Como realizar o ativo nas falências disciplinadas pelo DL 7661/45 face às normas da lei 11.101/2005
J. A. Almeida Paiva *
A propósito da aplicação do § 1º, do art. 192 da Lei 11.101/2005 às falência em curso a 09-06-05, normadas pelo DL 7.661/45, em março de 2005 foi publicado nos sites http://www.almeidapaiva.adv.br e http://www.jusvi.com um artigo de nossa autoria sob o título: “Reflexão sobre aplicação do § 1º do art.192, da Lei nº 11.101, e artigos do DL 7661 em vigor”.
Chamamos a atenção para a novidade; hoje procuraremos demonstrar como torná-la efetiva, como utilizá-la na prática, ao caso concreto, no dia a dia.
Temos, portanto, duas normas regulamentando situações diversas em processos de falências regrados por normas distintas:
a) as falências decretadas sob a égide da nova lei de Recuperação de Empresas (11.101/2005) e
b) as falências que foram decretadas segundo o DL 7. 661/45.
O sistema jurídico terá de conviver com as duas leis (L 11.101/2005 e DL 7.661/45) até que desapareçam definitivamente dos Tribunais os processos falimentares que estão disciplinados pelo DL 7.661/45.
A “Realização do ativo” no que tange às falências (art. 75 e seguintes da L. 11.101/2005) que vierem a ser decretadas após 09-6-2005 seguirão as regras dos artigos 139 e seguintes da lei nova; a legislação é clara, mesmo porque disciplina não só a Assembléia Geral de Credores como a função do Administrador Judicial e a do Comitê de Credores.
A grande questão que se indaga é quanto à “Realização do Ativo” nas falências já em curso, aquelas que seguem as regras do DL 7.661/45 e poderão ter seu ativo alienado antes da formação do QGC, o que é novidade.
Com efeito, no sistema do DL 7.661 não há o instituto do “Comitê de Credores” e do “Administrador Judicial”; a Assembléia Geral de Credores prevista na Lei 11.101/2005 em nada se assemelha à Assembléia de que trata o art. 122 do DL 7.611/45; esta é uma Assembléia simples sem grandes funções.
Aliás, é erro crasso nas falências já em curso pretender convocar “Assembléia Geral de Credores”, nos moldes e para as finalidades previstas na Lei 11.101/2005; são coisas distintas que não se confundem e os Juízes falimentares devem estar atentos para não admitir tais interpretações equivocadas.
O que estamos pretendendo construir, ante a omissão da Lei 11.101/2005 que permitiu a “Realização do Ativo” nos processos normados pelo DL 7.661/45 antes da formação do QGC, é um sistema de conjugação das duas normas reguladores do instituto, que devem conviver pacificamente sem conflitos, haja vista que pelo DL 7.661/45 a “Realização do Ativo” só era possível depois da formação e julgamento do QGC, o que hoje foi alterado.
O § 1º do art. 192, da L. 11.101 inova o sistema na medida em que manteve os processos falimentares existentes antes da vigência (09-6-05) da Lei 11.101/2005 e disciplinados pelo DL 7.661/45, mas abriu uma exceção para permitir a alienação do seu ativo antes da formação do QGC, o que antes sofria algumas exceções como a do inciso XIII, do art. 63 (venda de bens perecíveis e de fácil deterioração ou guarda dispendiosa).
Este medida adotada pelo novo sistema legal beneficia os credores, igualando-os neste particular, aos que irão entrar em processos falimentares após 09-06-2005 e terão a “Realização de seu Ativo” seguindo as regras da L. 11.101/2005.
O que se indaga, agora, já que a Lei 11.101/2005 criou um direito, mas não disciplinou a forma de aplicá-lo é determinar como fazer a “Realização do Ativo” antes do julgamento do QGC nas falências (DL 7661) existentes a 09-6-05, com a alienação de seus bens, já que o art. 122 do DL 7661/45 permitia que “Credores que representem mais de um quarto do passivo habilitado podem requerer ao juiz a convocação da assembléia que delibere em termos precisos sobre o modo de realização do ativo……”
As regras do art. 122 e 123 do DL 7.661/45 só eram possíveis na fase de “Liquidação”, depois que o síndico apresentasse o relatório (art. 63, XIX) e se o falido não pedisse concordata dentro do prazo a que se refere o art. 178, ou se lhe fosse negado o pedido; assim norma o art. 114 do DL 7.661/45 para a “Realização do Ativo”.
Com a alteração introduzida pelo § 1º, do art. 192 da L. 11.101, permitindo a “Realização do Ativo” antes da formação do QGC, não será possível aguardar o artigo 114 do DL. 7661, assim como não será possível aplicar o sistema de “Realização do Ativo” como disciplinado na Lei 11.101/2005; aproveita-se o que for compatível!.
Tem-se de encontrar uma solução ou forma conciliatória.
Entendemos que deverão ser aplicadas as normas dos artigos 139 e seguintes da Lei 11.101/2005, no que tange a “Realização do Ativo”, isto é, “logo após a arrecadação dos bens, com a juntada do respectivo auto ao processo de falência, será iniciada a realização do ativo” (Art. 139, L. 11.101) que deverá obedecer tanto quanto possível a disciplina dos artigos seguintes, 140, 141 etc, reitera-se, no que for compatível.; este é o momento para se requerer a “Realização do Ativo”.
Não há necessidade de se esperar mais a formação do QGC para a realização do ativo.
Vemos 3 (três) situações distinta quanto ao DL 7.661/45:
a) falência resultante da convolação em processos de concordata onde já existia uma relação de credores apresentada pela concordatária nos termos dos incisos V e VI, do § 1º, do art. 159 do DL 7.661/45;
b) falência já com prazo de habilitação encerrado (art. 80, do DL 7661/45);
c) falência cujo prazo de habilitação ainda não foi encerrado (DL 7.661/45).
Na hipótese “c” não haverá grandes problemas, pois é só esperar o decurso do prazo para se ter o montante dos valores reclamados, que teremos uma situação assemelhada à da hipótese “b”.
Em qualquer uma das três hipóteses tem-se um valor, ainda que não definitivo, mas que servirá de parâmetro para a determinação do critério quantitativo de votos para a fixação do percentual necessário ao requerimento de “Assembléia”, isto é, 25% ou ¼ (arts. 122 do DL 7661/45).
Este percentual será determinado pelos valores conhecidos nos autos; quem atingir 25% dos valores conhecidos poderá requerer ao Juiz a convocação de “Assembléia” para determinar a “Realização do Ativo”.
O sistema de alienação do ativo previsto no § 1º, do art. 192, da L. 11.101/2005 e seu procedimento devem seguir as regras dos seus artigos 140 a 148, no que for aplicável, isto porque o DL 7661 não previu a hipótese de alienação do ativo antes do julgamento do QGC.
Como nos processos normados pelo DL 7661/45 não há o instituto da “Assembléia Geral de Credores”, e nem poderá ser criado porque o Judiciário não tem função legislativa, deve-se aproveitar as normas da L. 11.101 que não entrem em conflito com as do DL 7661/45, e aplicá-las por analogia.
Assim poderão, ou melhor, deverão prevalecer as regras dos artigos 122 e 123 do DL 7661/45, suprindo as lacunas que irão aparecer na aplicação da lei nova aos casos disciplinados pela lei antiga.
O art. 39 da L. 11.101/2005 dá o norte para a convocação da “Assembléia” que decidirá a “Realização do Ativo” ou forma de sua realização, observando sempre se está sendo aplicado o art. 122 ou 123 do DL 7661/45; são hipóteses distintas com índices quantitativos de representação diferenciada.
Diz a norma acima citada: “Terão direito a voto na assembléia-geral(2) as pessoas arroladas no quadro-geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na forma do art. 7º, desta Lei (11.101), ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos dos arts. 51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105, inciso II do caput, desta lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas na data da realização da assembléia ou que tenham crédito admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 10, desta lei. – § 1º Não terão direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorum de instalação e de deliberação os titulares de créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta lei. – § 2º As deliberações da assembléia-geral não serão invalidadas em razão de posterior decisão judicial acerca da existência, quantificação ou classificação de créditos. – § 3º No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia, ficam resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa.”
O que se observa é que o legislador atual ao admitir a antecipada “Realização do Ativo” antes da formação do QGC, não se preocupou com a determinação exata do percentual de 25% (art. 122) dos credores que representam o passivo conhecido ou 2/3 (art. 123) dos créditos, para efeito de requerer ao Juiz a convocação de “Assembléia” destinada à decidir a forma de “Realização do Ativo” na Falências processadas segundo o DL 7.661/45..
Desde que exista a relação de credores apresentada na Concordata convolada em falência, ou a relação de credores habilitados ou até mesmo apresentada pelo Dr. Síndico (que por simbiose faz às vezes de “Administrador Judicial” nos processos falimentares já existentes), é possível o pedido de convocação de Assembléia por credores que representem 25% dos créditos conhecidos nos autos.
O pedido de convocação de Assembléia nas falências (DL 7.661/45) deve vir acompanhado da prova dos pressupostos legais indicados nos artigos 122 e 123 do DL 7.661/45, sob pena de indeferimento.
A título meramente exemplificativo, na conhecida Falência da FRBG(2), (que anteriormente processava como Concordata Preventiva) nas listagens apresentadas pela Concordatária ao requerer os benefícios legais, depois transformados em Falência, há uma relação de créditos na ordem de R$792.416.209,01; pois bem, seguindo a orientação que traçamos acima, o credor ou grupo de credores que nos termos do art. 122 do DL 7.661/45 tiver um volume de crédito superior a R$198.104.052,25, equivalente a 25% ou ¼ dos créditos conhecidos, poderá requerer ao Juiz a convocação de “Assembléia” para decidir a “Realização do Ativo”; da mesma forma, o Grupo que representar créditos na ordem de R$528.277.472,67 equivalente a 2/3 poderá nos termos do art. 123 do DL 7661/45 organizar sociedade para continuação do negócio do falido (não aproveitar sociedade existente) ou autorizar o síndico a ceder o ativo a terceiro ou qualquer outra forma de “Realização do Ativo”, lembrando que tudo deve ser decidido no voto 1 x 1 (um voto por um real de crédito).
Se um credor ou grupo de credores não atingir este percentual, carecerá de legitimidade ativa para requerer Assembléia destinada à “Realização do Ativo”.
Lembramos que a “Assembléia” para decidir a “Realização do Ativo” nos processos normados pelo DL 7.661/45, não se confunde com a “Assembléia-Geral de Credores” da L. 11.101/2005.
Estando em termos o pedido de convocação de Assembléia por credores que querem a imediata “Realização do Ativo”, antes da formação do QGC (hipótese do DL 7661/45) ou na hipótese do art. 123, que só será possível depois da apresentação do inventário do ativo e respectiva avaliação, o Juiz convocará por edital a Assembléia, marcando dia, hora e local para sua realização, cuja decisão deverá ser tomada na proporção de 1 (um) voto para cada R$1.00 (um real) de crédito conhecido.
Salvo melhor juízo dos doutos, entendemos que esta é a melhor interpretação a ser dada ao § 1º, do art. 192, da L. 11.101/2005, quando autoriza os credores nas falências normadas pelo DL 7.661/45 realizarem seu ativo antes da formação do Quadro Geral do Credores (QGC), sem contudo ter indicado o caminho que eles deveriam trilhar para tanto.
Assim como cabe aos doutrinadores ditar o rumo e ajustar a bússola, ao Judiciário, com muito mais razão ficará a árdua tarefa de encontrar o ponto de equilíbrio entre as normas e a realidade.Notas
(1) Falência de FRBG, Proc. Nº 000.02.171131-3, 1ª Vara Cível do Forum Central da Capital de São Paulo.
(2) Assembléia simples no DL 7.661/45.
* Advogado em São Paulo, Professor de Direito Processual Civil, Pós-Graduado com Mestrado na PUC/SP; foi Magistrado, Professor da Escola Superior de Advocacia, proferindo palestras, cursos e aulas, com artigos publicados em Revistas e Sites Jurídicos.
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