No que tange à teoria jurídica materialista de Marx, nota-se que esta possui inicialmente uma pretensão imensa, assim como toda a teoria deste filósofo: a de ser a resposta universal, que tornaria desnecessária qualquer outra visão ou doutrina. Assim, há de se deduzir que esta não vingou; não só pelo caráter de resposta única, mas também, pois o modelo socialista não foi adiante no mundo.
Apesar disso, deve-se perceber que a idéia do direito como reflexo das relações econômicas é extremamente importante para compreender o paradigma atual. Um dos pensamentos descritos nas Teses sobre Feuerbach que não se deve apenas contemplar a realidade, mas transformá-la é, também, interessante. Inobstante, o meio pelo qual se fariam essas modificações, não seria a ciência jurídica, mas a revolução. Ademais, segundo Rodrigues:
A teoria marxista do Direito, em seus padrões ortodoxos, também não consegue superar a visão parcial do jurídico. Seu método determinista acaba reduzindo-o a uma instância superestrutural determinada mecanicamente pela infra-estrutura. Dessa forma, reduz o Direito ao direito positivo estatal e o vê exclusivamente como forma de dominação. Não se apercebe de que ele em sua dialética social serve, em muitos momentos, também à libertação. Transforma-se assim, em positivismo, não conseguindo superar os problemas existentes. (RODRIGUES, 2004. p. 12)
Por fim, ele acrescenta:
as teorias (não seriam crenças?) que ainda tentam resgatar a idéia de unidade do universo do Direito, o fazem exatamente por não terem acompanhado a evolução que ocorreu nas outras áreas do conhecimento humano e por não efetuarem uma análise interdisciplinar e dialética do fenômeno jurídico. A produção deste e do seu conhecimento não são exclusividade dos juristas. (RODRIGUES, 2004. p. 12)
6 conclusão
O paradigma atual, já caracterizado anteriormente, não vem sendo alvo de muitas mudanças de ordem jurídica, apesar da crise, mantendo-se o monopólio do Estado sobre a legislação. Assim, as tentativas de modernização são freadas – apesar de, às vezes, bem fundamentadas.
Paulo Nader afirma que ou o jusfilósofo é partidário da idéia, jusnaturalista, “ou é defensor do monismo jurídico, visão que reduz o direito apenas à ordem jurídica positiva”. (NADER, 1997. p. 436) No entanto, vemos que precisamos de outra saída, um caminho intermediário que se adapte a nova realidade vigente.
A concepção do sincretismo filosófico é uma maneira que se vê para amenizar insuficiência teórica. Juntando as três teorias abordadas teríamos uma visão um pouco mais humana e justa do direito. A busca da justiça naturalista, o monismo legalista dos positivistas e a concepção jurídico-sócio-econômica de Marx completariam as lacunas existentes entre si, contemplando, assim, mais áreas do direito.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Luiz Otávio. Reflexões sobre o direito natural. Jus Navigandi. Disponível em <http://jus2.uol.com.br>. Acesso em: 8 de jul. 2007, 15:34.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1999.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 5. ed. Coimbra: Sucessor, 1979
MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A Ciência do Direito, Conceito, Objeto, Método. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar [200-]
MIAILLE, Michel.. Reflexão crítica sobre o conhecimento jurídico: limites e possibilidades. In: PLASTINO, Carlos Alberto (org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 15. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. O Direito errado que se conhece e ensina: a crise do paradigma epistemológico na área do Direito e seu ensino. In: FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. (Org.). A crise do conhecimento jurídico: perspectivas e tendências do direito contemporâneo. Brasília: OAB, 2004. p. 93-133.
SILVA, Célia Maria Daniel. Gênese Social do Direito:Uma breve abordagem sobre a origem do Direito. Direito Net. Disponível em < http://www.direitonet.com.br/>. Acesso em: 9 de jul. 2007, 15:34.
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito
[*] Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. E-mail: janesch@investidura.com.br