Filosofia do Direito

Considerações sobre o Poder no contexto social

João do Nascimento*

O objetivo do presente texto é discutir sobre o Poder imerso nas estruturas políticas, econômicas, funcionais e de influência, com base em ideias de Hannah Arendt, Michel Foucalt, Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes.

O poder, assim como o dinheiro é apenas um conceito, seu exercício prático serve para demonstrar a nossa capacidade e nossas limitações. O que mais fascina o homem na face da terra é o exercício do poder, seja ele econômico, exercício pelo grande capital estampado nos grandes bancos e empresas, o poder político dos cargos oriundos do voto democrático, o poder funcional, aquele que os cargos ou funções proporcionam, este em especial traz implícito um grande risco para aqueles que o exercem pois pode exteriorizar os traços mais nefastos de sua personalidade.

Temos ainda o poder na sua versão recriada que é o poder de influenciar, tão característico da imprensa e dos órgãos de Comunicação social, como é o caso dos influenciadores digitais que arrastam milhões de seguidores nas mídias sociais.

O exercício do poder tem muito da personalidade daquele que o exerce, como foi dito anteriormente, o poder fascina, serve para demonstrar a capacidade de um ser humano ou mesmo para mostrar suas limitações; o poder pode levar uma organização a glória ou mesmo ao esdrúxulo e a mesquinharia, dependendo das condutas ou das culturas de grupos ou mesmos os valores que se despejam sobre o mercado, no exercício do poder econômico.

Ninguém está preparado para o exercício do poder mas os traços de personalidade e experiência ajudam muito, pois há algumas virtudes que são essenciais ao bom exercício do poder, por exemplo não tem como cobrar o exercício justo do poder por alguém que não cultiva na sua personalidade a justiça como rainha das virtudes humanas; assim como não pode cobrar o respeito à dignidade humana por parte de alguém que não conhece e não pratica o respeito e a tolerância como valores essenciais para uma boa convivência social.

Caros leitores, estes breves comentários são direcionados a todos aqueles que direta ou indiretamente exercem algum poder ou são influenciados pelo exercício de poder econômico, político, funcional ou de influência.

Quanto mais se respeita normas no exercício do poder mais harmonia social se constrói e menos litigância Judicial se promove. O exercício do poder é um reflexo daquele que representa o poder, por isso quanto mais justo, mais tolerante, mais democrática for a pessoa melhor a adaptação para um bom exercício do poder.

No exercício do poder ser democrático não é fazer operar a política do laissez Faire, laissez passer, le monde va lui meme, os seja, o deixa fazer, deixa passar, o mundo vai por si mesmo; democracia não é isso, mas o predomínio do diálogo, da empatia, da tolerância e da justiça, pois só assim poderemos objetivar a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária nos termos da Constituição como norma mãe que conforta seu povo como essência de um Estado.

Lembrem-se o exercício do poder não pode ser interpretado como autorização para o arbítrio ou para o cometimento de atrocidades contra pessoas em situação desfavorável, pelo contrário nenhum homem ou mulher no Estado Democrático de Direito está autorizado a fazer justiça com as próprias mãos, ou utilizar de cargos políticos, econômicos ou de carreiras para satisfazer desejos nefastos internalizados no lado obscuro da mente humana.

O ser humano é efetivamente aquilo que ele pratica ao longo de sua vida, e o que faz de bom se projeta na sua história de vida. O ser humano é fruto de suas ações, e por falar em ações ou condutas, não se esqueçam todas as condutas boas ou ruins trazem consequências.

Recapitulando, o poder é apenas um conceito e o seu exercício depende muito dos valores, virtudes e experiências de vida.

O exercício do poder está ligado a legalidade, a moralidade Administrativa, a conveniência, legitimidade, repercussão positiva perante uma coletividade, e acima de tudo a capacidade de diálogo e empatia perante os semelhantes.

O poder não é um conceito vazio, mas um complexo de enigmas que são desvendados no seu exercício prático cotidiano, o verdadeiro poder não emana da lei, mas da capacidade daquele que exerce o poder, em desempenhá-lo com eficiência.

Poder não é a capacidade de mandar, mas a capacidade de diálogo para o convencimento de uma coletividade. O maior instrumento do poder não está numa canetada assinando um documento do desempenho das funções, mas o diálogo sensato para o convencimento e a resolução de conflitos sociais e interpessoais.

O poder não pode ser instrumento legitimador da violência, não digo somente a violência física, mas toda e qualquer violência contra alguém em situação desfavorável, Maquiavel diria que o Poder está ligado ao potencial do soberano conduzir bem os rumos do Estado soberano, mesmo que os meios empregados alcancem os fins esperados. A teoria política de Maquiavel está inteiramente ligada ao exercício do poder pelos agentes políticos que compõem a estrutura institucionalizada do Estado.

O poder é sempre enigmático pois envolve as nuances da conduta humana, que as vezes pode ser profana, mundana e deixa de lado as virtudes humanas tais como a justiça, a ética no exercício prático do poder, mas afinal o que de fato é ética? De forma simples pode-se dizer que a ética é balizadora do comportamento humano; ética então seria agir corretamente, fazer o certo sem que alguém esteja vigiando ou fiscalizando.

No universo político de Maquiavel o poder não está ligado sorte e a fortuna, mas ao destino e a necessidade do bem gerir os negócios públicos. A boa gestão da coisa pública promove legitimidade de toda política humana. O olhar de Maquiavel sobre a estrutura política mostra que o ser humano prescinde dessa política que deve ser cada vez mais comprometida com os acertos do governante no exercício do poder a ele conferido.

O exercício do poder, seja no âmbito político, econômico, funcional ou de influência, leva os atores em pleno exercício do poder a conhecer mais sobre as vicissitudes se impregnaram ao conceito de poder ao longo do temo, de forma a promover um descortinamento do mundo mostrando que o fazer humano é permeado de incertezas.

Assim, um bom soberano não pode permitir que o exercício do poder seja campo fértil para proliferação e exteriorização da maldade humana de forma institucionalizada, Thomas Hobbes diria que o poder é o conhecimento das estruturas que conferem legalidade para o exercício da vida prática, por isso, o homem não pode ser o lobo do próprio homem, isto pelo menos enquanto perdurar o domínio do Leviatã, o Estado, pois a função estatal dentro do sistema das estruturas de poder é promover uma sensação de bem estar social, onde o exercício do poder será apenas uma devolução ao contexto social através de serviços de interesse público prestados.

O contrato social estabelecido entre sociedade e Estado não pode perder de vista as cláusulas de bom exercício do poder, pois estas são essenciais para uma conditio sine qua non de Estado verdadeiramente democrático com espaço para o diálogo em busca do bem-estar social como meta e uma boa gestão dos recursos públicos como fim.

Política, moral e ética não se confundem, mas estão muito próximos. Pode-se dizer que política é o exercício do poder legitimo conferido pelo povo enquanto elemento essencial do Estado para que o agente político ou o governante possa conduzir com maestria os recursos públicos para a satisfação das necessidades sociais, então Estado no seu viés político está bastante preocupado em gerir recursos para a satisfação das necessidades das pessoas, pelo menos deveria ser essa a preocupação central.

Já a moral está mais preocupada com as condutas e formas de agir que podem socialmente ser aceitar como padrões comportamentais padronizados, fora das heresias cotidianas, a moral tem seu aspecto focado na aprovação social do fazer humano, para o campo da moral basta seguir aquilo que a sociedade entende como socialmente aceito.

A ética é mais preocupada com valores essenciais para um agir dentro de um patamar de legitimidade, na qual as condutas se ligam inteiramente aos propósitos político-sociais pois visam a atender as demandas e anseios do contexto social, seja por estar de acordo com as normas, seja por coadunar com os propósitos de determinada gestão da coisa pública, afinal nenhum agente público ou político que seu nome vinculado a um desvio ético pois na sua essência esses desvios são acompanhados de uma sanção ou improbidade administrativa, diferente da moral que apenas possui reprovação social mas não pressupõe nenhuma sanção para o ato prolatado, é como se uma pessoa dissesse que “odeia política”, querendo na verdade dizer que não gosta de politicagem, falsas promessas, abuso da confiança do povo, etc., obviamente não sofreria nenhuma sanção por isso, ao contrário de alguém dizer que fulano está apropriando o dinheiro público para si, isso sim leva a entender que há uma conduta que fere a ética, a legalidade e o cometimento de uma improbidade administrativa. Nesse ponto, que fez tal afirmação deverá ter provas da conduta ilegal e antiética pois o dinheiro público não é para satisfação de interesses pessoais e sim para ser vertido em prol das necessidades coletivas de uma sociedade.

O poder não é instrumento para a imposição do totalitarismo como afirmou Hannah Arendt, qualquer utilização desenfreada de exercício do poder pode acarretar em exercício arbitrário do poder que passar a ser instrumento de segregação ou mesmo de aversão àqueles destituídos de poder para ter paridade de armas, o que ocorreu em diversos regimes da Europa, América Latina, Ásia, etc. Para a Hannah Arendt os regimes políticos totalitários são perversos e corroem e corrompem a estrutura pública, promovendo nela a serventia dos interesses particulares e com isso promove o afastamento do bem estar-social e subjuga o ser humano.

O exercício consciente e eficaz do poder promove um bom funcionamento da estrutura pública e traz esperança ao ser humano numa sociedade de incertezas constantes; por isso estudo sobre o poder é relevante nas estruturas sociais e políticas, uma vez que está ligado a ideia de apropriação, seja dos recursos públicos ou seja do poder de direcionamento e decisão de agentes públicos e políticos.

Michel Foucault defendeu uma ideia de poder voltado para as microestruturas nas quais denominou ele de “A microfísica do poder” para Foucault o poder não pode ser radicalizado como algo maléfico, porque é capaz de promover a utilidade transformando os indivíduos em sujeitos, fazendo que eles não apenas estejam no mundo, mas atuem no mundo. O poder aqui assume um viés disciplinar pois a disciplina proporciona certo controle dos indivíduos mantendo-os em constante vigilância dentro da estrutura de poder.

Enfim, desde os tempos remotos o que mais fascina o ser humano é a vontade poder porque o poder promover ao agente no seu exercício a falsa sensação de controle, na verdade o ser humano não controla nada porque o poder é uma ficção criada para que o ser humano apoiado em normas, códigos e armas possa nutrir a concepção de que existe um controle formal sobre as pessoas, mas sabe-se que quanto mais se controla ou se tenta controlar mais os indivíduos se rebelam pois a mente humana é nutrida pelas ideias de acordo, consenso, diálogo, democracia e aceitação e tolerância.  Afinal, o ser humano é eminentemente político e aberto as discussões, diálogos e refutações e dificilmente ideias impostas vão substituir o consenso, ao contrário promoverão aversão e as relações de poder deixam de ser legítimas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. O anti-semitismo, instrumento de poder. Uma análise dialética. Rio de Janeiro: Ed. Documentário, 1979.

 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização e introdução de Roberto Machado. 3.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982.

 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

 HOBBES, Thomas. LeviatãMatéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. (Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva). 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. Col. Os Pensadores.

 

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*João do Nascimento

Advogado e professor, com pós-graduação em Direito Processual e Penal, docência do ensino superior, História da Ciência, História e cultura mineira; e autor de diversos artigos Jurídicos, Filosofia e Sociologia. 15/04/2020.

Como citar e referenciar este artigo:
NASCIMENTO, João do. Considerações sobre o Poder no contexto social. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/consideracoes-sobre-o-poder-no-contexto-social/ Acesso em: 22 fev. 2025