“Metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme, com medo da que não come.”
Josué de Castro
O materialismo histórico-dialético, ou concepção materialista da história, é a teoria levantada pelo prussiano Karl Marx no tocante ao desenrolar do processo de evolução da sociedade. De acordo com sua concepção, todas as lutas históricas são, na verdade, reflexo ideológico da luta entre as classes dominantes e dominadas, mesmo que modificando-se de acordo com o grau de desenvolvimento da situação econômica e do próprio modo de produção1 em determinadas épocas. A história da sociedade humana, portanto, confunde-se com a história do desenvolvimento e da posse dos modos de produção.
Apesar de fundado no poderio econômico, este não é suficiente para garantir a manutenção do domínio da classe dominante. O Estado funciona como uma força organizada com o objetivo de perpetuar o domínio das minorias exploradoras, que ao mesmo tempo que administra e organiza a sociedade de forma a atender aos interesses da mesma elite dominante, mantém o domínio e a propriedade dos meios de produção, subjugando legitimamente, através de aparelhos repressivos, a maioria explorada, totalmente despida da possibilidade de resistência. O supremo monopólio da violência, como caracteriza Weber, é conferido ao Estado com o objetivo de perpetuar sua existência, garantindo assim a manutenção do “status quo”, benéfico aos exploradores.
Por encontrar-se fundamentado na esfera econômica, alterações sensíveis ou mesmo substituições do modo de produção material, fundadas na dialética entre as classes antagônicas, desencadeiam, por conseguinte, substanciais modificações na estrutura estatal. Em nossa sociedade atual, o Estado cumpre a função de manutenção do domínio, como explicitado anteriormente. Entretanto, o Estado não existia enquanto historicamente não surgiram as figuras da propriedade e das classes.
O desenvolvimento das classes sociais nasce, no contexto da evolução das forças de produção, a partir do surgimento da propriedade privada. A primeira relação de exploração decorrente daí foi a mais emblemática de todas, a escravidão. Na antiga Grécia, por exemplo, o autor vincula o nascimento de classes sociais (e conseqüente aparecimento do Estado) à substituição das instituições de organização gentílica2 por órgãos que tinham por objetivo garantir não apenas os benefícios adquiridos pela nobreza hereditária em formação, como também a própria divisão social.
Com a decadência do Império Romano do Oriente – tendo como um dos principais fatores contributivos o estacionamento da expansão demográfica e conseqüente desabastecimento de escravos – e fim da Idade Antiga, começa a entrar em cena uma nova espécie de relação de exploração, a servidão típica do feudalismo. Sob o domínio do senhor feudal encontravam-se os modos de produção, razão pela qual submetiam-se à ele os servos que recebiam nada além do estritamente necessário para sua sobrevivência. Com a produção de excedentes, inicia-se a comercialização de produtos entre os feudos, propiciando a ascensão de uma nova classe, conhecida como burguesia comercial. A incapacidade da burguesia na dominação da sociedade, que via como principal obstáculo a estrutura feudal, acabou promovendo a aliança desta classe com a monarquia que possuía, àquela época, irrisória influência, dando início ao período absolutista.
A partir do surgimento da burguesia comercial, inicia-se o desenvolvimento do modo de produção capitalista e, finalmente, a divisão social toma o corpo que até hoje ainda persiste: burguesia e massa proletária. A derrocada do absolutismo e o advento da burguesia industrial impulsionada pelos avanços tecnológicos especialmente dos séculos XVII pouco (ou mesmo nada) alterou no cerne da dialética e da dominação entre uma classe e outra, mesmo com as novas roupagens de cunho político-ideológico (democracia e imperialismo).
Na atual sociedade capitalista, apesar de uma aparente não-intervenção do Estado na exploração capitalista – defendida por Walras e pela escola neoclássica, “laissez-faire, laissez-paisser” – cabe à instituição estatal a garantia de que os interesses da classe capitalista serão satisfeitos, utilizando-se do aparato repressivo que está sob sua administração para garantir que a massa proletária explorada mantenha-se como propriedade privada da burguesia.
Neste contexto, é papel do Direito a justificação da dominação, ocultado através de fantasias ilusórias de “isonomia” e “democracia”, que permeiam o processo legislativo tentando imprimir um caráter participativo às decisões do Estado quando, na verdade, tem-se plena consciência de que o motor das decisões no âmbito estatal é o interesse do capital.
No âmbito legal, cabe ao Direito fazer cumprir tais prerrogativas legais, colocando a máquina judiciária na defesa da propriedade, na garantia do desenvolvimento desigual na expansão do abismo social entre a classe opressora e oprimida e, principalmente, reprimir qualquer tentativa de resistência da classe operária que vá de encontro aos preceitos anteriores, excetuando-se aquelas cooptadas pelo Estado, manipuladas justamente para criar na opinião pública o ilusório sentimento de participação popular nas decisões.
Por fim, no estado socialista idealizado por Marx, o Estado passa a ter como função a manutenção da Ditadura do Proletariado, o que Lênin define como “a organização e disciplina do destacamento avançado dos trabalhadores”, que tem como objetivo a supressão da divisão social em classes, nivelando a sociedade em apenas uma categoria: os trabalhadores. Conforme se avança na eliminação das classes sociais, o Estado e, por conseqüência, o Direito, perdem a razão de existir, até ser extinta a instituição estatal, alcançando o utópico Comunismo.
Florianópolis, 15 de junho de 2005
* Bruno Crasnek Luz, 20, acadêmico da 7ª fase do curso de graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, é estagiário da assessoria do Gabinete do Juiz Substituto de 2º Grau Henry Petry Junior, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Foi bolsista de Iniciação Científica pelo programa PIBIC/CNPq entre 2005 e 2007.
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