Stuart Hall é estudioso inglês (1932-2014) que se dedicou aos âmbitos culturais contemporâneos, apontando as diversas dimensões e consequências advindas da globalização da liquidez moderna[1] (Bauman) muito presente na construção da identidade coletiva e individual.
O referido sociólogo polonês percebeu que o “eu moderno” se encontra em acelerada descentralização[2], e o mesmo ocorre com as identidades coletivas que se fragmentaram e formaram o paradoxo existente entre o pós-moderno global e o ressurgimento do nacionalismo, das etnias e até do fundamentalismo[3].
Aponta Hall que existem três compreensões principais a respeito da identidade que surgem de tempos em tempos históricos determinados, a saber: o sujeito sob a ótica iluminista; o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno.
O sujeito iluminista é concebido como inteiramente centrado e unificado sendo dotado de capacidades de ação, razão e consciência. É, neste sentido, os pensamentos de Descartes e de Locke se destacam.
Descartes contribuiu para esclarecer em qual medida a dúvida cartesiana permite a descoberta do sujeito moderno e de sua relevância para as principais discussões filosóficas da modernidade. Tanto a dúvida metodológica como a dúvida metafísica que são de naturezas diferentes, mas explicitam o funcionamento da ciência, porém, sem preocupação ontológica.
O pensamento cartesiano nos mostrou o quanto os nossos sentidos são enganosos e, portam, não servem para legitimar a busca do primeiro princípio. Portanto, Descartes rejeita o conhecimento obtido pelos sentidos.
Já de acordo com Locke, a mente humana é como uma cera passiva, desprovida de conteúdos, em que os dados da sensibilidade vão imprimindo ali as ideias e noções que podemos conhecer.
Nesse caso, a ideia não tem o mesmo significado que tinha para Descartes (tratam-se apenas das adventícias, porém, não das inatas). Portanto, para o filósofo empirista, o saber humano é determinado pelas impressões advindas da sensação, e não de fundamento inteligível inato. Corpo e mente é uma coisa só e una, não são distintos como para Descartes.
Locke criticou a noção cartesiana de sujeito como substância e enunciou que a mente é uma tábula rasa, conforme já afirmara Aristóteles que é retomado para evidenciar que não existe nada na mente humana que não estivesse antes nos sentidos.
O sujeito do iluminismo está ligado ao centro de individuação. Há um “eu” centrado, em que a pessoa adquire desde o seu nascimento até sua morte a ideia de particularidade. A identidade é uma espécie de essência do próprio sujeito.
Percebe-se que passamos a trabalhar com a noção de sujeito como fundamento, mas não mais como sujeito universal (razão) e, sim, em um sujeito particular no qual todas as representações (ideias) estão encerradas de maneira como cada indivíduo percebe a realidade.
O sujeito sociológico reflete a complexificação do mundo moderno e, ainda, a percepção de que o indivíduo não é autossuficiente, nem autônomo posto que exista na medida em que coexistir com outros seres, forma, transforma e, é também, transformado pela interação simbólica constante.
Em verdade, o sujeito sociológico também avança na noção do sujeito do iluminista ao trazer o complemento de que o sujeito é constituído também por suas relações sociais. Trata-se de um sujeito formado basicamente pela interação do “eu” na sociedade, evidenciando-se a existência de pertencimento aos grupos sociais. Portanto, a centralidade está fundada no grupo a qual pertence.
Persiste a concepção de que o sujeito existe a percepção da ligação entre o interior e o exterior, um mundo privado e pessoa e o mundo público e social. Nesse sentido as contribuições de Marx e seus seguidos como Althusser e outros que colocaram as relações sociais no centro da formação da identidade.
Mais adiante, a contribuição de Freud e a descoberta do inconsciente deu outra ênfase à formação da identidade do sujeito, enquanto que para Sausurre já colocava na linguagem a principal importância da criação do significado social.
Michel Foucault trouxe sua percepção do pernosticismo. O panóptico automatiza o poder ao infundir naquele que é observado a sensação consciente de uma vigilância permanente. Dotado de uma arquitetura peculiar que cria e mantém uma relação de poder. O Panopticon de Bentham é uma representação típica do século XVIII, onde há um tríplice poder, a saber: a vigilância individual, controle e correção.
Tudo que era feito pelo indivíduo estava exposto ao olhar de um vigilante atento, que ninguém poderia ver. A esse tipo de poder chamamos panopticismo que não repouso mais no inquérito, mas sim sobre o exame.
O engraçado que em pleno século XXI, estamos de novo no Panopticon, pois há muitas câmeras de monitoramento, chips e rastreamentos constantes, vivemos um autêntico Big Brother[4] tão bem ilustrado por George Orwell, em sua obra 1984.
Há, ainda, por derradeiro a influência das correntes feministas que tanto questionaram as dimensões do público e privado da vida social e da sexualidade.
Foi a partir dos questionamentos das estruturas modernas que enfim surgiu o terceiro sujeito, o sujeito pós-moderno. Sobre o sujeito pós-moderno, Hall diz que o sujeito deixou de ser unificado e passou a ser pensado como formado por facetas de suas relações, se tornando incompleto, cindido, ambíguo. Para o estudioso inglês, este sujeito emerge da crise do sujeito moderno.
Caracterizado pela ausência de identidade fixa, essencial ou permanente, e à medida que as representações do sistema cultura que o circunda, vão variando e evoluindo, também vai sendo mutante e adaptável. Por essa razão, concluímos que a identidade histórica e não é a biologicamente definida.
Por ser o sistema cultural tão flexível e moldável tanto no tempo como no espaço, dinamizando-se continuamente entre vários sujeitos. É normal, portanto, que a identidade se adapte ao sistema, sendo mutante, onde esteja inserida.
Stuart Hall passou a discutir então a definição da modernidade/globalização e o seu impacto sobre a identidade cultural. E, através dos diversos conceitos de modernidade[5], apresenta a descontinuidade, a fragmentação, a ruptura e o deslocamento como sendo as características daquilo que se denomina por modernidade tardia.
Mas, por outro viés, a identidade e a existência encontram-se cercadas pelo debate em torno do futuro pós-humano. Afinal, a biotecnologia humana promove tanto o bem como o mal, se ajuda ao desenvolvimento da espécie humana, quando apresenta, por exemplo, curas e soluções para certas doenças, como também ameaça a sua dignidade ao eliminar o natural acaso da loteria genética, substituindo- por uma escolha subjetiva e seletiva na concepção in vitro, onde nos é dado decidir sobre todas as características de nossos filhos.
E, tamanha possibilidade sucinta as mais diversas e profundas questões filosóficas e morais, pois o ser humano atual é resultante de um processo evolutivo histórico, não existindo as características fixas e permanentes, à exceção do livre-arbítrio, ou seja, a capacidade de escolha e de mudança de opinião e de comportamento conforme nossos desejos.
É exatamente a imprevisível natureza humana que a biotecnologia ameaça com as clonagens, investigações sobre células-tronco, estaminais, no aperfeiçoamento genético e, ainda no prolongamento da vida e, também com a farmacologia e manipulação das emoções e do prévio planejamento dos comportamentos humanos.
Não é apenas no plano moral e ético que se situam o impasse e o desafio, mas também no plano político. Ao se defender que o futuro pós-humano deve ser regulamentado por autoridades supranacionais que protejam e velem pela boa e eficaz aplicação da biotecnologia, o que poderá impor os critérios e limitar a investigação científica.
Tanto a literatura como o cinema ilustram os efeitos nefastos que os conhecimentos biotecnológicos, como por exemplo, Strange Case of Doctor Jekyll and Mr. Hyde, de autoria de Robert Louis Stevenson (de 1886), como também Frankstein ou Moderno Prometeu, um romance de autoria de Mary Shelley; The Island of Dr. Moreau de autoria de H.G. Wells (1896); Hulk ou o Incrível Hulk é personagem de história de quadrinhos concebido pelo Stan Lee e pelo Jack Korby (1917-1994), lançado nos EUA em maio de 1962.
O filme Unborn (1991) de Rodman Flender que trata da manipulação genética e os efeitos perversos sobre a utilização de humanos (mulheres) para gestão de seres transgênicos. The 6th (2000) com Arnold Swazenegger que retrata a clonagem humana e os usos prejudiciais da mesma.
Apesar de haver manifesto otimismo com a possibilidade de se criar um mundo realmente livre, igualitário, próspero, com maior expectativa média de vida e com melhor qualidade de vida e saúde para o homem.
O mundo pós-humano pode vir a ser muito mais hierarquizado e competitivo de que o presente e, por isso mesmo, repleto de conflitos sociais, colocando em xeque a noção de humanidade partilhada perante a mistura genética de diversas espécies, que torna impossível a identificação do que é um ser humano.
Edgar Morin, em sua obra, “Science avec conscience” (1990) já denunciava que a capacidade de manipulação e de destruição proporcionada pelas tecnologias contemporâneas apresenta aos cientistas, aos poderes políticos, aos cidadãos e a toda humanidade, o problema de controle ético e política da atividade científica.
Mas, noutro patamar, os avanços tecnológicos ao pós-humanismo impõem várias interrogações ao nível da definição e da caracterização do gênero.
Os seres transgênicos repelem as diferenças entre os já conhecidos estereótipos sociais e culturais do masculino e do feminino.
O andrógino ou o corpo sem gênero corresponde a um mito característico de cultos lunares primitivos, associados à devoção da deusa Mãe. Segundo o referido mito[6], o primeiro ser era simultaneamente macho e fêmea, reinando sobre a natureza e as suas criaturas.
Tal ser primordial recuperado pela tradição hermética, era o criador e ordenador do mundo à sua volta, constituindo uma noção transcendental.
É, portanto, um símbolo de união, onde seus componentes seja o masculino e o feminino, o sol e a lua, onde um não é superior ao outro. A referida religião universal foi cedendo lugar a outras variadas manifestações da divindade primordial que foram repartidas e atribuídas a outros deuses.
Observa-se que no andrógino, a função sexual é omissa, representando a inocência primordial e acultural pela inexistência de papéis ou estereótipos sociais.
A predominância social da mulher ou do homem é um dado cultural que varia em cada povo, sendo possível encontrar sociedades primitivas onde nem exista o predomínio de nenhum dos gêneros. Da certa forma, a figura do andrógino elimina ou antecede o estereotipo do gênero.
Com a evolução dos cultos primitivos, surgiram os cultos solares e a deus Mãe foi substituída pelo símbolo masculino, o filho, que é uma tradução tardia do andrógino primitivo característico das divindades e que conserva a ambivalência.
Contudo, a relação entre a mãe e filho mantém sua dinâmica cíclica com a emergência do Complexo de Édipo freudiano, a mãe dá a luz ao filho que dela se enamora e se torna amante.
O filho mantém caráter ambíguo, na posição entre o céu e a terra; e entre o paraíso e o inferno, ou seja, na participação de duas naturezas opostas (feminina e masculina) divina e humana, sendo chamado a intermediar o caminho em direção à salvação.
O arquétipo do andrógino adquire a expressão na figura de Cristo[7] ou Messias, filho de Deus e da Virgem Maria, redentor da humanidade. Tal arquétipo situa-se na base da concepção do rei sacerdote e legislador.
Com a constatação da modernidade e a obsessão com a perfeição, um conceito utópico e castrador da vontade humana, o arquétipo de andrógino reaparece na pós-modernidade não necessariamente associado à espiritualidade e à religião tradicional, mas associado às religiosidades contemporâneas[8]: o consumo[9] e a estética.
É bom sublinhar a diferença entre religião e religiosidade. Religião é termo de origem latina e que significa a religação com o divino, ou seja, com Deus.
São diversas as religiões no mundo, onde cada indivíduo tem por a livre e espontânea vontade de escolher qual deseja crer e aderir. Temos como, por exemplo, o cristianismo, o islamismo, o budismo e o hinduísmo.
Além da religião, igualmente existe a religiosidade que para muitos nada mais significa que é ter a qualidade de ser religioso, ou seja, de ter uma religião.
A religiosidade é um sentimento interior e inato a todos os seres humanos, da existência de uma força/inteligência superior, ou seja, Deus. Todos nós temos em maior ou menor percepção este sentimento. Portanto, existe a vontade natural de manifestar esta religiosidade. É esta manifestação da religiosidade, que difere de um para outro.
Neste contexto da religiosidade contemporânea, o corpo desempenha função primordial posto que encarne o projeto individualizado, isto é, onde há o modelo do corpo ideal, posto que seja uma opção individual e, com a confusão dos papéis dos gêneros tradicionais.
O ideal andrógino sugere o desejo or uma identidade que transcende as estruturas sociais existentes, foge do impasse, na materialidade do corpo.
A androginia procura ultrapassar as contradições entre a natureza e cultura, procura dissociar o “eu” das limitações físicas e sociais. E de certa forma, corresponde ao ideal contemporâneo de um corpo abstrato.
Na concepção nietzschiana[10], na obra “A Vontade de Poder”, o corpo se revela em ser um conjunto de processos orgânicos e experimenta sensações de prazer e de dor, segundo as manifestações da vontade de poder do indivíduo e da sua necessidade de preservação.
No plano social, os corpos encontram-se interligados resistindo contra outras forças. O corpo, portanto, se traduz em uma estrutura política, onde células e tecidos humanos lutam e, onde os inferiores são subjugados pelos superiores.
Os órgãos para Nietzsche, particularmente os órgãos dos sentidos são fundamentais para o corpo[11], o que também era definido por Merleau-Ponty quando apresenta o corpo como condição permanente para a experiência, ou seja, para “ser o mundo”.
Para Michel Foucault (Em Genealogia da Moral) o corpo é moldado pela atuação do sistema social sobre o mesmo nomeadamente pelas contingências do trabalho, castigo, do descanso, das férias, pelos hábitos alimentares, pelos valores e leis morais. Concluiu Foucault que o corpo é desprovido de poderes causais.
Platão refletiu o mundo das ideias do qual a alma se originou e se encarcerou num corpo que é o mundo real, apresentando o corpo como uma dimensão inferior, limitado, contraposto à alma (perfeita, eterna e imutável), lançando os pressupostos para a teologia cristã.
Assim sendo, as atividades relacionadas ao intelecto eram consideradas nobres e reservadas à aristocracia, fomentando o chamado “ócio prestigioso” e, relegando às classes inferiores, os trabalhos braçais.
Já Aristóteles afirmou que a alma tem a forma do corpo (hilemorfismo), e influenciou o empirismo ao admitir que o corpo (“physis“) interage perfeitamente com este mundo a partir de suas percepções sensoriais: os sentidos, a intuição e a consciência (“psiquê“).
Freud, por sua vez, afirmou que nós, seres humanos, somos infelizes. Pois nossos corpos adoecem e decaem, a natureza nos ameaça com a destruição de nossas relações com os outros que são a fonte de infelicidade. Porém laboramos o esforço para escapar de tamanha infelicidade.
O poder sobre a natureza não é único pré-requisito para a felicidade humana, assim como não é o único objetivo dos esforços culturais. Enfim, não nos sentimos à vontade e nem confortável em nossa civilização atual.
Ainda Deleuze e Guattari seguiram a concepção de Foucault de corpo, onde o indivíduo não percebe o corpo enquanto entidade biológica, mas enquanto corpo social. O corpo é percebido como uma máquina de desejo marcada pela dinâmica esquizofrênica.
O corpo é, em suma, a superfície de intersecção de forças libidinais e forças externas, sendo o jogo de tais forças[12] que determina a configuração e as qualidades do corpo.
Os pós-modernos enfatizam o corpo em sua dimensão orgânica ou social. Mas a questão da reprodutibilidade e dos gêneros acentua-se assim como o domínio do inconsciente enquanto princípio organizador em termos de representações artísticas.
Ambos influenciarão a visão de mundo e concepção de “Homem Moderno” ainda que o mesmo seja moldado no modismo cibernético.
Como testemunho cristão do pensamento platônico temos a contribuição de Santo Agostinho (354-430 d.C.), bispo de Hipona, que representará a teologia sobre o pecado original (o corpo como instrumento pecaminoso, caminho do mal): desenvolveu-se a noção de culpabilidade, angústia, alicerçando a vida monacal: “Eu não existiria, meu Deus, de modo algum existiria, se vós não estivésseis em mim; ou melhor, eu não existiria se não estivesse em vós, de quem, por quem e em quem todas as coisas têm o ser.”.
Por fim, sublinhando o pensamento de Baudrillard o corpo é uma evidência e nele recai a essência da existência perante nossa dependência da imagem.
Com certezas muitas respostas foram socorrer a indagação sobre o que é corpo? O corpo é um fato cultural, assim como tudo o que lhe diz respeito. Com exceção do ponto fundamental, pois o corpo é a materialização do que somos, de nossos sentidos, a nossa locomoção e nossa forma.
Na cultura contemporânea, os corpos humanos são cada vez mais vivenciados como imagens. O corpo de cada um é arduamente trabalhado para ser exibido e observado, como uma imagem para ser consumida visualmente.
A sexualidade ascende muito e juntamente com o culto do corpo e da beleza, sendo o seu caráter maléfico asfixiado em favorecimento dos rituais de prazer. O corpo é objeto de um culto narcisista, no nível pessoal e, é usado também como recurso social.
Porque só o somos se aparentarmos ser, a nossa imagem deve refletir tudo o que somos e para tal a sociedade de consumo nos concede milhões de produtos e serviços miraculosos que nos ajudam expor nossa identidade, ou pelo menos, a identidade que queríamos ter, ou até, a identidade que deveríamos ter.
Assim, o corpo está estreitamente vinculado às finalidades da produção enquanto suporte econômico e como suporte econômico como o princípio de integração psicológica dirigido do indivíduo à estratégia (política) de controle social.
Portanto, surge um padrão de beleza ditado pela moda, que é comum a toda sociedade e propagado pelas mídias, enfim, vivenciamos a tirania da beleza.
Portanto, o corpo exerce um singular terrorismo moral, sendo repressor e violento sob a capa da beleza e da perfeição. Sendo o objeto que nos consome e nos inquieta.
Adiante, ocorre a descorporização através do ciborgue que fora patenteado em 1960 por Manfred E. Clyner e Nathan S. Kline para designar organismo cibernético.
Enfim, o ciborgue representa a mais perfeita metáfora[13] pós-moderna, é a síntese entre homens e máquinas. Basta ter um dispositivo tecnológico acoplado no corpo tal como uma prótese, para sermos considerados ciborgue.
No ciborgue a identidade é fruto do jogo político e de uma realidade vivida através de novas tecnologias. O ciborgue é o híbrido entre a máquina e o organismo, sendo ao mesmo tempo uma criatura e uma realidade social e também uma criatura de ficção.
Trata-se de uma criatura do mundo do pós-gênero, sem problemas psicanalíticos (edipianos ou narcísicos) e não existe como natureza e nem cultura.
A experimentação cibernética e a criação do ciborgue demonstra que o corpo entrou em crise enquanto categoria de base da experiência. Mas, estamos muito longe de resolver o busilis da consciência cibórgica, assumindo-se a consciência humana, e firmando a distinção entre os homens e máquinas.
O ciborgue dispensa a reprodução e o prazer sexual substituindo as emoções humanas por inteligência tecnológica. A autoconsciência e as emoções humanas definem a espécie humana, pois não podem ser reproduzidas no ciborgue.
O que impede o homem de destruir o mundo devido aos constrangimentos éticos e morais. Também há a descorporificação do corpo social através das redes sociais, das TICs que permitem novos ambientes de interação imersivos.
Criaram-se novas formas de expressão e de liberdades libertando os indivíduos da complexidade de práticas sociais que antes constituíam a base de sua existência.
A clonagem surge como um golpe fatal à existência humana. Finalmente com a evolução genética molecular tem também permitido o cruzamento de espécies orgânicas e inorgânicas criando-se os híbridos.
Afinal, a pós-modernidade, a liquidez e ambivalência (Bauman) dos fenômenos permitem-nos desconstituir o estereotipo de gênero. Talvez assim enfatizaremos mais a alma humana para dar o sentido ao pensar, refletir e existir. Mergulharemos na essência, humana demasiadamente humana.
Referências:
DUMONT, Adilson; PRETO, Édson Luis de Oliveira. A visão filosófica do corpo. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-98432005000200002 Acesso em 03.10.2016.
SEBASTIÃO, Sonia. Sujeito pós-moderno: de andrógino a pós-moderno. Revista Comunicação & Cultura. N.9, 2010, pp. 59-75.
MATOS, Liana. Stuart Hall e as Identidades Descentradas. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:sMYEhleMP3oJ:dialogosantropologicos.blogspot.com/2013/03/stuart-hall-e-as-identidades.html+&cd=5&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso 04.10.2016.
MARTINS, Andreia Sofia Fernandes. O Mito. Disponível em: http://pt.slideshare.net/andreiasfm/o-mais-belo-objecto-de-consumo-o-corpo-jean-baudrillard. Acesso em 04.10.2016.
DALL’AGNOL. Rosângela de Sant’Anna. A sexualidade no contexto contemporâneo: permitida ou reprimida? Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-73142003000200004 Acesso em 04.10.2016.
BORGES, Marcus Alexandre. Nietzsche e a noção de corpo. Disponível em: http://www.uern.br/outros/trilhasfilosoficas/conteudo/n_02/i_2_art_8_borges.pdf Acesso em 04.10.2016.
TURETA, César; TONELLI, Maria José; ALCADIPANI, Rafael. O Gerente-Ciborgue: Metáforas do Gestor Pós-Humano. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/4006/400638318007.pdf Acesso 05.10.2016.
[1] Para Bauman, os valores ocidentais estão cada vez mais diluídos e cerceiam a tolerância e o relacionamento. Acredita-se que a humanidade alcançou uma profunda consciência acerca da dor e da sua própria finitude o que tem marcado a cultura contemporânea. Buscamos escapismos violentos, numa velocidade assustadora em direção de utópico estado de prazer eterno. E, com avanços tecnológicos, há sempre maiores possibilidades de aprimoramento da qualidade de vida, mas infelizmente, apesar de mil criatividades, estamos mais solitários. E o paradoxo primordial da sociedade high tech é que apesar das Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs), apesar de ter um considerável desenvolvimento material da humanidade, nos diluímos enquanto pessoas, pois almejamos adequar-se a todas as nossas interações, principalmente àquilo que de alguma forma irá nos proporcionar vantagens imediatas. A liquidez diagnosticada por Bauman bem retrata bem a perniciosa dança das cadeiras, e a ferrenha competição instaurada é a garantia temporária de ser excluído das fileiras dos destruídos e evitar ser jogado no lixo.
[2] A liquefação dos valores da era pós-moderna manifesta como seu problema por excelência o projeto de suprimir a consciência de alteridade, a capacidade de compreendermos o outro na sua própria pluralidade de significados e vivências. Suprimindo a alteridade, cada vez mais empobrecemos as nossas relações interpessoais, pois reduzimos nossas experiências existenciais apenas àquilo que julgamos conveniente segundo nossos escusos critérios de avaliação. Um agravante a ser inserido nessas considerações é que dissimulamos essa incapacidade de convivência com a diferença através da criação de preceitos “politicamente corretos”, pois muitas vezes demonstrarmos publicamente adequação irrestrita a esses princípios de respeitabilidade social.
[3] Graças às mídias contemporâneas, na maioria das vezes, atuando como manipuladora e dominadora de grupos sociais, é comum associar-se o conceito de fundamentalismo aos outros, mas nunca aos próprios fundamentalismos. Nossas convicções de qualquer natureza trazem nossas verdades que colidem e representam radicalismos inaceitáveis. Leonardo Boff esclarece que o fundamentalismo se caracteriza por conferir valor absoluto ao seu ponto de vista. Quem afirma de forma absoluta identidade, está condenado a ser intolerante para com os diferentes, a desprezá-los e, no limite, a eliminá-los. É, de fato, um fenômeno recorrente no mundo atual.
[4] O grande irmão numa tradução literal adveio de um personagem fictício do romance 1984 de George
Orwell. Na sociedade descrita por Orwell, todas as pessoas estão sob constante vigilância das autoridades, principalmente por teletelas (telescreen), sendo constantemente lembrados pela frase propaganda do Estado: “o Grande Irmão zela por ti” ou “o Grande Irmão está-te observando” (do original “Big Brother is watching you“).
[5] A modernidade construiu-se em meio aos conflitos ideológicos da razão objetiva instrumental, utilizada como ferramenta de abordagem de questões do pensamento humano e de sua realidade. Assim, o pensamento tradicional, ligado ao pensamento teológico e religioso, foi progressivamente abandonado. Max Weber referiu-se a esse fenômeno como o processo de “desencantamento do mundo”, no qual o sujeito moderno passou a despir-se de costumes e crenças baseados em tradições aprendidas que se apoiavam nos pilares fixos das religiões. Explicações e questionamentos baseados na utilização da razão instrumental quebraram noções preconcebidas e ancoradas no núcleo religioso.
[6] O mito está na obra de Platão chamada “O Banquete”. No início, a raça dos homens não era como hoje. Era diferente. Não havia dois sexos, mas três: homem, mulher e a união dos dois. E esses seres tinham um nome que expressava bem essa sua natureza e hoje perdeu seu significado: Andrógino. Além disso, essa criatura primordial era redonda: suas costas e seus lados formavam um círculo e ela possuía quatro mãos, quatro pés e uma cabeça com duas faces exatamente iguais, cada uma olhando numa direção, pousada num pescoço redondo.
A criatura podia andar ereta, como os seres humanos fazem, para frente e para trás. Mas podia também rolar e rolar sobre seus quatro braços e quatro pernas, cobrindo grandes distâncias, veloz como um raio de luz. Eram redondos porque redondos eram seus pais: o homem era filho do Sol. A mulher, da Terra. E o par, um filhote da Lua.
[7] O mesmo conceito será encontrado nas teses do neoplatonismo e neopitagorismo, mas também em muitas seitas do gnosticismo cristão, assim como na gnose judaica, na Cabala e em ‘ Alchemy, através do Renascimento e Romantismo: Houve uma unidade primitiva perfeita de humana, então foi perdido.
De produtos que neoplatônicas formas têm “andrógino Adam da gnose judaica: Adão e Eva foram criados de volta para trás e são unidas pelos ombros; então o Senhor os separou com um machado dividi-los em dois”.
[8] Convém expor um dado bem expressivo do Censo Demográfico Brasileiro do IBGE (2000) que indica que os evangélicos compõem o grupo que mais cresceu na derradeira década do século XX> A heterogeneidade do grupo evangélico é marcante, posto que fragmentado, não havendo unidade institucional, equivalente ao que há no catolicismo. Entre as variadas explicações, há as várias reformas europeias, a luterana, a calvinista, anabatista e que ecoaram ainda que sutilmente no Brasil aliada ainda a diversidade étnica e cultural muito própria de nosso país, e ainda o incremento do processo colonial que trouxe a sincretização na religiosidade brasileira.
[9] Baudrilard defende que tudo o que se consume corresponde a um estatuto, não consumimos o objeto pelo objeto, mas sim, pelo significado desse objeto. É difícil saber até que ponto o culto do corpo intensificou o consumismo ou, por outro viés, o próprio consumismo criou o culto do corpo para seu benefício.
[10] O livro sugere que Nietzsche concebe o corpo enquanto o fio condutor de seus pensamentos, não apenas sobre “questões diretamente vinculadas ao homem – ética, estética, política”, mas também sobre “todos os problemas filosóficos”.
[11] A modernidade traz, no seu bojo, um conjunto de transformações: as grandes navegações, a concepção heliocêntrica, a secularização do conhecimento, o antropocentrismo – marcando uma nova visão de homem no mundo e, consequentemente, da sua corporeidade. Contrapondo a negação do corpo da mentalidade medieval, percebemos o hedonismo (culto ao prazer), emancipação do “sujeito cosmológico”; há uma crescente dessacralização da corporeidade.
Em uma perspectiva holística, temos as personalidades de um Leonardo Da Vinci (1452-1519), Galileu Galilei (1564-1662), Michelangelo (1475-1564), Giordano Bruno (1548-1600) e René Descartes (1596-1650); expressando esta nova visão, temos o famoso quadro “A lição de anatomia” de Rembrandt, onde o médico Vesálio (1514-1564) disseca um cadáver: “Abrir o corpo de um morto para estudar sua constituição íntima é um crime capital, não somente porque jamais se sabe se o morto está verdadeiramente morto, mas, sobretudo porque tal empreitada tem um caráter sacrílego. O olhar humano não deve se fixar em regiões que Deus nos ocultou e não deve violar uma realidade sobrenatural, um dos aspectos do destino eterno do homem.”.
[12] Tais interpretações do corpo, da consciência, da vida e do mundo levaram Nietzsche a questionar os valores humanos e a se tornar um marco no campo da crítica e da criação axiológica.
[13] Apesar do grande volume de trabalhos acerca das atividades dos gerentes nas organizações, observamos que as pesquisas não consideram a tarefa exercida por esses trabalhadores como resultado da interação com elementos não-humanos, ou seja, há na literatura dos gerentes um privilégio pela ação humana em detrimento da participação ativa dos objetos.
Na verdade, tais estudos negligenciam a questão dos não-humanos como elementos constituintes do trabalho de qualquer gestor.
Na visão de Orlikowski, o processo organizativo está intrinsecamente vinculado aos elementos materiais; no entanto, tem sido pouco explorado nos estudos organizacionais, que tendem a ignorá-los ou assumi-los como um caso especial.
Ainda segundo a autora, “desenvolver novas formas de lidar com as questões materiais no campo organizacional é fundamental para entendermos as formas contemporâneas dos processos organizativos que são cada vez mais constituídos por múltiplas, emergentes e interdependentes tecnologias”.