Direitos Humanos e Justiça Penal no Pensamento de Thomas Hobbes
Cândido Furtado Maia Neto*
Thomas Hobbes (1588-1679) um dos maiores pensadores político, autor de Leviathã (1651), provocou muito desconforto na época através de suas verdades e filosofia.
Apesar de estudar em Oxford, Hobbes considerou fraca a educação que recebeu, chegou a dizer que se tivesse apreendido e lido o mesmo que os homens considerados instruídos, seria tão ignorante como eles.
Ao externar seus pensamentos colocou em risco a própria vida, onde por muito menos, outros tinham sido assassinados. Tomas Hobbes acabou íntimo de Carlos II, rei da Inglaterra, que lhe apreciava por sua irreverência e coragem.
Nesse sentido podemos afirmar que a verdade e a coragem são bases da justiça. Não estamos falando da verdade formal – processual -, mas da verdade real – dos fatos -, que deve ser perseguida por todos os membros do Ministério Público, como filosofia institucional e dever funcional.
O direito penal não aceita condenações ou punições em base a indícios, conjecturas, evidências ou probabilidades, neste caso prevalece o princípio in dubio pro reo, nunca o “in dubio pro societat”, princípio já revogado e inaplicável no sistema democrático.
O Ministério Público moderno não trabalha com idéias ortodoxas – arcaicas ou anti-científicas – que conflitem com a doutrinária e o pensamento penal avançado (MAIA NETO, Cândido Furtado, in “O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos”, Ed. Juruá, Curitiba, 2003).
Assistimos e presenciamos um direito penal cada vez mais repressivo, sustentado em premissas falsas e rústicas, completamente contrárias aos postulados da ciência e da literatura penal, criminológica, vitimológica e penitenciária especializada, sem falarmos nos flagrantes desrespeitos aos Direitos Humanos.
Hobbes propugnava pela paz e pela segurança, a idéia de um direito natural onde reside a justiça, igualdade e respeito para que os homens cumpram os pactos celebrados, cujo meio é a observância do “contrato social”, o que significa a obediência as leis e aos instrumentos internacionais de Direitos Humanos. Assim, o absolutismo no interesse do indivíduo, como Estado Civil, e não o totalitarismo, abusos ou autoritarismo do poder de processar, julgar e condenar. A coerção estatal servindo para a necessidade de cumprir os pactos, tratados e convenções, a exemplo dos modelos de proteção dos Direitos Humanos, sistemas internacional e nacional.
Os agentes do Ministério Público em nome do Estado Civil prol interesses indisponíveis da cidadania, para proteger os direitos dos processados e dos presos, ao mesmo tempo, buscar o equilíbrio para a reconstrução e a paz social, na tarefa da reparação dos danos causados pelo crime às vítimas. Trata-se de uma missão sublime que poucos profissionais ou jurisconsultos conseguem compreender à luz da filosofia penal.
O monopólio da força legítima estatal está no cumprimento das leis, primeiro para o Estado, como dever, e para o individuo como responsabilidade (art. 144 CF/88); somente se efetivam os direitos fundamentais do cidadão no instante em que o poder repressivo, cumpre com seu papel, por intermédio de seus agentes; a ética estatal nos ensinamentos de Zaffaroni (Derecho Penal, Parte General, ed. Ediar, 2001, Buenos Aires).
Tomas Hobbes foi precursor de institutos penais propugnando por princípios gerais do direito, como da legalidade, da anterioridade da lei, da taxatividade das normas, proporcionalidade e humanidade das penas. Na sua época o poder de julgar era um meio para arruinar a vida dos indivíduos, através de leis incertas, sanções indeterminadas, prisão preventiva como regra geral e pena antecipada, etc.. Hobbes com suas idéias influenciou os pesadores do iluminismo.
Parece simples e cristalino, mas ainda muitos não conseguiram compreender a verdadeira missão da justiça penal. Quando o Estado não consegue cumprir com sua função de pacificação social acaba gerando a insegurança pública e a intranqüilidade individual e coletiva.
Dizia Tomas Hobbes, sobre a força do corpo: “o mais fraco tem suficiente força para vencer o mais forte, porque os homens fazem alianças secretas e passam a agir em grupos, “gangs” e bandos, em conluio legal e oficial, político ou criminoso.
Para Cesar Beccaria, autor de “Dos Delitos e das Penas”, sobre o abuso de poder e a tortura afirmava: “é um meio débil para condenar o mais fraco e absolver o mais forte, porque este pode agüentar os tormentos por bom tempo e o fraco por não possuir resistência física assume ilícitos que não praticou para se livrar rapidamente das dores físicas e morais”.
As normas penais são produtos de acordos, razão pela qual não há que se falar em lei ou tratamento isonômico, trata-se de puro eufemismo, mito ou ficção científica.
O direito penal é meio – disciplina – de controle social. Os delitos comuns possuem penas altas e na sua maioria são praticados pela classe social mais baixa, como os homicídios, roubos, violências, estupros, etc.; já os crimes do colarinho branco – white collor crime – contra o sistema financeiro e atos de corrupção, por exemplo, são cometidos por indivíduos pertencentes ao alto escalão social, onde as penas para estes delitos são mais brandas e permite até, na hipótese rara de condenação, quando acontece o retiro de cobertura ou perda do tráfico de influências políticas, o cumprimento em regime aberto (art. 33 “c” e 36 CP).
Para os denominados “delitos de sangue” – crimes violentos – geralmente a condenação é a reclusão que se cumpre em uma penitenciária de segurança máxima, para os vulneráveis do sistema – os pobres – expressão de Raúl Zaffaroni, ou para os “Punidos e mal Pagos” segundo Nilo Batista – in “Introdução Crítica ao Direito”, Ed.Revan, 1990, RJ -, onde comenta que os crimes financeiros lesam o erário público e produzem muito mais vítimas do que aqueles considerados violentos, os prejuízos são imensos e causam danos à toda sociedade. “Quando a justiça joga sua rede, não são os peixes pequenos que escapam, mas os grandes” Leauté (Lola Aniyar de Castro, in Criminologia da Reação Social, Forense, 1983, RJ).
Desta forma, “precisamos reavaliar os nossos conceitos de delito, castigo e Justiça” (O’Connor, in relatório apresentado pela Dra. Kenarik Boujikian Felippe, juíza de Direito da 16ª Vara Criminal de São Paulo-SP, co-fundadora e ex-presidente da Associação de Juizes para a Democracia – Audiência pública realizada em set/2004, no CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça).
O insigne mestre, Tobias Barreto com muita contundência asseverou que nossa vida jurídica é digna de lástima, repleta de manipulações e tentativas de lavagens celebrais (ideológicas), produto da política, do clero e das academias. Fazendo uma comparação entre os representantes da Igreja e do Poder Público, disse:
1- Há padres honestos e profissionais do direito (autoridades) íntegros.
2- Em regra poucos padres sabem ler o latim do Breviário da Igreja e poucos profissionais do direito sabem ler o latim das Institutas, interpretar e aplicar corretamente as leis.
3- Os padres são capazes de excomungar fiéis e os profissionais da Justiça são capazes de fabricar processos, julgar e condenar cidadãos
Resumindo. Da igreja que somos fiéis é uma digna irmã do Estado que somos súditos; porém há uma grande diferença, a igreja nos garante a bem-aventurança por muito menos dinheiro do que o Estado nos garante justiça; posto que o ganho de uma causa, ainda que seja a mais justa, importa em muito dinheiro e muito sacrifício pessoal.
O mais interessante é o padre devasso encontrar sérios e insuperáveis obstáculos para a sua elevação hierárquica; o que já não ocorre com as autoridades públicas corruptas, vencem os escrúpulos das suas consciências e estão de carreira feita (in “Estudos de Direito”; ed. Bookseller, Campinas-SP, 2000, pg. 501/02).
Em nome da justiça se pode acusar, absolver, condenar, como também perdoar, tudo conforme a personalidade e o caráter de cada profissional do direito, por esta razão encontrarmos decisões divergentes ou antagonismos jurídicos espantosos, posto que para o mesmo caso interpreta-se e aplica-se a lei penal de maneira diversa, hora se dá prevalência a atenuantes, hora para agravantes, hora denuncia-se, hora arquiva-se, hora absolve-se e hora condena-se.
Ao agente do Ministério Público incumbe promover e procurar justiça, denominação dos cargos de Procurador e de Promotor de Justiça; já os Procuradores da República atuam em nome da “res” pública, da coisa pública ou do povo, tendo como legítimo dono a sociedade; portanto, os Procuradores da República exercem suas funções em nome dos direitos indisponíveis da cidadania, como também o fazem os representantes do Paquet estadual, nos termos da Constituição federal (art. 127 CF/88).
A nova e moderna dimensão do direito penal contemporâneo tem por dever a tutela dos direitos individuais fundamentais, também missão do Pretório Excelso, julgar as causas com imparcialidade, isenção e em nome dos valores supremos da cidadania, para o devido controle da constitucionalidade das leis, das decisões judiciais e dos atos praticados pelos Poderes Legislativo e Executivo (art.101 e segts.CF/88).
A defesa dos interesses do governo compete exclusivamente aos Procuradores do Estado e aos Advogados da União, ao nível de justiça estadual e federal, respectivamente, já no passado, eram os Procuradores do Rei, do Fisco e da Coroa. Hoje não mais ao Ministério Público, como no passado. No Brasil Império, o representante do Ministério Público, estava vinculado diretamente aos desejos do chefe do executivo; razão pela qual, no processo criminal era nomeado um Promotor Público para acusar e outro para defender; daí surgiu a expressão popular “advogado de acusação” e “advogado de defesa”.
É preciso o justo processo ou a justa causa para a ação penal (arts. 41, 43, 647 e 648 CPP/42), posto que as Nações Unidas, através das Diretrizes Básicas para os Representantes do Ministério Público (1990 – Assembléia Geral-ONU), em seus Princípios 17 e 18, recomendam que a Ação Penal seja utilizada somente na última hipóteses, sendo que os agentes do “Parquet” devem procurar todos os meios e mecanismos para evitá-la, posto que o processamento penal e a conseqüente sanção privativa de liberdade, por si só, causam efeitos diversos e maléficos aos processados e à sociedade em geral; buscando-se outras vias -alternativas – para a solução da demanda, sempre que possível e quando a doutrina e a jurisprudência permitir, utilizando o princípio de interpretação e aplicação da lei mais benéfica ao agente, e útil ao Estado.
“Na dúvida, arquiva-se, tranca-se a Ação Penal ou absolve-se (in dubio pro reo), e nunca se processa, pronuncia-se ou condena-se (in dubio pro societate). As garantias individuais são direitos concretos que prevalecem ante as abstrações (in dubio pro societate), estas servem ao direito autoritário, aos regimes antidemocráticos ou aos governos ditatoriais. Não se pode permitir que nos regimes democráticos as abstrações “em nome da sociedade” venham destruir o sistema jurídico humanitário positivo, para dar lugar a um odioso direito repressivo, onde o Estado condena e acusa sem provas concretas” (MAIA NETO, Cândido Furtado: in “O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos”; Ed. Juruá, 2003, Curitiba-PR.).
As garantias judiciais da cidadania estão previstas nos instrumentos de Direitos Humanos – Declaração Universal, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana, Regras Mínimas dos Presos, etc – obrigando o Estado a respeitá-las em um sistema de direito penal garantista, contra a impunidades e abusos de poder (MAIA NETO, Cândido Furtado: in “Código de Direitos Humanos para a Justiça Criminal Brasileira”; ed. Forense, 2003, Rio de Janeiro).
Tomas Hobbes pensava na convivência dos homens sem Estado, para justificar a sua necessidade, posteriormente notou que era necessário um Estado forte com o objetivo de manter a paz e a ordem interna; mas não um Estado forte que utiliza a lei e as instituições para aniquilar as garantias fundamentais da cidadania.
Do pensamento de Hobbes podemos decifrar um direito penal capitalista – materialista e mecanicista – tendo como a origem dos crimes a falta de moral conduzindo aos interesses, vaidades e paixões, onde o homem compete com o homem, daí as célebres expressões de Hobbes: “homo homini lupus”, o homem é o lobo do homem; “Bellum omnium contra omnes”, é a guerra de todos contra todos. Desta forma, podemos analisar que com a impunidade, reincidência criminal e a insegurança pública o homem tem medo de ser morto, ofendido, de perder sua propriedade, de ser explorado ou escravizado, e esse temor e medo obriga os homens a fundarem um estado social e a autoridade política, como força e medida do direito; porém repressão com segurança jurídica, isto é com reducionismo e minimalismo penal.
O Estado absolutista de Hobbes serve para proteger os cidadãos das arbitrariedades e dos abusos, ou seja do autoritarismo. A ética da administração pública reside na obrigação do poder estatal de cumprir as leis – os pactos – através do contrato social, assim, governo a favor do povo e não versus povo. As leis devem ser respeitadas pelo Estado através de seus órgãos, instituições e poderes constituídos, impedindo desta forma que se faça justiça pelas próprias mãos ou que se pratiquem atos de corrupção pública e prevaricações.
Somente se renuncia direitos disponíveis, jamais os direitos fundamentais, nenhum pacto ou contrato social possui legitimidade para mitigar ou prejudicar direitos individuais, posto que as regras e cláusulas pétreas num sistema republicano e democrático, a soberania do Estado é limitada pelo exercício da defesa dos Direitos Humanos. Rui Barbosa, certa vez afirmou com muita propriedade e objetividade: “o funcionário público ou agente estatal que ultrapassar o limite da lei e de sua competência funcional, torna-se o mais cruel dos criminosos” (Lei nº 4.898/65, do abuso de autoridade), e também “não há tribunais que bastem quando a responsabilidade se afasta da consciência dos magistrados”.
Negação de justiça caracteriza injustiça, “toda injustiça é crime” e “todo crime é pecado”, sem confundirmos ou mesclarmos direito, moral e religião, nas lições de Leviathã, o direito penal como ultima ratio da política social estatal para uma sociedade justa, livre e solidária. Os súditos do rei – na monarquia – devem ser substituídos pelos verdadeiros cidadãos dotados de soberania plena – na República -, em respeito ao princípio da representação popular: “Todo poder emana do povo e em seu nome deverá ser exercido”.
Para finalizar. Se não for possível efetivar o Estado Democrático, frente ao caos nos restar recorrer “A Utopia”, esta agora de Thomas More que significa “lugar nenhum ou lugar que não existe”, por que se assim for, não existe e não existirá “direito penal nenhum”. Nós os “utopianos” modernos – do séc. xxi – não acreditamos na prisão perpétua e na sanção capital, porque acreditamos na esperança e temos fé na justiça penal, nos Direitos Humanos, sobretudo na imortalidade da alma.
* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério Público Democrático.Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br
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