Lei de Falências
J. A. Almeida Paiva *
Tramita no Congresso Nacional, prestes a ser aprovado, o substitutivo adotado pela Comissão Especial ao PL nº 4.376-B/1993, com subemenda Global do Relator às Emendas do Plenário, tendo apensado o PL nº 205 de 1995, regulamentando “a recuperação judicial, extrajudicial e a falência de devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividades econômicas”.
O projeto substituirá a Lei nº 7.661 de 21/6/1945 (Lei de Falências e Concordatas), bem como prevê alterações em outros institutos.
Esta Revista publicou em 24/5/2002 (Consultor Jurídico)[1] um artigo de nossa autoria, no qual tecemos considerações sobre a evolução do conceito de empresa no último século e concluímos naquela época que “O sistema jurídico preocupa-se com a recuperação da empresa em momento de crise financeira, principalmente quando há real possibilidade de levantar-se e voltar a atuar no mercado. Basta que os seus administradores tenham agido com comprovada honestidade e a vulnerabilidade de sua atividade econômica tenha sido um incidente de percurso, sem máculas ou mágicas de sobrevivência na administração, despida de fraudes. A lei oferece uma nova oportunidade para o empresário correto, que teve a infelicidade de deparar-se com um descompasso em suas contas, poder voltar a atuar no mercado, ainda que enfrentando novos e difíceis obstáculos”; isto está no contexto do atual sistema falimentar.
Com a lei que estar por vir nosso prognóstico se confirma, pois na qualidade de Advogado de Empresa sempre defendemos a necessidade de uma legislação mais complacente com a realidade da empresa no mundo globalizado, de sorte a fornecer instrumentos capazes de recupera-la.
Malgrado certas falhas do legislador, não obstante tenha o projeto mais de uma década de fornalha, a fixação de prazos curtíssimos de 3 e 5 dias, v.g. para a prática de certos atos processuais, totalmente fora da realidade da vida hodierna; permissão de agravo para certas decisões e apelações para outras, sem definição de seus efeitos, tem em seu bojo, pelo menos, um artigo, a título meramente exemplificativo, paradoxal ou inútil.
Falamos do art. 239 que norma: “As disposição do Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, continuarão em vigor para aplicação exclusivamente: I – aos processos de concordata e falência em curso no dia anterior ao do início da vigência desta lei, respeitada a faculdade concedida no art. 231 desta lei; e II – …..”
À primeira vista tem-se a impressão que a lei nova não se aplica às Concordatas e Falência pré-existentes, mas ressalva a faculdade do art. 231; ora, o art. 231 norma: “Na data da publicação desta lei, a empresa que esteja sob regime de concordata, falência ou o devedor com insolvência decretada, desde que abrangidos pelos regimes previstos nesta lei, nos termos do art. 1º, poderão, dentro de 120 (cento e vinte) dias, requerer sua sujeição aos novos termos desta lei, quando deverão apresentar seu plano de recuperação judicial ao juízo competente.”
Se já existe a previsão do art. 231, o art. 239 parece-nos ser redundante e repetitivo pois diz o mesmo que o art. 231, só que de maneira diversa. Mas, o ponto principal e a grande novidade do projeto é que acaba com as Concordatas e cria o instituto da “Recuperação da Empresa”.
Isto representa efetivamente um avanço na estrutura do sistema empresarial, principalmente quando prevê em seu art. 46 que “a recuperação judicial é a ação judicial destinada a sanear a situação de crise econômico-financeira do devedor, salvaguardando a manutenção da fonte produtora, do emprego de seus trabalhadores e os interesses dos credores, e viabilizando, dessa forma, a realização da função social da empresa”, que sempre defendemos.
O projeto liberalizante avançou ainda mais em seu art. 76 ao estabelecer que “a convocação, pelo devedor, de credores ou de classes de credores para apresentação de proposta de plano de recuperação extrajudicial, não caracterizará ato de falência”.
Este art. 76 é de uma importância capital para salvar as empresas em dificuldades, e, isto porque, no sistema vigente, caracteriza-se, também a falência a teor do art. 2, III da LF, se a empresa devedora “convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de crédito ou cessão de bens”.
Na prática isto é feito por uma terceira pessoa ou por um chamado “laranja”; com o projeto em discussão, o devedor poderá convocar pessoalmente, sem subterfúgios, os credores ou classe deles para a proposta de um plano de recuperação extrajudicial destinado a salvar a empresa em estado de crise econômico-financeira.
Considera-se devedor em estado de crise econômico-financeira aquele sujeito a dificuldades temporárias do seu negócio, com iliquidez, insolvência ou em situação patrimonial a merecer readequação planejada de sua atividade.
É mais ou menos o que hoje é denominado no mercado como um processo de reengenharia da empresa. O projeto dispõe que a recuperação judicial e falência dos ativos das empresas e das sociedades de economia mista e as formas de intervenção do Estado e a liquidação das instituições financeiras públicas e privadas, nas cooperativas de crédito, nos consórcios, nas sociedades de previdência privada, nas sociedades operadoras de planos de assistência à saúde, nas sociedades seguradoras, de capitalização e em outras entidades voltadas para idêntico objeto serão objeto de leis específicas, já esclarecendo de antemão que, excluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais relacionadas acima não poderão pleitear o instituto de recuperação judicial.
O projeto fixa quais os títulos que não podem ser exigidos na recuperação judicial ou falência, seu processo, classificação e verificação dos créditos, normando o parágrafo único do art. 14, que “os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser exibidos no original”, disposição que contraria o art. 225 do CC 2002 c/c os arts. 384 e 385 do CPC, além de outras normas processuais relacionadas à força probante dos documentos.
Tem força decisiva na futura lei de recuperação de empresa, a Assembléia Geral dos Credores que assume diversas atribuições, tanto no processo de recuperação judicial, como na recuperação extrajudicial, podendo nesta última ser convocada pelo devedor na recuperação extrajudicial, mediante publicação de edital.
A Assembléia convocada tanto na recuperação judicial, como na falência, deverá ter a presença do Administrador Judicial, e será instalada, em primeira convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos contra o devedor, computados pelo valor do crédito e em segunda convocação, com qualquer número de credores.
O projeto prevê ainda que o credor poderá ser representado por mandatário com procuração nos autos do processo de recuperação judicial ou falência e estabelece que o voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito.
No processo de recuperação judicial da empresa, a norma a ser editada apresenta os meios possíveis e passíveis de serem utilizados, podendo citar dentre o rol elencado no art. 51: concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas, vincendas ou que se vencerem antecipadamente por força do requerimento de recuperação judicial; cisão, incorporação, fusão e transformação de sociedade; constituição de subsidiária integral ou cessão de suas cotas ou ações; substituição total ou parcial dos administradores; aumento de capital social; arrendamento; constituição de sociedade de credores; venda parcial dos bens; usufruto da empresa; administração compartilhada; constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar em pagamento dos créditos os ativos da empresa em recuperação judicial, ressalvado o direito dos credores dissidentes receberem seus créditos quando da realização dos ativos, pelo valor que lhes caberia em rateio proporcional aos valores de avaliação etc, etc.
Ao normar o processo de recuperação judicial fica facultado aos credores não só impugnar, no todo ou em parte o plano, como oferecer um outro plano alternativo ou impugná-lo pedindo a falência do devedor se não preencher os pressupostos legais.
Como afirmado no início destas observações consideramos os prazos fixados no projeto exíguos demais para a magnitude e grandeza do processo e sua completa efetividade; prazos curtos prejudicam os interessados que poderão ter seus direitos cerceados.
Esta simples exposição serve apenas para se ter uma visão pragmática de alguns pontos do que será a lei que substituirá a atual de Falência e Concordatas. Como não poderia deixar de acontecer, as leis editadas pelo Poder Legislativo brasileiro, sempre ao normar um determinado assunto, tratam também de outros que nada têm a ver com aquele que representa o seu tema nodal; sempre foi assim nas nossas Casas Legislativas, perdoem-nos Senhores Deputados e Senadores, não obstante a existência de diversas Comissões especializadas dentro Congresso.
Para não fugir à tradição da mescla temática, a futura lei de recuperação de empresas faz uma inserção espúria, embora útil e vantajosa, na lei de alienação fiduciária, alterando o § 3º, do art. 3, do Decreto-lei nº 911, de 01/10/1969 que passará a ter a seguinte redação: “Requerida a purgação de mora, tempestivamente, o Juiz marcará data para o pagamento que deverá ser feito em, no mínimo, três parcelas, vencendo a primeira em 30 (trinta) dias, a segunda em 60 (sessenta) dias e a última em 90 (noventa) dias, ou em prazo maior, desde que haja a anuência e concordância expressa do credor”.
No sistema vigente o prazo na perversa lei de alienação fiduciária é de 10 dias para pagamento integral; sempre sustentamos o caráter autoritário e injusto deste Decreto-lei editada no regime militar, extremamente prepotente, prejudicial e contrário aos interesses do empresariado.
No projeto de Recuperação de Empresas foi dada uma aliviada no rigor da lei de alienação fiduciária, ainda que escorregando na técnica legislativa e no processo de formação de leis; como isto beneficia tanto devedor como credor, que fique no projeto!
Com esta legislação que está por nascer, há um avanço considerável na ordem jurídica, sem a qual a ordem econômica e social jamais poderiam progredir e somente com a preservação da empresa viável poderemos atender à tendência que hoje é predominante na atualidade, a de salvar sempre que possível a empresa, única maneira capaz de evitar os efeitos danosos da quebra, que não interessa a ninguém.
Revista Consultor Jurídico, 16 de julho de 2003.
* Advogado e Professor. Website: http://www.almeidapaiva.adv.br
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.