Filosofia do Direito

(Re)pensar o passado Breves reflexões sobre a justiça de transição no Brasil

(Re)pensar o passado Breves reflexões sobre a justiça de transição no Brasil[1]

 

 

Lauro Joppert Swensson Junior*

 

 

Saber-se-ão suas maravilhas nas trevas,

E a tua justiça na terra do esquecimento?

(Salmos 88:12)

 

1 Introdução

 

Muitas vezes, uma pergunta é mais importante que sua resposta. Não há resposta sem pergunta. Da mesma forma como não há pesquisa sem problema, cuja solução ainda não é, pelo menos para o pesquisador, suficiente ou satisfatoriamente conhecida (apesar de no dia-a-dia nos depararmos com “pesquisas” acadêmicas, sem conseguirmos identificar ao certo qual o problema que elas se propõem a tratar).1

 

É a pergunta que induz o sujeito a pensar e a refletir, que o conduz a certos argumentos e respostas (verdadeiras ou falsas, possíveis ou impossíveis) sem, contudo, se limitar a elas. Por mais difícil que seja encontrar uma resposta satisfatória para determinada questão ou então por mais bem fundamentada e aceita que ela possa ser num dado momento histórico, a pergunta permanece como uma potencialidade a novas explicações e indagações, impulsionando continuamente o caminhar do conhecimento.

 

Se tivéssemos que definir qual a pergunta que norteia esta pesquisa, ela com certeza referir-se-ia à questão de saber que medidas foram tomadas no Brasil a respeito dos problemas decorrentes do seu passado ditatorial. Isso porque uma primeira finalidade deste artigo é justamente descrever como vem sendo tratado o problema da justiça de transição em nosso país.

 

Todavia, a proposta principal não é propor uma pergunta e procurar dar respostas a ela, como geralmente se faz (no caso, somente indagar sobre o que foi feito em relação à justiça de transição no Brasil e oferecer certas respostas). Pelo contrário, nosso objetivo é simples e fundamentalmente levantar perguntas, apresentando uma série de questões e problemas que estão na ordem do dia no Brasil (e também na América Latina), mas que muitas vezes não recebem a devida atenção da doutrina jurídica nacional. Nosso objetivo é, afinal, (re)pensar o passado recente do país, convidando o leitor a refletir sobre alguns questionamentos e indagações acerca da nossa transição democrática.

 

 

2 Relato de um torturador

 

No dia 09 de dezembro de 1998 foi publicada na revista Veja a seguinte entrevista concedida por Marcelo Paixão de Araújo, tenente do 12º Regimento de Infantaria do Exército de Belo Horizonte de 1968 a 1971, ao jornalista Alexandre Oltramari:2

 

A primeira coisa era jogar o sujeito no meio de uma sala, tirar a roupa dele e começar a gritar para ele entregar o ponto dos militantes do grupo. Era o primeiro estágio. Se ele resistisse, tinha um segundo estágio, que era, vamos dizer assim, mais porrada. Um dava tapa na cara. Outro, soco na boca do estômago. Um terceiro, soco no rim. Tudo para ver se ele falava. Se não falava, tinha dois caminhos. Dependia muito de quem praticava a tortura. Eu gostava muito de aplicar a palmatória. É muito doloroso, mas faz o sujeito falar. Eu era muito bom na palmatória. (…) Você manda o sujeito abrir a mão. O pior é que, de tão desmoralizado, ele abre. Aí se aplicam dez, quinze bolos na mão dele com força. A mão fica roxa. Ele fala. A etapa seguinte era o famoso telefone das Forças Armadas. (…) É uma corrente de baixa amperagem e alta voltagem. (…) Não tem perigo de fazer mal. Eu gostava muito de ligar nas duas pontas dos dedos. Pode ligar numa mão e na orelha, mas sempre no mesmo lado do corpo. O sujeito fica arrasado. O que não se pode fazer é deixar a corrente passar pelo coração. Aí mata. (…) O último estágio em que cheguei foi o pau-de-arara com choque. Isso era para o queixo-duro, o cara não abria nas etapas anteriores. Mas o pau-de-arara é um negócio meio complicado. (…) O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro porque deixa marca. Depois, porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em terceiro, é necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal.

 

Trata-se da primeira vez que um ex-militar confessou publicamente que torturou presos políticos durante a ditadura. Na publicação do projeto Brasil: nunca mais da Arquidiocese de São Paulo, que estudou a repressão política a partir das cópias da quase totalidade dos processos políticos que tramitaram na Justiça Militar entre abril de 1964 e março de 1979,3 seu nome é citado por vinte e duas vítimas de tortura.

 

Esse relato caracteriza assim um lado obscuro do regime militar brasileiro, marcado pela violência e crueldade com que o governo consolidou o poder e esmagou a contestação vinda dos opositores políticos.

 

 

3 Criminalidade estatal

 

Em 1º de abril de 1964 as Forças Armadas promoveram um golpe de Estado chamado de “revolução” pelos militares e instauraram uma ditadura militar no Brasil, que perduraria por vinte e um anos (1964-1985).

 

Sob a influência da “doutrina de segurança nacional e desenvolvimento” (um conjunto de idéias que repensava o Brasil no tocante à sua integração no contexto internacional da Guerra Fria), grande parte dos militares no poder sustentava a necessidade de uma “guerra revolucionária” constante por parte do governo contra o comunismo, a subversão e o terrorismo que “ameaçavam” o país.4

 

Essa noção de contínua guerra revolucionária pressupunha assim que alguns brasileiros fossem considerados verdadeiros “inimigos de guerra” do regime, que a todo custo deveriam ser combatidos, por criticarem e se oporem à ditadura. Entre eles: os partidos de esquerda, os movimentos sindicalista, camponês e estudantil, parte do clero progressista, certos jornalistas, artistas e intelectuais, além de grupos dissidentes, que pegaram em armas contra o governo como a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) etc.

 

Nesse contexto, o regime militar, além de criar todo um aparato repressivo especializado composto basicamente pelo Sistema Nacional de Informações (SISNI) e pelo Sistema de Segurança Interna (SISSEGIN)5 e de fazer várias mudanças legislativas como os Atos Institucionais nº 1 (AI-1), nº 2 (AI-2), nº 5 (AI-5), as novas leis de segurança nacional etc. , utilizou-se muitas vezes da tortura, do desaparecimento forçado e da execução extrajudicial para perseguir e reprimir seus inimigos políticos. Em outras palavras, estabeleceu-se no Brasil toda uma estrutura de repressão montada, organizada e patrocinada pelo Estado, que também utilizava práticas criminosas para perseguir e punir os que se opunham ao regime autoritário.

 

É verdade que, no caso do Brasil, a criminalidade estatal foi pequena se comparada com os demais países da América do Sul que passaram pela experiência da ditadura militar na segunda metade do século XX, como Argentina e Chile.6 Todavia, ela deixou suas marcas.

 

Através do projeto Brasil: nunca mais, foram confirmados 144 assassinatos políticos, 125 desaparecimentos forçados e 1.843 casos de tortura, somente a partir da análise de processos produzidos pela própria Justiça Militar no período compreendido entre 1964 e 1979.7

 

O relatório da Amnesty International de 1972, atualizado e corrigido em 1976, incluiu uma lista de 1.076 pessoas que foram torturadas e/ou mortas pelos órgãos de repressão política do Estado brasileiro.8

 

O número de mortos e desaparecimentos forçados, computados até 1996 no Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos, atinge a soma de 360. Todavia, suspeita-se que o número real seja muito maior, devido a uma grande quantidade de documentos oficiais ainda não terem sido analisados, especialmente aqueles referentes à guerrilha do Araguaia e às mortes na zona rural.9

 

Por sua vez, o reconhecimento oficial do Estado brasileiro pela Lei nº 9.140 de 04.12.1995 e pela Comissão Especial que ela instituiu é de 284 mortes ocorridas em dependências de órgãos estatais, tendo-se localizado ou não o cadáver.10

 

Apesar das divergências nos resultados desses e de outros relatórios e de nunca ter sido feita uma pesquisa jus-sociológica dedicada ao cálculo das cifras obscuras no âmbito dos estudos da repressão política do Estado brasileiro, acredita-se hoje que cerca de cinqüenta mil pessoas passaram pelos “porões da ditadura” e, destas, não menos de vinte mil foram submetidas à tortura. Calcula-se que, dos cerca de oitocentos processos contra a segurança nacional encaminhados à Justiça Militar, próximo de onze mil pessoas foram indiciadas e oito mil acusadas, resultando em algumas milhares de condenações.11

 

 

4 Justiça de transição e anistia penal no Brasil

 

Após o fim da ditadura militar em 1985 e a redemocratização do Estado, a sociedade brasileira e em especial as autoridades políticas que assumem o poder estatal viram-se na difícil tarefa de confrontar-se com esse seu triste passado e administrar as conseqüências dele decorrentes.

 

Ao problema de se decidir que medidas devem ser tomadas pelo novo governo a respeito dos acontecimentos relacionados ao regime anterior, nós chamamos de “justiça de transição” (transitional justice).12 O novo Estado, para construir seu plano de futuro, deve antes decidir sobre as questões relacionadas com o antigo regime.

 

Em tese, transições democráticas exigem uma série de medidas judiciais e não judiciais, com o objetivo de: resolver injustiças e ilegalidades do passado; contar ou recontar a história obscura da ditadura, especialmente sobre os fatos da repressão política estatal; promover a paz social e a reconciliação entre os defensores do antigo e do novo regime; assegurar a estabilidade política da nova democracia; garantir que crimes, como aqueles relacionados à repressão política estatal, não mais se repitam etc.

 

Entre essas medidas, podemos destacar: mudança na legislação, inclusive com a promulgação de uma nova constituição; reparação e compensação às vítimas de violência patrocinada pelo Estado ou aos seus familiares; reformas profundas em instituições como a polícia, as forças armadas e o próprio Poder Judiciário; afastamento das funções públicas de todos aqueles envolvidos em atos contra os direitos fundamentais; estabelecimento de “comissões da verdade” ou “tribunais da memória” etc. Ademais, o novo regime democrático tem inevitavelmente que enfrentar a questão de saber se os responsáveis pela repressão devem ser penalmente punidos e, em caso positivo, como fazê-lo.

 

No caso brasileiro, não houve a punição dos crimes da ditadura. Em 28 de agosto de 1979, ainda no então governo militar de João Figueiredo, foi promulgada a Lei nº 6.683, que concedeu anistia, segundo interpretação que prevaleceu na prática, não só para os presos e exilados por crimes políticos, mas também para os agentes estatais e demais pessoas que cooperaram com o regime autoritário, responsáveis pelos crimes relacionados à repressão política. Trata-se de um caso de “auto-anistia”, pelo fato de o próprio regime ter concedido anistia para os crimes patrocinados e/ou admitidos por ele.

 

Anistia penal, em linhas gerais, é o ato estatal, geralmente do Poder Legislativo, através do qual o Estado renuncia à imposição de sanções ou extingue as já pronunciadas.13 A anistia, como está na origem semântica do termo (a palavra “anistia”, como “amnésia”, deriva do grego amnestía, que significa esquecimento) provoca um “esquecimento” das infrações cometidas, isto é, cria uma ficção jurídica, como se as condutas ilícitas nunca tivessem sido praticadas. Desse modo, mesmo após a redemocratização do Brasil, os agentes da repressão estatal nunca foram levados a julgamento e a eventual punição penal pelas condutas delituosas praticadas.

 

Interessante observar que, após a redemocratização, não houve no Brasil uma manifestação de arrependimento por parte dos responsáveis pela criminalidade da ditadura militar. Não houve, por exemplo, um pedido público e formal de desculpas, como aconteceu na Argentina, com a demonstração de arrependimento do comandante do Exército, e no Chile, com o pedido de perdão do Presidente Aylwin no Estádio Nacional, símbolo da repressão, onde costumavam ficar presos os perseguidos políticos.14

 

Com a promulgação da anistia, desenvolve-se no Brasil todo um discurso ou retórica de “perdão”, para que os delitos do passado fossem esquecidos e perdoados pela população.15 Com relação aos acusados pelos crimes praticados durante a repressão política estatal, esse discurso mostra-se não tanto pelos pronunciamentos, manifestações públicas, propagandas etc. em prol do perdão a essas pessoas como ocorreu em relação aos antigos inimigos políticos do regime militar, através dos movimentos e manifestações civis pró-anistia , mas principalmente pelo silêncio e pela omissão que se impôs no Brasil acerca da punição. Falar sobre o passado era e continua sendo para muitas pessoas um tabu.

 

 

5 Um passado não esquecido

 

Mesmo com a anistia e a retórica do “perdão”, as condutas criminosas e os abusos praticados pela repressão política estatal durante a ditadura militar não foram esquecidos. Trata-se de uma ferida ainda aberta no Brasil.

 

Freqüentemente jornais, revistas, websites e programas de televisão relembram a criminalidade do regime militar. A impunidade daqueles que praticaram esses crimes, amparada pela lei de auto-anistia, é bastante contestada pelas vítimas da repressão, pela população em geral e por certos autores. Não raras vezes ouvimos em bate-papos entre amigos ou nas salas de aula que o Brasil tem uma dívida com sua população na medida em que nenhum militar, nenhum encarregado ou colaborador do regime foi punido pelos crimes que cometeu.

 

Desse modo, mesmo após a promulgação da lei de anistia, é possível constatar a realização de uma série de medidas judiciais e não judiciais, dando prosseguimento à “justiça de transição” no Brasil, processo lento e inacabado da nossa história recente.

 

Dez anos após a redemocratização do Estado, no então governo de Fernando Henrique Cardoso, foi promulgada a Lei nº 9.140, de 04.12.1995, que: a) reconhece como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988 (art. 1º, alterado pela Lei nº 10.536 de 2002); b) cria uma Comissão Especial, com as atribuições de: i) proceder ao reconhecimento dos “desaparecidos políticos”, ii) envidar esforços para a localização dos seus corpos e iii) emitir parecer sobre os requerimentos relativos a indenização (art. 4º, alterado pela Lei nº 10.875, de 2004).

 

Há assim o reconhecimento pelo Estado da criminalidade do regime militar, com o pagamento de indenizações às vítimas da repressão ou aos seus familiares. Após essa medida, também os Estados federados passaram a pagar indenizações em decorrência dos danos provocados por órgãos públicos estaduais, como as polícias militares, durante a ditadura.16

 

Importante notar que, se, por um lado, o pagamento de pensões vitalícias e indenizações pela União e pelos Estados às vítimas da repressão é motivo de comemoração por parte dos antigos adversários da ditadura, por outro, ele é alvo de duras críticas por parte dos militares e de uma parcela da população, em razão dos altos valores concedidos a algumas pessoas17 e de o benefício não se estender às famílias de militares e civis mortos na defesa do regime anterior.

 

No dia 29 de agosto de 2007, um dia depois do 28º aniversário da promulgação da Lei de Anistia, foi lançado em solenidade oficial no Palácio do Planalto o livro Direito à memória e à verdade.18 O livro é o resultado de 11 anos de trabalho da Secretaria de Direitos Humanos e da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, constituída pela Lei nº 9.140/95. Pela primeira vez um documento oficial do governo federal acusa integrantes dos órgãos de repressão da ditadura militar por crimes e abusos, registrando o que considera ser a verdade histórica sobre a repressão política.

 

Com a publicação da Portaria nº 858, o Ministério da Justiça instituiu no dia 15 de maio de 2008 o Memorial da Anistia Política no Brasil, localizado na antiga sede da UNE (União Nacional dos Estudantes) do Rio de Janeiro. O objetivo desse memorial é organizar, preservar e divulgar a memória e o acervo histórico dos períodos de repressão política do país.19

 

Também nos tribunais nacionais vêm sendo ainda discutidas certas feridas do passado ditatorial. Como foi o caso da ação movida contra a União em 19 de fevereiro de 1982 e sentenciada em 30 de junho de 2003 (Processo nº 82.00.24682-5, da 1ª vara federal da seção judiciária do Distrito Federal), pela qual os familiares dos participantes da Guerrilha do Araguaia, aniquilada pelas Forças Armadas no período de abril de 1972 a janeiro de 1975, visam a localização da sepultura de seus parentes, o traslado dos corpos e o fornecimento de informações contidas no Relatório Oficial do Ministério da Guerra datado de 5 de janeiro de 1975.20

 

Desde 2003 o governo federal vinha recorrendo contra a decisão judicial, que exige a abertura dos arquivos estatais sobre Guerrilha do Araguaia, até perder em dezembro de 2007 o recurso no Supremo Tribunal Federal (STF).21 Todavia, em março desse mesmo ano, um relatório de uma Comissão Interministerial já havia informado que todos os documentos dos serviços de inteligência das Forças Armadas do período de 1964 a 1985 foram destruídos, gerando indignação e protesto.

 

Outro caso envolvendo a Justiça é a ação civil declaratória movida contra o coronel reformado do exército Carlos Alberto Brilhante Ustra (“comandante Tibiriçá”), cuja audiência de instrução e julgamento teve início no dia oito de novembro de 2006, pela qual cinco membros de uma mesma família pedem que o comandante do DOI-CODI no período de 1970 a 1974 seja reconhecido pela Justiça como torturador (Processo nº 05.202853-5, da 23ª vara cível do foro central de São Paulo). Trata-se da primeira vez em que um militar, por crimes da ditadura, é levado a julgamento. Em resposta, mais de duzentos oficiais de alta patente da reserva das Forças Armadas, entre eles setenta generais, promoveram no dia 21 de novembro de 2006 em Brasília um ato de apoio a Ustra. O processo continua em tramitação.

 

Mais recentemente, em 16 de maio de 2008, foi aceita a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público federal contra a União e os dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do DOI-CODI de São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel (Processo nº 2008.61.00.011414-5, da 8ª vara federal cível de São Paulo).

 

Assinada por seis Procuradores da República, essa ação requer: a) o reconhecimento do dever das Forças Armadas de revelar o nome de todas as vítimas do DOI-CODI de São Paulo, as circunstâncias de suas prisões e das violências sofridas no cárcere, bem como tornar públicos todos os documentos relacionados ao funcionamento do órgão; b) a declaração de que existiu no DOI-CODI de São Paulo um centro de prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos forçados sob o comando de Ustra e Maciel; c) a proibição de exercerem qualquer função pública; d) o regresso à União por ambos dos custos das indenizações pagas na forma da Lei nº 9.140/95 às famílias de 64 vítimas.22

 

 

6 Anistia contestada

 

Todos esses acontecimentos recentes, como o julgamento do coronel Ustra e o lançamento pelo governo do livro Direito à memória e à verdade, mostram que o problema da justiça de transição no Brasil ainda não acabou e prometem, segundo alguns autores,23 esquentar ou mesmo reabrir o debate sobre a validade da Lei de Anistia nacional. O próprio Ustra reconheceu em discurso a probabilidade de mudança da lei para permitir punição aos militares:24

 

Estou sendo julgado, apesar da Lei de Anistia, que penso muito em breve será revogada, mas ainda está em vigor. Estou sendo julgado por um crime que não cometi. (…) Enquanto assaltantes, seqüestradores, terroristas e assassinos permanecem livres sob a justificativa de que lutavam pela causa, nós que, cumprindo ordens de nossos superiores hierárquicos, lutamos e preservamos a democracia agora estamos ameaçados de ir para a prisão por aqueles que combatemos, e que, para isso, não terão o menor prurido em mudar a lei.

 

O último episódio tratando dessa problemática (até o momento da feitura desse artigo) foi a realização de uma audiência pública, promovida pelo Ministério da Justiça no dia 31 de julho de 2008, para discutir, entre outras coisas, a possibilidade de se responsabilizarem penalmente os agentes estatais que praticaram tortura durante a ditadura militar. Na ocasião, os ministros Tarso Genro (da Justiça) e Paulo Vanucchi (Secretaria Especial dos Direitos Humanos) defenderam publicamente a punição dos torturadores, por acreditarem que a tortura não pode ser entendida como crime político, e por isso ela não é abrangida pela Lei de Anistia.25

 

Essa defesa pública pela punição dos torturadores do regime militar não desagradou apenas às Forças Armadas, mas também a setores do Palácio do Planalto como mostra a contestação do Ministro da Defesa, Nelson Jobim , além de provocar a manifestação de certos ministros do STF, que acreditam que não irá demorar muito para que o problema seja levado à apreciação desse tribunal.26

 

Importante atentar para o fato de esses debates situarem-se num contexto de grandes questionamentos sobre a validade das leis de auto-anistia que vêm ocorrendo nos últimos anos nos países da América do Sul, como Argentina, Uruguai, Chile, Peru etc. que, como o Brasil, passaram por regimes ditatoriais repressivos a partir da segunda metade do século XX. A Corte Interamericana de Direitos Humanos vem expedindo em suas sentenças que as leis de auto-anistia que impedem a investigação e a sanção de graves violações de direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias e os desaparecimentos forçados, carecem de validade jurídica.27 Na Argentina, por exemplo, a Suprema Corte de Justiça declarou “constitucionalmente intoleráveis” a Lei do Ponto Final (Lei nº 23.492, de 29.12.1986) e a Lei da Obediência Devida (Lei nº 23.521, de 09.06.1987).

 

Existem atualmente no Brasil pelo menos dois tipos de discussões sobre a concessão da anistia aos agentes da repressão política da ditadura: a) não há e nunca houve a inclusão dos agentes da ditadura entre os destinatários da anistia; b) admite-se a concessão da anistia aos agentes da repressão estatal, mas contesta-se a validade da Lei nº 6.683/79, por considerá-la injusta.

 

O primeiro tipo (a) refere-se à polêmica sobre a “correta” interpretação da Lei nº 6.683/79. Reza o art. 1º (com texto idêntico no Dec.-Lei nº 84.143/79) que é concedida anistia para os autores e partícipes de crimes políticos ou conexos a eles, bem como de crimes eleitorais. Por sua vez, estabelece o §1º que “consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.28

 

Identificar quais são os crimes eleitorais é fácil. Basta verificar os crimes prescritos no Código Eleitoral vigente na época (no caso, os crimes previstos na Lei nº 4.737, de 15.07.1965, arts. 289 e ss.). Por outro lado, para sabermos o que são crimes políticos, crimes conexos aos crimes políticos ou crimes praticados por motivação política, nos deparamos com um debate interminável.

 

A categoria dos crimes políticos possui originalmente a função de distinguir dos criminosos comuns todas aquelas pessoas que praticavam crimes em razão da sua luta por ideais políticos, para com isso conceder certos privilégios, como o benefício da anistia.29 O cerne da discussão sobre a concessão da anistia aos responsáveis pela criminalidade da ditadura diz respeito, afinal de contas, à atribuição da natureza política aos crimes praticados pelos agentes estatais. Implica, em outras palavras, determinar se os agentes estatais praticavam crimes motivados por razões políticas (por exemplo, para “salvaguardar o país dos comunistas, terroristas e subversivos”) ou por razões pessoais.

 

O problema é que, entre os que lutaram para derrubar e para defender a ditadura, cada parte costuma negar aos crimes praticados por seus adversários a “nobre” natureza política, alegando que eles atingiam não o próprio regime político, mas a vida, a integridade e o patrimônio dos cidadãos, envolvidos ou não no conflito.30 Para certos autores (como Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato, Hélio Bicudo, Nilo Batista),31 os crimes praticados pela repressão política não são crimes políticos ou crimes praticados por motivação política e, dessa forma, a Lei nº 6.683/79 nunca concedeu anistia para os agentes e colaboradores do regime militar. Segundo eles, o problema a respeito da punição dos responsáveis pela criminalidade da repressão política não está no questionamento da validade dessa lei, mas na má interpretação que se faz dela, quando erroneamente se diz que os agentes estatais foram anistiados.

 

Já o segundo tipo de discussão (b) reconhece a concessão da anistia pela Lei nº 6.683/79 aos agentes da repressão política. Nesse caso, admite-se que o §1º do art. 1º dessa lei resolve a polêmica sobre os destinatários da anistia (“consideram-se conexos aos crimes políticos os crimes praticados por motivação política”), uma vez que as pessoas que praticaram crimes durante a repressão política não o faziam por motivos pessoais, mas políticos. Entendimento esse confirmado em termos práticos, uma vez que nenhum agente ou colaborador do regime militar, mesmo após a redemocratização do Estado, foi levado a julgamento e a eventual punição penal pelas condutas delituosas praticadas.

 

Ao contrário da discussão anterior (sobre os limites de validade, isto é, os problemas de interpretação da Lei de Anistia), a proposta agora é analisar a própria validade da Lei nº 6.683/79. É, em outras palavras, discutir a contestação “frontal” da lei. Por saber que de fato os agentes estatais foram anistiados, independentemente da interpretação que se faz da Lei nº 6.683/79, sustenta-se ser muito mais relevante questionar a validade jurídica da lei no tocante à anistia dos agentes estatais, do que desenvolver uma interpretação “corretiva”. Ou seja, qualquer nova proposta de interpretação da Lei nº 6.683/79, no intuito de punir a criminalidade estatal, seria muito mais inútil do que as contestações frontais dessa lei, dando argumentos para que ela perdesse sua validade.32

 

 

7 (Re)pensar o passado: um convite à reflexão

 

Importa aqui um esclarecimento. Todo esse questionamento sobre a validade da anistia concedida aos defensores do regime militar não significa que seria hoje possível condenar penalmente os responsáveis pelos crimes praticados durante a ditadura. Pelo menos se fossem respeitadas todas as exigências prescritas pelo nosso ordenamento jurídico para o julgamento dessas pessoas por um tribunal nacional. Tanto que todas as ações propostas recentemente contra agentes da repressão política são de caráter civil.

 

Além do fato de que grande parte dos envolvidos na criminalidade estatal do passado já faleceu, a punição penal dessas pessoas seria hoje impossível, em razão da extrapolação do prazo prescricional dos delitos praticados (art. 109 do Código Penal). O prazo para a prescrição de crimes com pena máxima superior a 12 anos é de 20 anos. Somente para os chamados “crimes continuados”, como a ocultação de cadáver (art. 211 CP), poder-se-ia ensejar a punição penal dos agentes estatais, por tais crimes não se encontrarem prescritos.

 

Mas existem outras dificuldades jurídicas para a punição, além da prescrição. Se considerássemos ficticiamente que os crimes não estivessem ainda prescritos, mesmo assim a punição penal estaria condicionada à validade da Lei de Anistia (Lei nº 6.683/79) e, caso fosse considerada inválida, dependeria ainda de se demonstrar em juízo, caso a caso, que o agente estatal não agia com autorização legal (exercício regular do direito), com o objetivo de assegurar o cumprimento da lei ou de ordens de superior hierárquico (estrito cumprimento de dever legal, obediência hierárquica) etc.

 

Vale notar que, diante da impossibilidade de punição dos crimes e abusos ocorridos durante uma ditadura segundo as exigências legais, alguns países que enfrentaram o problema da justiça de transição resolveram afastar as dificuldades postas pela legislação da época, considerando essas leis inválidas. É o que aconteceu, por exemplo, no julgamento dos crimes praticados pelo regime nazista e, mais recentemente, dos delitos praticados pela ex-República Democrática Alemã, como o caso dos atiradores do muro de Berlim (Mauerschützen). Daí a retomada pela doutrina da antiga e fundamental discussão se leis que contrariam o sentimento de justiça e de humanidade possuem validade jurídica.

 

Feito esse esclarecimento, o que nós podemos verificar com todas as discussões acima apontadas é que, em meio ao discurso de perdão e reconciliação ou na imagem de harmonia e concórdia pregada no Brasil, continua existindo um impasse acerca da impunidade dos crimes praticados pela ditadura, entre os que são a favor e os que não são a favor da anistia aos militares. Como se a falsa e frágil exclusão do campo da consciência de certas idéias, sentimentos e desejos relacionados ao passado insistisse de tempos em tempos em despontar na realidade para ganhar mais uma vez as primeiras páginas dos jornais.

 

Os que apoiavam a ditadura militar e a repressão contra os “comunistas, subversivos e terroristas” que ameaçavam a segurança nacional acreditam que os agentes da repressão não devem ser punidos e que a anistia concedida a eles é absolutamente necessária, válida e legítima. Por outro lado, os que se opunham ao regime ditatorial e especialmente os que passaram pelos porões da ditadura defendem a punição dos responsáveis pelos crimes da ditadura e consideram que a anistia concedida aos agentes da repressão é uma afronta ao direito e à justiça, não devendo pertencer ao ordenamento jurídico nacional.

 

E no centro dessa discussão, encontra-se uma série de indagações, que são um convite à reflexão:

 

– Como encarar o passado dos porões da ditadura militar?

– Como viver num lugar onde a criminalidade, no tocante à repressão política, era de fato a regra?

– Como reagir à generalizada violação dos direitos fundamentais que, apesar de estarem teoricamente protegidos pelo ordenamento jurídico constitucional e penal, na prática acontecia sob o consentimento e tolerância do Estado ou então era praticada por aquelas pessoas que diziam agir em nome do Estado?

– O Estado democrático deve punir ou não punir (anistiar) os agentes da repressão política da ditadura pelos graves crimes que cometeram (tortura, desaparecimentos forçados, execuções sumárias etc.)?

– As leis de auto-anistia, criadas pelos próprios regimes autoritários, são justas, legítimas? Quais são as condições para que uma lei de anistia possa ser considerada justa ou legítima?

– Uma lei injusta é juridicamente válida? Se uma norma revela-se injusta, ela deve fazer parte do ordenamento jurídico e possuir força vinculante?

– Afinal de contas, como se torna válida a anistia aos crimes cometidos durante a ditadura, os quais aos olhos da maioria são tidos como “imperdoáveis”?

 

Esses problemas correspondem aos chamados “casos difíceis” do direito (hard cases), cuja solução não pode ser dada pela simples aplicação de uma norma jurídica, mas só é possível a partir de uma reflexão sobre a relação entre direito e política, direito e pressões sociais, direito e moral, direito e justiça etc.

 

Falar sobre anistia penal ou sobre a validade da lei de anistia brasileira significa, como observa Dimitri Dimoulis, problematizar uma das principais promessas ou finalidades do ordenamento jurídico, qual seja, estabelecer e garantir a paz social: “Será que as leis de anistia apresentam utilidade como meio de pacificação de conflitos? Será que o esquecimento ou o perdão contribuem para a estabilização social? Será que a paz social merece ser perseguida mesmo quando o preço é a impunidade dos agressores?”33

 

Enfrentar as questões relacionadas à justiça de transição no Brasil denota, afinal, a possibilidade de pensar ou repensar o direito em toda a sua complexidade, a partir de um enfoque específico, e a chance de testar diversos conceitos e teorias jurídicas, a partir do estudo de casos concretos. Daí a importância desse tipo de perguntas e daí a relevância de qualquer estudo que seja feito sobre esse tema, que não se limite ao convencimento de versões pessoais e interessadas ou à repetição de discursos ideológicos.

 

 

8 Considerações finais

 

Apesar da importância e da atualidade do debate e das questões acima apresentadas, há no Brasil pouquíssimos trabalhos jurídico-acadêmicos sobre questões relacionadas ao período da ditadura militar e, mais especificamente, sobre a Lei de Anistia brasileira. Pesquisas do direito revelando episódios da repressão política, analisando jurisprudência dos tribunais militares e envolvendo doutrina sobre a Lei nº 6.683/79 são muito raras ou quase não existem.

 

E a pouca bibliografia que há costuma pecar pela parcialidade, sustentando uma retórica que se diz científica e não é; que busca alcançar a verdade dos fatos, mas só diz a verdade de um grupo dos envolvidos. Ou seja, apesar de a democracia no Brasil ter sido construída a partir de uma lei de anistia, muito pouco se sabe sobre ela, e o pouco que se sabe muitas vezes corresponde a versões parciais.

 

Não é preciso nos limitar a um caso fictício, no estilo das histórias criadas por Lon L. Fuller (como o excelente O caso dos denunciantes invejosos),34 para estudar as relações entre direito, moral e justiça. Basta olhar para o passado recente do nosso país e refletir sobre os seus acontecimentos.

 

Mas parece haver um conformismo que predomina no âmbito jurídico, no sentido de silenciar-se sobre os acontecimentos da ditadura militar e suas conseqüências jurídicas.

 

É difícil explicar os motivos desse conformismo. Talvez a preferência pelo silêncio decorra da intenção em se estabelecer o “perdão”, a reconciliação e de não difundir o revanchismo em nosso país. Todavia, por mais que existam argumentos a favor da não punição dos acusados pelos crimes e abusos do regime militar (e nós particularmente acreditamos que existem bons argumentos), isso não significa que devemos nos calar e esquecer o passado. Pelo contrário, um dos caminhos para a promoção da paz social e da reconciliação é a reflexão sobre a nossa história, o reconhecimento dos erros, o diálogo, a busca pela verdade, especialmente para que os tristes acontecimentos e os males do passado não mais se repitam.

 

Mesmo o reconhecimento da validade jurídica da Lei de anistia aos agentes da repressão do Estado não implica pôr fim à discussão sobre o nosso passado ditatorial. Isso porque a anistia penal opera tão-somente no nível da descriminalização; todo o resto fica em aberto, a começar pelo direito à verdade.35

 

Por mais condenáveis que sejam os abusos e a criminalidade da repressão política do regime militar, nada impede que novas ditaduras venham a se implantar no Brasil, e, com elas, tais fatos voltem a acontecer. Pois, como ensina Hannah Arendt: “Faz parte da própria natureza das coisas humanas que cada ato cometido e registrado pela história da humanidade fique com a humanidade como uma potencialidade, muito depois da sua efetividade ter se tornado coisa do passado.”36

 

 

Referências

 

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Notas:

 

1 Nesse sentido, BOOTH, COLOMB, WILLIAMS, 2000.

 

2 A entrevista encontra-se disponível em: <http://veja.abril.com.br/091298/p_042.html>. Acesso em: 10 jun. 2008.

 

3 Mais especificamente, 707 processos completos e dezenas de outros incompletos. ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 2003, p. 22-24.

 

4 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 2003, p. 69-76; FICO, 2001, p. 40-42; MAVILA, 2003, p. 291, 292; SKIDMORE, 2000, p. 120, 121.

 

5 O Sissegin era formado basicamente por Centros de Operações de Defesa Interna (CODI) e Destacamentos de Operações de Informações (DOI), sob o comando do Exército das respectivas “zonas de defesa interna” em que se situavam tais órgãos. Nos limites da respectiva jurisdição, esses órgãos dispunham do comando efetivo sobre os demais organismos de segurança estaduais e federais. Enquanto os CODI realizavam o planejamento e a coordenação das atividades de defesa interna, eram os DOI que exerciam a efetiva repressão contra os inimigos do Estado. O DOI era, portanto, uma espécie de “força de ataque” do regime, o seu braço operacional, em que militares e policiais, em trajes civis, realizavam as investigações, prisões e interrogatórios dos suspeitos de crimes contra a segurança nacional. Com os DOI-CODI, eram abertos os principais “porões da ditadura”. Ou seja, estava criado o principal aparelho burocrático da repressão política, de âmbito nacional.

 

6 Se no Brasil desapareceram e morreram cerca de 400 pessoas, na Argentina foram 20.000 e no Chile 5.000. TELES, 2005, p. 326. Ver também SKIDMORE, 2000, p. 516.

 

7 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 2003.

 

8 ANISTIA INTERNACIONAL, 1976, p. 71-102.

 

9 COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS, 1996, p. 29.

 

10 INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, 2003, p. 87.

 

11 Para esses dados, GORENDER, 2001, p. 12, 13.

 

12 Nesse sentido, ELSTER, 2004, p. 1: “transitional justice is made up of the processes of trials, purges, and reparations that take place after the transition form one political regime to another”. Sobre o problema da justiça de transição, existe atualmente uma ampla bibliografia, especialmente em língua inglesa, cujas referências podem ser encontradas no site da “University of Wisconsin Transitional Justice Data Base Project”: <http://www.polisci.wisc.edu/tjdb/bib.htm>. Sobre a justiça de transição no Brasil, Swensson Junior, 2007, p. 76 e ss; Mezarobba, 2006.

 

13 DIMOULIS, 2007a, p. 21, 22.

 

14 MEZAROBBA, 2006, p. 158.

 

15 Para uma análise crítica do “discurso de perdão”, DERRIDA, 2003.

 

16 BÄCHTOLD, Felipe. Estados deram indenizações a 2.272 vítimas da ditadura. Folha de S.Paulo. 23 abr. 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u394785.shtml>. Acesso em: 17 jun. 2008.

 

17 Os cartunistas Ziraldo e Jaguar, por exemplo, vão receber R$1 milhão de indenização cada um.

 

18 BRASIL. Secretaria Especial Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, 2007. Esse livro encontra-se disponível no site: <http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/livrodireitomemoriaeverdadeid.pdf>.

 

19 <http://www.mj.gov.br/anistia/data/Pages/MJ674805E8ITEMIDDF2F59DFC0FC4923B7435782CCB E9F0DPTBRIE.htm>. Acesso em: 06 jun. 2008.

 

20 A denominada “Guerrilha do Araguaia” refere-se às operações guerrilheiras iniciadas no final dos anos 60 na região do Bico do Papagaio (entre Tocantins, Pará e Maranhão) por militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B). O objetivo dos guerrilheiros era derrubar a ditadura e instalar um governo comunista no Brasil através de um movimento vindo do campo, à semelhança do que ocorrera na China e em Cuba. Depois de três investidas das Forças Armadas contra a guerrilha, ela foi totalmente aniquilada. Segundo Elio Gaspari (2002), morreram no conflito 59 guerrilheiros, 16 soldados do Exército e 10 moradores da região.

 

21 VALENTE, Rubens. Governo perde recurso e deve abrir arquivos do Araguaia. Folha de S.Paulo, 08 jan. 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0801200820.htm>. Acesso em: 17 jun. 2008.

 

22 Por exemplo: OLIVEIRA. Ditadura: MPF/SP move ação civil contra ex-chefes do Doi-Codi. In: NOTÍCIAS do Ministério Público Federal. 15 maio 2008. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias -do-site/direitos-do-cidadao/ditadura-mpf-sp-move-acao-civil-contra-ex-chefes-do-doi-codi>. Acesso em: 18 jun. 2008.

 

23 MANZANO FILHO, Gabriel. Bicudo: anistia não livra torturadores. O Estado de S.Paulo. 23 nov. 2006. Disponível em: <http://txt.estado.com.br/editorias/2006/11/23/pol1.93.11.20061123.10.1.xml>. Acesso em: 17 jan. 2007.

 

24 AGÊNCIA ESTADO. Generais da reserva defendem ex-coronel da ditadura. 22 nov. 2006.Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,AA1359128-5601,00.html>. Acesso em: 18 jun. 2008.

 

25 FERRAZ, Lucas. Governo abre discussão sobre punição à tortura. Folha de S.Paulo. 31 jul. 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u428078.shtml>. Acesso em: 01 ago. 2008; GIRALDI, Renata. Governo quer estimular debate sobre punição a torturadores da ditadura. Folha Online. 31 jul. 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u428341.shtml>. Acesso em: 01 ago. 2008.

 

26 LINS, Letícia; ÉBOLI, Evandro; JUNGBLUT, Cristiane. Jobim contesta Tarso sobre punição a torturador. O Globo. 01 ago. 2008. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/08/01/jobim_contesta_tarso_sobre_punicao_torturador-547532914.asp>. Acesso em: 01 ago. 2008.

 

27 Por exemplo, as sentenças do caso Barrios Altos (Chumbipuma Aguirre e outros versus Peru), de 14.03.2001; caso Almonacid Arellan e outros versus Chile, de 26.09.2006; caso La Cantuta versus Peru, de 29.11.2006. Essas sentenças estão disponíveis em: <http://www.corteidh.or.cr/>. Acesso em: 21 jun. 2008. Nesse sentido, TRINDADE, 2006.

 

28 Art. 1º. É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02.09.1961 e 15.08.1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de Fundações vinculadas ao Poder Público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

 

§1º Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

 

§2º Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.

 

29 Sobre os “crimes políticos”, conforme indicações bibliográficas em RAMOS, 2007, p. 97, 98.

 

30 DIMOULIS, 2007c, p. 16.

 

31 DALARI, 2000, p. 23-25; COMPARATO, 2000c, p. 47-55; COMPARATO, 2000a, p. 57-59; COMPARATO, 2000b, p. 65-67; BICUDO, 2005, p. 88-97; BATISTA, 1979, p. 33-42.

 

32 A nossa contribuição sobre os problemas de validade da Lei nº 6.683/79 pode ser encontrada em: SWENSSON JUNIOR, 2007.

 

33 DIMOULIS, 2007c, p. 17.

 

34 DIMOULIS, 2007b.

 

35 Agradeço ao Prof. Nilo Batista esse comentário.

 

36 ARENDT, 2003, p. 295, 296.

 

 

* Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Doutorando em Direito pela Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main (Alemanha), bolsista da Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD).

 

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[1] SWENSSON JUNIOR, Lauro Joppert. (Re)pensar o passado – Breves reflexões sobre a justiça de transição no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 2, n. 7, p. 125-143, jul./set.2008.

Como citar e referenciar este artigo:
JUNIOR, Lauro Joppert Swensson. (Re)pensar o passado Breves reflexões sobre a justiça de transição no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/repensar-o-passado-breves-reflexoes-sobre-a-justica-de-transicao-no-brasil/ Acesso em: 16 fev. 2025