Filosofia do Direito

Crítica ao pensamento de Ronald Dworkin

Resumo:

Tudo é interpretação, principalmente, o direito. O positivismo clássico e o contemporâneo foram nutridos, em grande parte. pela interpretação do direito, ora feita pela doutrina e jurisprudência. E, a ideia de fusão entre Direito e Moral é levada por Dworkin ao âmbito dos tribunais. Afirmou que o juiz, ao analisar um caso concreto, sempre desenvolve um processo de interpretação da lei e de subsunção do caso concreto a esta.

Palavras-Chave: Positivismo. Interpretativismo. Pragmatismo. Realismo Jurídico. Filosofia do Direito. Teoria Geral do Direito.

Introdução

De fato, reconhece-se, contemporaneamente, que Ronald Dworkin representa um dos principais filósofos do direito na atualidade. Consagrou-se por suas críticas ao positivismo jurídico, e, particularmente, à Herbert Hart[1]. Sendo relevante sua contribuição sobre as concepções adotadas pelo positivismo, tais como a de norma jurídica, discricionariedade judicial e, tantas outras.

E, tais conceitos vieram a moldar os principais debates relacionados com a Filosofia do Direito e a Teoria Geral do Direito. A posição de Dworkin sobre a natureza da teoria do direito é chamada de interpretativismo, pela qual, só é possível conhecer o direito, seja no âmbito generalista ou específico, por meio de teorias substantivas. O interpretativismo[2] fundamenta-se em premissas epistemológicas que o vinculam a uma teoria moral abrangente. Em Dworkin existe firme distinção lógica entre juízos de fato e juízos de valor[3].

E, partiu do estudo do conhecimento moral. Apesar de os juízos de valor não serem fulcrados em evidências e, não poderem ser verificados através de procedimentos publicamente aceitos, estes são comumente considerados como objetivos.

Exemplificadamente, o sentimento de dever causado por convicção moral é cogente para um agente moralmente responsável. Do mesmo modo, que este mesmo agente é capaz de argumentar a respeito de julgamento moral que considere justificado da mesma forma que o faria em relação a uma verdade a respeito de um estado de coisas.

Tal visão comum sobre a moralidade pode ser falsa. Pois, falha na caracterização do fenômeno moral. E, Dworkin admite que podem existir caracterizações sobre a moralidade que desconsiderem a visão comum. E, por conta dessa dicotomia[4] existente entre fato e valor, qualquer crítica, neste sentido, deve ser, esta própria, um juízo de valor.

A contundente conclusão de Dworkin refere-se que todos os argumentos que até hoje foram chamados de “metaéticos”, no fundo, são meros argumentos morais dissimulados.

Afinal, todo o conhecimento relativo ao pensamento normativo é produzido através de uma atividade investigativa própria, diferente do método científico. E, a essa prática intelectual, o filósofo Dworkin deu o nome de interpretação. Os diversos gêneros de interpretação[5], ainda que, às vezes, sejam muitos diferentes entre si, possuem em comum, a atribuição de um propósito ao seu objeto.

Ao contrário dos fatos estudados pelas ciências, que simplesmente existem, os objetos da interpretação possuem um valor a realizar. Não pode existir mera descrição nesses casos. Por não existir consenso quanto ao conteúdo de valores, toda concepção desta resta submetida à teoria normativa abrangente.

Realmente, a dicotomia entre fato e valor reflete na natureza dos conceitos. As noções compartilhadas pelos membros de uma comunidade[6] podem ser classificadas, segundo Dworkin, em criteriais, de tipos naturais e interpretativas.

E, tal classificação corresponde, respectivamente, às formas de determinação convencional, normativa e científica do significado. Tal classificação dos conceitos é rigorosa para impor aos teóricos qual é a abordagem adequada para cada um destes.

Segundo Dworkin, é um erro comum em disciplinar os conceitos morais e políticos como se fossem criteriais. Afinal, se pertencessem mesma a tal categoria, o sentido de ideias como a de liberdade, igualdade, democracia, entre outras, deveriam ser relativamente pacíficos. E, isso não ocorre, pois tais conceitos são profundamente divergentes.

O filósofo, ainda explicou, que é o núcleo valorativo destes que faz com que a busca de critérios de aplicação se torne inútil e infrutífera. Eis, justamente, o erro de Dworkin que acusou os positivistas jurídicos, particularmente, Herbert Hart.

Enfim, para o filósofo, a abertura do direito[7] aos argumentos morais faz deste um conceito interpretativo. E, assim, ao discipliná-lo como resultante de um estado de coisas, o positivismo pode propor análise puramente descritiva da noção de direito.

Seria, então, mero sistema de regras que pode ser submetido a este tratamento. O problema é que o direito, os participantes são usualmente chamados a refletir criticamente sobre suas normas. E, como as normas jurídicas podem ser criticadas por seu conteúdo, sua validade não pode ser meramente uma questão de fato. O direito é justificado pela realização de um valor a este atribuído. Isto é, de acordo com Dworkin, o direito é um conceito interpretativo, e como tal, só pode ser compreendido interpretativamente.

Constata-se que tais conclusões são devidas em muito à dicotomia existente entre fato e valor pressuposta pela teoria moral de Dworkin. Mas, um filósofo norte-americano reconhecido por se dedicado a atacar justamente essa dicotomia, foi Hilary Putnam[8], oriundo da geração de juristas do positivismo lógico, vale-se de exemplos de diversos ramos de conhecimento para sustentar seu argumento.

Para Putnam, a experiência humana é de tal forma que essa distinção entre julgamentos de fato e de valor não revela muito sobre a distinção entre as disciplinas. Isto é, os padrões de raciocínio podem ser identificados entre os temas tão diferentes, quanto a matemática e a moral. E, assim, pretendeu ser capaz de mostrar que muito que se cogita sobre a existência de propriedades objetivas na física, poderia, por exemplo, ser revelado em relação às propriedades morais.

Deve-se observar algumas questões preliminares para se aproveitar os exemplos de Putnam[9] ao avaliar o labor de Dworkin. Apesar de partirem de premissas opostos, os dois filósofos e estudiosos possuem um objetivo em comum.

E, assumiram evidente compromisso com a defesa da deontologia contra a tendência, legada do positivismo lógico, de não levar a sério o discurso moral. Criticaram as leituras feitas pelos juízos morais como sendo meras expressões de estados subjetivos ou de regras morais.

E, a divergência entre os estudiosos quanto às premissas, apenas reflete o tipo de argumento que orienta cada um dos projetos. Dworkin, portanto, fora forçado a laborar com um conjunto de noções que apenas ele mesmo adotava, as mais importantes são a de interpretação e sua tipologia de conceitos[10].

Putnam, por seu viés, decidiu seguir as orientações dos pragmatistas norte-americanos ao rejeitar dicotomias e ao aderir a visão unificada da experiência. O holismo[11] de Putnam é mais abrangente que o holismo de valores de Dworkin, posto que incorpore também as investigações científicas.

O holismo moral segundo Dworkin é a fé do ouriço em que todos os valores formam rede interligada, em que todas nossas convicções sobre o que é bom, correto ou belo desempenhem um papel de suporte a todas nossas outras convicções em todos os domínios do valor. Somente podemos procurar a verdade sobre a moralidade, se aprovarmos a coerência aprovada pela convicção.

Afinal, o holismo moral e a epistemologia propostas por Dworkin podem ser melhor compreendidos quando examinamos os conceitos de igualdade e de liberdade na obra e as relações entre esses valores que nesta são exploradas.

Um dos conflitos morais frequentes e insolúveis ocorria entre esses dois valores, a saber: “Tudo o que é, é: liberdade é liberdade, não é igualdade, equidade, justiça ou cultura, felicidade humana ou uma consciência tranquila. Se minha liberdade ou de minha classe ou nação depende da desgraça de outros seres humanos, o sistema que promove tal coisa é injusto e imoral. Mas, se restrinjo ou perco minha liberdade para diminuir a vergonha dessa desigualdade, e com isso não aumento materialmente a liberdade individual de outros, ocorre uma perda absoluta de liberdade. Isso pode ser compensado por um ganho em justiça, felicidade ou paz, mas a perda permanece, e é uma confusão de valores dizer que, embora minha liberdade “liberal”, individual seja jogada fora, algum outro tipo de liberdade – “social” ou “econômica” – é aumentada. Ainda assim, continua verdadeiro que a liberdade de alguns, deve às vezes ser restringida para assegurar a liberdade de outros”.

E, adotando a proposta pragmatista referente a primazia da prática, Putnam afirmou que a objeção metafísica a alguma prática intelectual estabelecida não pode se impor sem que haja justificativa epistemológica suficiente[12].

Eis, assim, uma visão de mundo que admitia a existência de propriedades morais, ou seja, a validade do discurso normativo e, revela-se indispensável para as atividades humanas, em geral, para a investigação científica.

É preciso aceitar que os julgamentos de valor sejam mesmo integrantes de toda experiência e, que diferentemente da posição de Dworkin, não existe investigação neutra, mesmo nos modelos descritivos. Para tanto há os exemplos de situações onde a noção de existência, pressuposta na descrição do estado de coisas, é, própria, dependente de uma escolha convencional. Portanto, existe mais de uma concepção de existência disponível e, não existem critérios consensuais para definir qual é a mais adequada.

Optando-se por um destas, então o critério para a definição de quais objetos de fato existem é dado na própria concepção. Esta situação é chamada de relatividade conceitual e, aponta que a divergência entre as concepções pode ser resolvida de uma perspectiva neutra, não sendo exclusividade de conceitos interpretativos de Dworkin

A relatividade conceitual demonstra que nem toda divergência teórica é valorativa, basta recordar os valores epistêmicos indicam que existem juízos de valor nos discursos moralmente neutros. Existem situações em que um paradigma precisa ser superado, mas os critérios de verificação ainda não são consensuais. Ao invés de conviver com as duas teorias, concomitantemente, em geral os cientistas escolhem uma delas.

Essa escolha é pautada pelos princípios da simplicidade, conservadorismo e capacidade explicativa. Não existe razão para distinguir logicamente esses julgamentos dos julgamentos morais; ambos partem de princípios que são guias de ação. Os valores epistêmicos não decidem, em última análise, o que é uma teoria aceitável, mas estes têm um papel indispensável na orientação da atividade dos cientistas.

A obra de Hilary Putnam, enfim, oferece elementos para se criticar o papel da interpretação no pensamento de Dworkin. Se este não é capaz de sustentar suas premissas, então suas conclusões acerca do caráter da teoria do direito, também restam comprometidas.

Segundo ele, o problema do positivismo jurídico é não se dar da natureza normativa do conceito de direito e, consequentemente, da natureza interpretativa da teoria do direito. Pode-se admitir que o discurso jurídico esteja aberto a considerações morais e, Hart admitiu esta possibilidade. A questão é que não se pode, sem mais, inferir daí que a teoria do direito seja necessariamente um ramo da moralidade[13].

Primeiramente, é necessário entender em que sentido o direito pode ser entendido como um conceito moral[14]. A proposta de Dworkin é que a prática jurídica seja reconstruída de forma a vincular a validade jurídica de normas a sua justificação e, não a algum fato.

Isso é importante para que a decisão nos casos em que o direito não é suficientemente claro seja a melhor do ponto de vista moral – supondo que seja almejável que o direito seja moralmente correto.

Nesta concepção, os casos são decididos segundo uma teoria da validade jurídica que concilie uma teoria dos precedentes com a melhor teoria moral disponível. Para que não haja conflitos entre elas, uma teoria doutrinária do direito deve ser um caso especial dessa teoria moral. A conclusão de Justice for Hedgehogs[15] a respeito do direito é justamente que uma justificação do direito vigente deve ser parte de uma teoria moral abrangente.

Enfim, de acordo com Dworkin, é a própria noção de interpretação que força tal restrição à teoria do direito. Porém, o próprio filósofo reconhece que a interpretação se manifesta em diversos níveis, e dependendo da função que o discurso normativo realiza no âmbito de uma determinada disciplina. Portanto, Dworkin distinguiu a interpretação conceitual da interpretação explanatória. Pois na primeira, o próprio objeto interpretado é valorativo, na segunda, o que existe é uma imputação de valor na escolha das características mais importantes para caracterizar o objeto.

A ideia de uma interpretação como atividade intelectual que se manifesta de diversas maneiras em diversas disciplinas diferentes não é incompatível com a posição de Putnam. O que também não é incompatível em princípio com a concepção de teoria do direito defendida pelos positivistas.

Se o teórico de direito se dispuser a oferecer um modelo explicativo que seja neutro em relação às suas consequências jurídicas substantivas, ele certamente sentirá a necessidade de ponderar quais são os atributos mais característicos da prática do direito. O filósofo estará fazendo um tipo de juízo de valor, mas que é irrelevante do ponto de vista moral. Por fim, este teórico demonstrará que a tese da unidade dos valores de Dworkin só vincula o pensamento jurídico daqueles que adotam um conceito normativo de direito.

Desenvolvimento

Questiona-se se existe alguma relação entre a racionalidade científica e a racionalidade interpretativa. E, essa é uma questão relevante para que se evidenciasse a posição de Dworkin sobre a ciência do direito. Só se pode esperar que Dworkin viesse a dar prioridade aos problemas de epistemologia.

Afinal, o argumento pela teoria interpretativa do direito apresentado em Justice for Hedgehogs é puramente moral. Não sendo fácil entender o caminho que leva das concepções de vida boa e dos deveres morais à concepção de direito. Simplificando: é um fato que os valores morais compartilhados socialmente sejam na forma de conceitos e estejam sujeitos as profundas divergências. Podem ser elencados diversos sentidos com os quais cada um destes é utilizado.

Esse fato é reflexo da característica própria desses conceitos. Portanto, não há significado que independa de uma teoria normativa apta a justificá-lo. De forma que, a divergência sobre a natureza dos valores aumenta na medida em que a capacidade dos agentes de refletirem criticamente. Ainda, como existe diferença ´

Ainda, como existe uma diferença lógica entre a constatação de um fato e a conclusão moral, a existência de uma pluralidade de concepções para cada conceito não pode, sem mais, ter consequências morais.

É necessário um princípio moral que dê sentido para esta pluralidade. Dworkin defendeu que a forma mais responsável de se compreender os valores é interpretando-os de forma a que eles sejam sempre mutuamente coerentes.

Em síntese, para Dworkin, reinterpretar os conceitos que tenham sentido moral para que a concepção resultante seja defensável dentro de um sistema abrangente de crenças é, por si só, um dever moral.

Dada a dicotomia existente entre fato e valor, esse dever se impõe para todo conceito que tenha relevância moral. O direito é um desses conceitos; afinal, no atual estágio do direito constitucional, sempre é possível questionar a validade de uma norma por meio de argumentos de justiça ou moralidade.

Por tudo isso, Dworkin concluiu que a determinação do significado de direito depende de um argumento moral. Assim, Dworkin demonstrou que a compreensão do conceito de direito depende de um argumento moral.

Mas, toda essa exposição só pode ser um argumento moral também. Ou seja, pode-se dizer que, para Dworkin, há um dever relacionado a pensar o direito segundo uma abordagem interpretativa.

Criticar projetos de descrição de padrões relacionados ao conceito de direito deveria ser dever de todo profissional do direito. Por si só, essa é uma conclusão bastante estranha. Mais importante, não é claro exatamente porque isso deveria impedir as tentativas de propor modelos explicativos aptos a corrigir os usos inadequados do conceito de direito.

Se o argumento de Dworkin é puramente moral, é irrelevante para quem não esteja disposto a justificar, mas apenas descrever, uma concepção de direito. Se, ao contrário, a classificação dos conceitos de Dworkin for moralmente neutra, então ele incorre em inconsistência. Ao optar por um argumento moral, ao invés de um argumento epistemológico, ele acaba com a possibilidade de dialogar com o positivismo.

De qualquer forma, ele tem que lidar com as dificuldades que a dicotomia entre fato e valor impõe, principalmente considerando que ele se propõe a defender a objetividade no lado dos juízos de valor. Uma caracterização mais flexível da experiência resolveria parcialmente os problemas de Dworkin.

Dworkin não precisava fundar a possibilidade de conhecimento moral no princípio de Hume. A distinção entre ramos da atividade intelectual tem um valor pragmático. Para Putnam, assim como para os filósofos pragmatistas[16], a dúvida exige tanta justificação quanto a crença. Deve-se, portanto, priorizar as práticas discursivas consagradas pelo uso. É nesse sentido que Putnam aplica o argumento da indispensabilidade ao discurso moral.

As indisposições metafísicas causadas pela pressuposição da existência de valores objetivos não é motivo suficiente para comprometer a validade da visão ordinária da moralidade. Os discursos normativos, aspecto indispensável de qualquer prática social, pressupõem que os juízos de valor podem ser verdadeiros ou falsos. Portanto, a pretensão de objetividade dos julgamentos de valor está justificada.

Como se constatou, Dworkin ignorou coincidências entre disciplinas normativas e descritivas, que deveriam levantar suspeitas sobre a natureza estritamente interpretativa do conceito de direito. Existem situações nas quais o que realmente existe no mundo depende, parcialmente, de escolhas teóricas.

Assim, a sugestão de Dworkin de uma oposição entre meros fatos (bare facts) e propriedades morais supervenientes não é satisfatória. O mundo dos fatos é também, em alguma medida, determinado pela mente humana.

Além disso, a investigação científica é pontuada, em diversos níveis, por escolhas orientadas por valores. O que Dworkin chama de interpretação explanatória contamina diversas atividades intelectuais.

Tanto os valores epistêmicos[17] nas ciências em geral quanto escolham das características relevantes na análise conceitual são inseparáveis da investigação em si. Portanto, em última análise, o que distingue as disciplinas normativas das disciplinas descritivas é quais valores estão presentes e, em que medida eles determinam o objeto de estudo[18].

Conclusão

Voltando ao conceito normativo de direito de Dworkin, agora torna-se possível contrapor uma abordagem alternativa para a categoria dos conceitos interpretativos. Putnam sustenta que todo o conceito está sujeito a ser corrigido por força de uma teoria que explique suas características relevantes.

Portanto, deve ser possível que existam teóricos que busquem a melhor compreensão das práticas que são verdadeiramente jurídicas, sem se preocuparem com o conteúdo dos argumentos morais que se fazem notar em situações específicas.

Se for aceita a imagem segundo a qual existem níveis de valoração em todas as formas de investigação, então, pode-se aceitar também que a explicação do conceito de direito dependa de juízos de valor unicamente na definição de quais são os aspectos relevantes da prática.

Dworkin foi levado a tratar o direito como um ramo da moralidade em dois momentos: ao opor interpretação e ciência, identificando aquele com a forma de investigação típica dos juízos morais; e, ao tratar o problema da relação do direito com a moral como um que não pode ser resolvido de forma neutra.

Esta última conclusão, só faz sentido se a primeira for verdadeira. O problema do limite entre direito e moral só é interpretativo, se for pressuposta a distinção entre conceitos interpretativos e conceitos criteriais. Para o intérprete-participante, a validade jurídica das normas é uma função de sua justificação.

Como se analisou, o interpretativismo[19] não pode se pretender exclusivo. O que Dworkin sustentou, sendo assim que deve ser interpretada a sua obra[20] posto que exista um conceito de direito que seja normativo e produto de uma teoria moral abrangente, e que sua melhor concepção é a interpretativa.

Assim, o positivismo e o interpretativismo não podem ser opostos, pois têm objetos diferentes.

Dworkin poderia argumentar, ainda, que a experiência humana como entendida como noção interpretativa tanto que determinados conceitos só podem ser abordados interpretativamente.

Dessa forma, Dworkin estaria reconstruindo todos as situações apresentadas por Putnam de forma que elas representassem uma imbricação entre juízos de fato e de valor, apesar das aparências.

Assim, Dworkin poderia sustentar que o positivismo deve ser rejeitado de plano, por adotar uma abordagem metodológica inadequada. Isso, claramente não resolve o problema, só o leva um passo atrás.

O positivista pode oferecer uma explicação da natureza da investigação que não seja normativa, e assim é restabelecido o hiato entre investigação normativa e descritiva.

Novamente, o interpretativista é levado a apresentar uma teoria moral que incorpore a concepção de experiência, e o positivista pode sustentar que não afirma como deveria ser a investigação, mas tenta retratar da melhor forma possível como de fato ela se dá.

Se Dworkin pensou que pode adotar uma posição epistemologicamente neutra em relação à qual é a melhor forma de se conduzir uma investigação, está incorrendo em uma forma análoga do arquimedianismo que tanto se propôs a combater.

Os pragmatistas[21] perceberam que a interpretação é um fenômeno recorrente nas atividades intelectuais. É difícil entender como uma noção de responsabilidade moral exija algo como rejeitar toda a tradição filosófica do positivismo jurídico como um erro de categoria.

O que Justice of Hedgehogs ofereceu para a compreensão da atividade do teórico do direito é que em face a unidade dos valores, não existe distinção clara entre direito e moral. Pois ambos são parte do mesmo tipo de atividade intelectual e se distinguem apenas pelo objetivo a que servem.

Justice for Hedgehogs resolveu a dificuldade das duas teorias morais – a da moralidade pública em geral e a da justificação do direito vigente – fazendo da última um caso especial da primeira.

Dworkin já havia sugerido essa ideia ao tratar da escalada justificatória na decisão judicial, mas ainda não havia enunciado uma teoria moral abrangente, que integrasse teoria do direito, teoria do conhecimento moral e seus argumentos em temas mais concretos de filosofia normativa. Sem isso, ele estaria vulnerável aos críticos que atacassem a sua concepção de direito desde diferentes teorias da moralidade pública.

De fato, em grande parte de seu livro, Dworkin se dedicou a esclarecer e a defender aspectos específicos de sua teoria da moralidade, tais como a ideia de conceitos interpretativos e de responsabilidade moral, que são indispensáveis para sua concepção de teoria do direito.

Assim, ao ampliar o interpretativismo ao nível de uma teoria para discurso normativo em geral, Dworkin demonstrou que sua concepção de direito decorre de uma teoria moral ampla.

Com Justice for Hedgehogs, Dworkin completou seu trabalho de adequar a sua concepção de direito a uma teoria moral. Abrangente em Justice for Hedgehogs o filósofo criticou o positivismo por fugir de uma teoria jurídica ou moral do direito através da análise conceitual.

Em Justice in Robes, por outro lado, defendeu que se trate o estudo dos valores políticos como uma atividade conceitual e normativa. Tais valores teriam uma estrutura profunda, tal como “tigre” se refere a um ser com uma identidade genética própria. Assim como o uso de “tigre” pode ser corrigido pelo conhecimento do DNA do animal a que se refere, os conceitos de justiça e liberdade teriam também uma essência capaz de regular seus usos.

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[1] Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1992) foi magistrado britânico e filósofo do direito, conhecido por seu trabalho no estudo da moral e da filosofia política. O mais célebre trabalho foi “O conceito de Direito” (The Concept of Law) de 1961 que se tornou uma referência para a filosofia do direito de tradição analítica. Esta obra transformou o modo como era compreendida e estudada a Teoria Geral do Direito, comumente apresentada como ‘Jurisprudence” no mundo de língua inglesa e fora dele. Para o doutrinador, o intuito da obra era o de aprofundar a compreensão do direito, da coerção e da moral como fenômenos sociais distintos, enquanto relacionados, podendo ser considerada, de acordo com suas palavras como um ensaio sobre a teoria jurídica analítica. A obra é uma crítica às deficiências do modelo simples de sistema jurídico, constituído segundo as linhas da teoria imperativa de John Austin, fundamentada e seguida por outros doutrinadores do século XIX, como Sir William Markby Hart inicia sua argumentação apontando que a argumentação até então desenvolvida por notórios juristas não foi capaz de dar resposta e uma questão central, qual seja: “ O que é o direito?”, já que a tentativa mais clara e mais completa de análise do conceito de direito em termos de elementos aparentemente simples de comandos e hábitos, feita por John Austin, não demonstra a diferença essencial entre ser obrigado a e ter uma obrigação de. É famosa sua negação de definir o direito de maneira clara, questionando a possibilidade e utilidade de uma definição genérica. A noção de obrigação desenvolvida por Hart implicará na diferenciação de uma perspectiva interna (participante) e externa (observador), fornecendo uma análise dos conceitos do direito e do sistema jurídico por meio de uma discussão do modo pelo qual as regras de conduta humana são usadas como standards sociais de comportamento. Esses standards são frequentemente combinados em conjuntos sistemáticos complexos, dentro dos quais os conceitos do discurso jurídico são compreensíveis e se tornam aplicáveis a contextos sociais apropriados. É igualmente famosa sua análise sobre as normas secundárias que determinam a criação e aplicação das normas primárias sobre a conduta das pessoas. A obra “O Conceito do Direito” causou tamanho impacto que deu origem a uma multiplicidade de publicações discutindo a argumentação desenvolvida não só no contexto da Teoria Jurídica, como também no da Filosofia Política e da Filosofia da Moral. Em virtude de sua própria argumentação, Hart é classificado como positivista da corrente inclusivista que não exclui totalmente a moral da definição do direito, contrapondo-se a positivistas da corrente exclusivista, liderada por seu aluno Joseph Raz. Tal afirmação traduz-se no prefácio de sua obra “O Conceito de Direito”, quando o autor afirma que, embora o estudo seja dedicado primariamente aos estudantes de direito, também pode servir àqueles cujos interesses recaem na filosófica moral ou política. A teoria de Hart sofreu críticas tanto de moralistas como até de seus próprios seguidores, sugerindo o aperfeiçoamento de seus conceitos. Nesse sentido, torna-se famosa sua polêmica com representantes do moralismo jurídico como Lon Fuller e Ronald Dworkin e até com seu pupilo Neil MacCormick. Sendo caracterizado como perfeccionista meticuloso segundo aqueles que bem o conheciam, o intuito do autor era o de dar respostas às muitas discussões sobre suas obras, defendendo sua posição contra os que erroneamente o interpretaram e até aceitando as críticas justificadas, sugerindo mudanças em sua doutrina. Um exemplo de resposta às críticas pode ser encontrado no pós-escrito da obra “O Conceito de Direito”, que contém respostas ponderadas a muitos argumentos de Ronald Dworkin. A principal crítica de Lon L. Fuller à Teoria Geral do Direito de Hart era a ausência de qualquer elucidação da moral interior, o que seria elemento intrínseco de tudo o que possa ser reconhecido como Direito, gerando um marco no debate jurídico anglo-americano no final da década de 1950, com a publicação na Harvard Law Review, de uma controvérsia entre os autores sobre se o direito é ou não essencialmente moral em sua natureza interna.

[2] Sendo a interpretação o elemento central da teoria de Dworkin, o interpretativismo pode ser descrito como a teoria da prática interpretativa como meio de descobrir quais fatos políticos são importantes para a definição do direito. A corrente, conhecida hoje como interpretativista, vem defendendo, ainda, uma posição conversadora – como faz, por exemplo, grandes expoentes como o juiz Robert Bork e o Justice Antonin Scalia – na qual atestam que o intérprete, mas, principalmente, os juízes, ao interpretar a Constituição, devem se limitar a captar o sentido dos preceitos expressos ou, pelo menos, tidos como claramente implícitos (textura semântica). Sendo assim, ao interpretar a Constituição, o leitor tem de ter os olhos voltados apenas para o texto constitucional que se situa à sua frente, tendo como limite máximo de abertura uma busca pela intenção dos fundadores. Alegam que dar um passo para além das molduras do texto seria subverter o princípio do rule of Law, desnaturando-o na forma de um direito feito por magistrados (law of judges). Isso se mostraria imperativo no controle judicial dos atos legislativos, que deveria ser limitado à moldura constitucional sob alegação de violação do princípio democrático (fato da lei ou ato legislativo ter sido feito contando com apoio de uma maioria dos membros do órgão).

[3] Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e porque são. Um juízo de fato é uma afirmação que se propõe a retratar ou descrever algum aspecto da realidade. Um juízo de fato é qualquer afirmação que pode ser verdadeira ou falsa, dependendo do fato de existir ou não a realidade descrita pela afirmação. Já o juízo de valor constitui avaliações sobre coisas, pessoas, situações, e são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião, enfim, em todos os campos da existência social do ser humano. O juízo analítico é aquele em que o “predicado” não acrescenta nada ao sujeito, enquanto os juízos analíticos são universais a priori. Um juízo de valor, por outro lado, não pretende descrever um aspecto da realidade, mas avaliar esse aspecto como bom ou ruim. Juízos de valor, ao contrário, são normativos ou prescritivos. Estes são usados, na maioria das vezes, para influenciar o comportamento das pessoas. Os juízos sintéticos, tem o todo interferindo no indivíduo, ou seja, o predicado no sujeito. Vale ressaltar que Kant desenvolveu um caminho que não seguia nem o empirismo de Hume e o racionalismo de Descartes, refletindo diretamente em um conhecimento prévio, que surge sem a necessidade de experiências profundas.

[4] A dicotomia entre fato e valor é questão estrutural e revela a forma como enxergamos o conhecimento humano atualmente. Hilary Putnam em sua obra “The Collapse of the Fact/Value Dichotomy and Other Essays” publicado em 2002 tratou da sequência de palestras e artigos onde defendeu que não haveria uma dicotomia rígida entre fato e valor, mas sim, um entrelaçamento e uma indissociabilidade. A noção de dicotomia veio ser defendida historicamente, remontando ao duelo entre o racional e o empírico, exposto por David Hume e Descartes. Putnam, enfrentou cada um desses na tentativa de provar que nenhuma forma de dicotomia se sustenta plenamente quando se aborda o tema como cognição e semântica dentro da mente humana.

[5] A interpretação de uma prática social é semelhante à interpretação literária criativa, tendo em vista que os intérpretes da prática, ao analisá-la, não procuram desvendar as intenções de cada um dos seus participantes, mas sim, buscam identificar a intenção comunitária, por assim dizer, na qual se funda determinada prática social. Portanto, há, uma distinção entre interpretar os atos individuais de cada um dos participantes da prática social e interpretar a própria prática social em si, ou seja, qual é o seu significado.

[6] O conceito de comunidade personificada está no centro da concepção do direito como integridade. Para Dworkin, a comunidade não é uma somatória de agentes que visam atingir seus interesses, mas está relacionada à “ideia de que a comunidade como um todo tem obrigações de imparcialidade para com seus membros, e que as autoridades se comportem como agentes da comunidade ao exercerem essa responsabilidade”.

[7] O direito como integridade apresenta um pressuposto formal, a ideia de adequação, e um pressuposto substancial, a ideia de justificação. A primeira refere-se como a interpretação produzida pelo juiz se adequa à história institucional da prática jurídica, enquanto a segunda requer que o juiz escolha a interpretação que melhor reflita a intenção do texto ou aquela que pode fazer da prática a melhor possível. Além disso, o direito como integridade traz a marca da moral e da história institucional da comunidade, uma vez que na interpretação estão presentes as convicções morais e políticas dos juízes que servem de parâmetro para se alcançar a coerência que deve existir entre as decisões presentes e futuras com as decisões passadas (os precedentes).

[8] Hilary Whitehall Putnam (1926-2016) filósofo norte-americano e, um dos expoentes da filosofia ocidental desde a década de sessenta, especialmente em filosofia da mente, filosofia da linguagem e filosofia da ciência. Na filosofia da mente, Putnam é conhecido pelos seus argumentos contra a identidade-tipo dos estados mentais e físicos, baseado nas suas hipóteses da realização múltipla da mente, e pelo conceito de funcionalismo, uma teoria influente sobre o problema corpo-mente. Na filosofia da língua, com Saul Kripke e outros, ele desenvolveu a teoria causal da referência, que aplicou principalmente aos termos de espécie natural como água, tigre, olmo e etc. Formulou uma teoria original do significado que tenta levar em consideração a linguagem o mundo e a sociedade, criando com isto uma noção de externalismo semântico, baseado num famoso pensamento experiente chamado Terra Gêmea (ou Twin Earth). Entretanto, Putnam já não acreditava mais nos resultados deste experimento mental. No experimento mental sobre a formiga que desenha Churchill, Putnam nos conta o cenário de uma formiga que está caminhando em um trecho de areia. Conforme ela caminha, ela traça uma linha na areia. Por acaso a linha que ela traça deixa um rastro de curvas e cruzamentos que acaba parecendo uma caricatura da efígie Winston Churchill. Putnam questiona retoricamente se a formiga realmente traçou na areia uma fotografia do rosto de Winston Churchill. Podemos afirmar veridicamente que a formiga criou uma imagem que retrata Churchill? Embora nós possamos reconhecer a figura do estadista britânico, segundo Putnam, a maioria das pessoas, com uma pequena reflexão, diriam que não podemos afirmar que a formiga procurava representar tal personalidade. A formiga criou uma imagem que retrata Churchill? A formiga, afinal, nunca viu Churchill, ou nem mesmo viu uma imagem de Churchill, e podemos acrescentar a isto que ela não tinha a intenção de retratar Churchill. Ela simplesmente traçou uma linha que podemos “ver como” uma imagem de Churchill. Embora os rastros deixados pelo inseto assemelham-se a ele, não podemos afirmar que a formiga procurava representar tal personalidade. Podemos expressar isso dizendo que a linha não é “em si” uma representação de alguma coisa ao invés de qualquer outra coisa. A semelhança com as feições do rosto de Winston Churchill não é suficiente para fazer algo representar ou se referir a Churchill. Nem é necessário formato gráfico impresso “Winston Churchill”, ou a palavra falada “Winston Churchill”, e muitas outras coisas são usados ??para representar Churchill, apesar de não ter o tipo de semelhança com Churchill que uma imagem da formiga tem. Se semelhança não é necessária ou suficiente para fazer algo representar algo mais, como alguma coisa pode ser necessária ou suficiente para essa finalidade? Como representar uma coisa (ou elas representam, etc) com uma coisa diferente? A resposta parece ser fácil. Suponha que a formiga tinha visto Winston Churchill, e suponha que teve a inteligência e habilidade para desenhar uma imagem dele. Suponha que a caricatura foi produzida intencionalmente. Então as linhas na areia representariam Churchill.

[9] Putnam, sob clara inspiração wittgensteiniana pós-Tractatus, acredita que os positivistas lógicos erram ao reconstruir uma visão de ciência pautada numa distinta separação entre termos valorativos e termos descritivos. Combater esse pseudoargumento tornou-se, certamente, um dos elementos fulcrais da sua virada realista – a questão de como a linguagem se conecta com a realidade – uma vez que Putnam esteve comprometido com a visão de que a verdade é uma questão de simplesmente descobrir e afirmar o que é o caso, num mundo que existe independentemente da mente humana. Nesse sentido, Baghramian enfatiza, referindo-se a Putnam, três princípios de sua visão sobre o realismo científico que mostrariam os (pseudo)problemas derivados da relação entre as teorias científicas (mente) e a realidade (mundo): Princípio da Referência: termos utilizados em teorias científicas maduras tipicamente referem; Princípio da Verdade: teorias científicas maduras são (aproximadamente) verdadeiras; e, Princípio da Convergência: novas teorias não substituem aquelas antigas, mas são construídas sobre elas.

[10] Existem três tipos de conceitos para Dworkin: conceitos criteriais, conceitos naturais e conceitos interpretativos. São chamados conceitos criteriais aqueles nos quais geralmente as pessoas estão em acordo ou utilizam os mesmos critérios para identificar alguma coisa. É o modo como conhecemos os objetos, os significados através do nosso entendimento ou percepção generalizada das coisas, ou seja, não há questionamento quando definimos o que é um triângulo, pois todos responderão que é uma figura de três lados. Mas é necessário enfatizar, que isso representaria uma situação normal, pois não há muito o que questionar quando cogitamos da tipologia de conceitos criteriais. Entretanto, essa concepção criterial é insuficiente pelo fato de não dar significado a todos os conceitos, e os próprios conceitos que poderiam dar um significado criterial a determinada palavra se tornaria um equívoco, pois, o significado encontrado num primeiro momento não seria o melhor e não daria a resposta esperada, pois a situação que surgiu exige uma complexidade maior, e esses conceitos que inicialmente pareciam ser criteriais passariam a ser enquadrados a uma nova classe de palavras: os conceitos naturais. “Os tipos naturais são coisas que têm uma identidade fixa na natureza, como um composto químico ou uma espécie animal, e que as pessoas partilham um conceito tipo natural, quando utilizam esse conceito para se referirem ao mesmo tipo natural”. Esse tipo de conceito parece um quanto mais complexo que os conceitos criteriais, porém com certa facilidade podemos identificá-lo, pois o que predomina é a “essência natural” do objeto em questão, é o que acontece quando falamos por exemplo de uma árvore ou de um animal, geralmente para compreender essência desses objetos (conceitualmente) precisa-se recorrer aos aspectos naturais e também a composição biológica dessas espécies.

[11] De uma forma ou de outra, o princípio do holismo foi discutido por diversos pensadores ao longo da História. Nomeadamente, pelo primeiro filósofo que o instituiu, para a ciência, que foi o francês Augusto Comte (1798-1857) ao sobrepor a importância do espírito de conjunto (ou de síntese), sobre o espírito de detalhes (ou de análise), para uma compreensão adequada da ciência em si e de seu valor para o conjunto da existência humana. Entretanto, já no nosso tempo, o sociólogo e médico Nicholas A. Christakis explica que “nos últimos séculos o projeto cartesiano na ciência tem sido insuficiente ou redutor ao pretender romper a matéria em pedaços cada vez menores, na busca de entendimento. E isso pode funcionar, até certo ponto … mas também recolocar as coisas em conjunto, a fim de entendê-las melhor, devido à dificuldade ou complexidade de uma questão ou problema em particular, normalmente, vem sempre mais tarde no desenvolvimento da pesquisa, da abordagem de um cientista, ou no desenvolvimento da ciência”. A hipótese desenvolvida sugere que o “fenômeno” do emaranhado fato/valor concebido por Putnam pressupõe aspectos filosóficos fundamentais do holismo pragmatista (união entre teoria e prática) de Dewey. O holismo de significado diz que quanto mais o contexto puder reagir, melhor será a hipótese sobre o que uma palavra significa. Portanto, eles estão interligados por sua conexão mútua com a contextualidade, ao fato de que o significado de uma palavra é algo que ela possui, como diz Frege, no contexto de uma sentença, ou, como diz Wittgenstein em dois lugares, ‘na corrente da vida’, que é meu favorito princípio do contexto. Eu o chamo de princípio do contexto de Wittgenstein.”.

[12] Em epistemologia, justificação é um tipo de autorização a crer em alguma coisa. Quando o indivíduo acredita em alguma coisa verdadeira, e está justificado a crer, sua crença é conhecimento. Assim, a justificação é um elemento fundamental do conhecimento.

[13] Este processo de interpretação é realizado pelo julgador a partir da figura do juiz Hércules. Este é um juiz imaginário que conhece a letra da lei, que aceita o direito como integridade, tem conhecimento de que os legisladores devem decidir sobre questões de ordem política, e tem ciência que as decisões passadas são parte da história da comunidade que ele precisa interpretar e continuar, com a finalidade de dar o melhor andamento possível. Hércules é um juiz mítico que seria capaz de desenvolver a resposta que produza consonância entre a intenção legislativa e os princípios jurídicos. Para tanto, os juízes devem tomar suas decisões com base em princípios, não em política, devem apresentar argumentos que digam por que as partes realmente teriam direitos e deveres legais “novos”.

[14] Partir do parentesco entre moral e direito, instituições sociais que desempenham a mesma função normativa básica: realizar a coordenação entre as ações de diferentes atores sociais, viabilizando a cooperação social; apresentar o direito moderno e suas principais funções na sociedade contemporânea e explicitar a relação entre direitos humanos e soberania popular, sugerindo que um depende do outro no que concerne à prática de autodeterminação democrática dos cidadãos. In: SCHUMACHER, Aluísio A. Sobre Moral, Direito e Democracia. Disponível em:  https://www.scielo.br/pdf/ln/n61/a05n61.pdf Acesso em 6.3.2021.

[15] Abordando outro porco-espinho famoso, a obra intitulada “O dilema do porco-espinho”, de autoria de Leandro Karnal que viaja pela modernidade líquida e analisa a solidão no mundo virtual e o isolamento. Discute dos amigos imaginários criados pelas crianças aos pensamentos de alguns filósofos, como Aristóteles, que dizia que a solidão criava deuses e bestas. Karnal ainda discorre a respeito de como a modernidade que trouxe as redes sociais, facilitou com que as pessoas tomassem uma distância “segura” umas das outras, sem serem completamente sozinhas. No mundo virtual, cada pessoa pode conversar com quem quiser e, interromper esta mesma conversa sem maiores danos para ambos. Mas ao mesmo tempo, o quanto isso afasta cada um e a solidão real se faz presente. Karnal também cita como a solidão ajudou na produção de grandes obras, citando esse controverso sentimento em autores mundialmente famosos. Algumas das obras são citadas, como é o caso de O conde de Monte Cristo, Hamlet, Dom Quixote, Robinson Crusoé, Moby Dick, O morro dos ventos Uivantes, Paixão de G.H, entre tantos outros. O ponto mais interessante do livro é que Leandro Karnal não desenvolve a problemática da solidão pura e, simplesmente, mas como ela se manifesta inclusive nos dias atuais, com a tecnologia cada vez mais desenvolvida.

[16] O pragmatismo jurídico é um fenômeno que está cada vez mais presente na atuação do judiciário brasileiro, em virtude do ativismo judicial. Importa, contudo, em grandes adaptações ao sistema jurídico estabelecido pela ordem constitucional, exigindo uma reflexão a respeito dos efeitos do crescente uso do Pragmatismo Jurídico no contexto das decisões judiciais. Demonstrável é como o pragmatismo jurídico tem influenciado as decisões do Supremo Tribunal Federal, quando se tratam de questões de grande relevância social e política, a fim de apontar que é possível alcançar um equilíbrio entre o pragmatismo jurídico e a hermenêutica tradicionalmente utilizada na interpretação e aplicação das leis. In: D’MACEDO, Juliana Maria. Pragmatismo Jurídico no Supremo Tribunal Federal. Disponível em:  http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/07.pdf Acesso em 6.3.202.

[17] “O valor epistêmico é o grau de certeza ou convicção associado a uma composição. Toda proposição tem, portanto, um valor epidêmico pelo simples fato de que seu conteúdo ser considerado como pertencente a uma opinião, crença ou suposição comum, ou evidência ou fato, ou uma conversão, etc.

[18] Dworkin ao relatar a tarefa do juiz normal que pretende adotar o método de Hércules, in litteris: […] “Deve considerar provisórios quaisquer princípios ou métodos empíricos gerais que tenha seguido no passado, mostrando-se disposto a abandoná-los em favor de uma análise mais sofisticada e profunda quando a ocasião assim o exigir. Serão momentos especialmente difíceis para qualquer juiz, exigindo novos juízos políticos aos quais pode ser difícil chegar. Seria absurdo imaginar que ele sempre terá à mão as convicções de moral política necessárias a tais ocasiões. Os casos muito difíceis vão forçá-lo a desenvolver, lado a lado, sua concepção do direito e sua moral política, de tal modo que ambas se deem sustentação mútua. Não obstante, é possível que um juiz enfrente problemas novos e desafiadores como uma questão de princípio, e é isso que dele exige o direito como integridade. Deve admitir que, ao preferir finalmente uma interpretação a outra de uma série de precedentes muito contestada, talvez depois de uma reflexão que o leve a mudar de opinião, ele está desenvolvendo sua concepção aplicável do direito em uma direção, e não em outra. Esta deve parecer-lhe a direção certa em matéria de princípios políticos, e não uma atração passageira, por proporcionar uma decisão atraente no caso presente. Conclui-se que o juiz Hércules é a figura que melhor resume as ideias e aspirações de Dworkin acerca da interpretação jurídica, isto é, a figura idealmente concebida para promover o direito como integridade por encarnar os valores que dão base à sua proposta paradigmática de direito”.

[19] Já a segunda corrente interpretativista, que está em franco crescimento, de maneira geral, ainda que pesa uma constelação de divergência internas, preza mais pela concentração dos direitos consagrados do texto constitucional que por sua interpretação formalista. Princípios de justiça, de liberdade e igualdade deveria significar muito, compondo o projeto constitucional de uma sociedade que se preze democrática, ao invés de uma subserviência cega a uma leitura redutora do princípio democrático. Enquanto os interpretativistas vão afirmar que a solução adequada, constitucionalmente, para os conflitos que surgem na seara jurídica deve ser buscada e trabalhada na intenção de criadores da Constituição, os não-interpretativista, em geral, irão buscar as respostas nos valores e tradições advindos da própria sociedade.

[20] Sobre a obra intitulada de A raposa e o porco-espinho de Ronald Dworkin, uma questão pende logo de início, e se relaciona diretamente com o inusitado título da obra “A raposa e o porco-espinho”, principalmente para os leitores não-filósofos. Trata-se, com efeito, de uma alusão à obra do grande filósofo político, de origem judaico-russa, Isaiah Berlin, publicado na primeira metade da década de cinquenta do século passado. Conforme o autor, extraindo passagem clássica do poeta grego Arquíloco, “a raposa sabe muitas coisas; o porco-espinho sabe uma só, mas muito importante”. Na visão de Dworkin, há muitas décadas que a raposa manda na filosofia literária e acadêmica de tradição anglo-americana, designadamente através de um ceticismo subjetivista e pluralista arraigado numa cosmovisão cientificista e metafísica dos valores éticos e morais. Portanto, defende-se, desde uma teoria integracionista, a interdependência da moral e da ética, e, por sua vez, a independência da veracidade dos juízos de valor em relação à física, à biologia e à metafísica. Neste sentido, nossos juízos de valor podem ser realmente concretos e verdadeiros, desde que fundamentados em argumentos (e não provas) coerentes entre si a partir de uma necessária integridade axiológica. Na moral política, a integração seria uma condição necessária da verdade. Não é possível sustentar concepções definitivamente persuasivas dos diversos valores políticos a menos que essas concepções de fato se encaixem entre si. Quem ganha fácil demais é a raposa: é a sua vitória aparente, hoje tão celebrada, que é oca. In: FUHRMANN, Ítalo Roberto. A Raposa e o Porco-Espinho. Disponível em:  https://www.researchgate.net/publication/333225323_A_Raposa_e_o_PorcoEspinho_Justice_for_Hedgehogs Acesso em 6.3.2021

[21] O pragmatismo, portanto, rompe com os debates abstratos, orientados por valores morais e filosóficos e toma como válidas as análises empíricas dos resultados práticos de determinados conceitos ou ações humanas e de suas consequências sociais. A racionalidade e objetividade sugeridas pela teoria pragmatista constitui-se não somente em uma teoria de direito, mas, sim, em uma teoria da atividade judicial.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Crítica ao pensamento de Ronald Dworkin. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/critica-ao-pensamento-de-ronald-dworkin/ Acesso em: 12 nov. 2024