Direito Empresarial

Atuação estratégica dos departamentos jurídicos

Atuação estratégica dos departamentos jurídicos

 

 

Marco Antonio P. Gonçalves*

 

 

A atuação estratégica de departamentos jurídicos é um dos principais temas de interesse dos advogados que atuam no universo corporativo. Nas empresas que possuem um departamento jurídico, fato comum às grandes empresas brasileiras e multinacionais, o porte do departamento e o seu grau de interação com a gestão do negócio variam bastante. Em meio a situações diversas, as práticas empregadas pelos gestores jurídicos são as mais variadas. Essa grande diversidade se fez presente na conferência Gestão Empresarial do Departamento Jurídico, promovida nos dias 5 e 6 de dezembro de 2007 pela IBC Brasil, no Rio de Janeiro.

 

Foram dois dias de evento com representantes de departamentos jurídicos de grandes empresas, cada um discorrendo sobre um determinado tema e trazendo sua experiência prática para os demais presentes. No geral, todos já atuam estrategicamente, em maior ou menor grau, e enfrentam os mais variados desafios, tais como: gestão efetiva de contratos; evolução para uma atuação preventiva; mapeamento preciso do risco jurídico; demonstração dos resultados gerados pelo departamento; definição e uso de indicadores de desempenho; uso de tecnologia para uma melhor gestão interna e de escritórios externos; e interação com as demais áreas do negócio.

 

No quesito tecnologia, cabe ressaltar que foram vários os palestrantes que falaram sobre os sistemas tecnológicos adotados na gestão de seus departamentos, mostrando claramente a importância dada à tecnologia da informação para uma gestão cada vez mais eficiente. Sob certos aspectos, a conferência do Rio também trouxe um pouco do que vários departamentos jurídicos apresentaram durante o Legal IT Forum, promovido nos dias 22 e 23 de novembro de 2007 em São Paulo, também pela IBC Brasil.

 

Antonio Francisco Lima de Rezende, Diretor Jurídico da Souza Cruz, foi o primeiro palestrante do evento e falou sobre a atuação estratégica do departamento jurídico, mostrando como acompanhar os objetivos do negócio de modo a ter uma atuação estratégica e, antes de tudo, preventiva. Antonio afirmou que os departamentos jurídicos cresceram em importância devido aos cenários cada vez mais complexos que se apresentam para as corporações. Como resposta, a advocacia empresarial evoluiu de um estilo convencional, reativo e orientado à prevenção de riscos, para um estilo estratégico, orientado ao negócio e calcando em uma atuação proativa e inovadora. Um dos principais objetivos reside em compreender o negócio profundamente e conhecer quais riscos a empresa está disposta a correr em nome do crescimento.

 

Na Souza Cruz, todo advogado é focado em negócios e já passou dois meses conhecendo as operações da empresa. Além do conhecimento em direito empresarial, os advogados que atuam na empresa devem efetivamente gostar de negócios. Trata-se de um requisito essencial. Antonio explicou que o departamento atua dentro do conceito de parceiro de negócios junto às demais áreas funcionais da empresa e espera que os escritórios externos encarem o relacionamento da mesma forma, ou seja, como uma parceria de negócios. Nesse sentido, Antonio salientou que trabalha com metas, bonificações e penalidades para os escritórios externos, de modo a forçar uma atuação proativa.

 

Debórah Meirelles Rosa Brasil, Diretora Jurídica da Ampla, deu seqüência ao evento falando sobre o modelo de gestão adotado em seu departamento. Com uma atuação corretiva e preventiva junto às diversas áreas da empresa, o Jurídico busca resultados através de uma atuação em conjunto com as demais diretorias e do envolvimento na definição de estratégias tanto nas atividades processuais e institucionais. Déborah destacou que seu departamento atua como um facilitador dos negócios na empresa. Para tanto, conta com uma equipe bastante qualificada, para qual existe um plano de carreira orientado a competências técnicas específicas e comportamentais que também valem para os prepostos.

 

O departamento jurídico da Ampla atua de forma bastante integrada com os escritórios externos, o que significa dizer que os advogados externos se envolvem não só com o departamento jurídico, como com outras áreas da empresa. Dentro desse tema, Déborah afirmou que o menor preço nem sempre traz o melhor resultado para a companhia, um aspecto importante a ser considerado, uma vez que reduzir os custos com os escritórios externos está longe de ser a única opção para mostrar valor para a alta direção. Certamente um envolvimento em projetos estratégicos, dentre outras possibilidades, tem tudo para demonstrar a real importância de um departamento jurídico de atuação integrada ao negócio.

 

O Diretor Jurídico da Carvalho Hosken, Antônio Ricardo Corrêa, realizou uma apresentação voltada para a gestão de escritórios externos, na qual reforçou o conceito de que a relação entre departamento jurídico e escritórios externos deve ser uma parceria, onde ambos os lados devem fazer a sua parte. Afinal, muitas empresas não se entendem como negócio e não sabem aonde querem chegar. Nesse sentido, Antonio afirmou que uma empresa precisa, primeiro, alinhar seus objetivos internos para, depois, procurar um escritório externo que se mostre compatível com seus objetivos e interesses. Ao final da palestra, Antonio comentou sobre os sistemas informatizados que seu departamento usa para melhor gerir processos, ações judiciais e contratos e enfatizou a importância da geração de relatórios objetivos para amparar a tomada de decisão. Afirmou que o seu departamento trabalha com uma previsão do passivo até 2012.

 

Ricardo Lupion, Diretor Jurídico da Ipiranga, abordou o relacionamento com os clientes internos em sua palestra, contando um pouco dos vários desafios enfrentados no sentido de sensibilizar as demais áreas para a importância do trabalho desempenhado pelo departamento jurídico. O caminho adotado inicialmente, e que não deu certo, foi o de tentar mudar o resto da empresa e não o Jurídico, caminho também compartilhado por muitos escritórios externos, e que está longe de ser a melhor opção. De maneira geral, o departamento jurídico deve compreender o negócio e se adaptar a ele, o mesmo valendo também para o escritório externo que deve seguir exatamente o mesmo raciocínio. Ricardo explicou que obtiveram resultados positivos ao investir em treinamentos para os advogados, no sentido de aprofundar o conhecimento de negócios e romper com a maneira tradicional de pensar dos advogados. Também promoveram treinamentos com gestores, no sentido de sensibilizá-los para os aspectos jurídicos dos vários negócios da empresa. Por fim, Ricardo falou sobre o sistema de emissão de contratos usado por seu departamento e suas diversas funcionalidades.

 

Fernanda Costa Lopes, advogada integrante do departamento jurídico da RGE – Rio Grande Energia (Grupo CPFL), realizou uma palestra objetiva sobre os indicadores de desempenho adotados por seu departamento. Na célula do departamento que cuida do contencioso, foi instituído um indicador de eficiência dos escritórios externos que atendem a RGE.  Fernanda explicou que esse indicador é composto por: processos encerrados por acordo; processos encerrados por sentença; processos entrantes; encaminhamento da solicitação de pagamento de condenação no prazo para pagamento; e encaminhamento de notas fiscais de honorários e ressarcimento de despesas no prazo para pagamento. A partir desses dados é calculada a eficiência dos prestadores externos e cabe ressaltar que todos os escritórios externos, atuando em regiões distintas, têm acesso a essas informações regularmente, de modo a gerar um certo grau de competitividade em prol de uma maior eficiência do Jurídico.

 

O advogado José Nilton Cardoso de Alcantara, do escritório Soares & Alcantara Advogados Associados, encerrou as atividades do dia com uma interessante palestra sobre ferramentas tecnológicas para departamentos jurídicos. José Nilton fez um breve relato sobre a evolução dos departamentos jurídicos até o modelo atual, ressaltando a importância da sinergia na participação do Jurídico nos negócios e todas as demais características de uma atuação amplamente estratégica, tais como: redução dos problemas internos; gerenciamento dos escritórios externos; proatividade no desenvolvimento de soluções alinhadas ao negócio; e geração de informações externas para dar segurança na tomada de decisões. Nesse sentido, José Nilton apresentou as alternativas de sistemas disponíveis no mercado e fez inúmeras considerações, chamando a atenção para o fato de que alguns sistemas comercializados para escritórios e departamentos jurídicos, na prática, não se adequam corretamente a ambos os cenários, um aspecto relevante a ser considerado no momento da avaliação.

 

Continuando, José Nilton fez uma exposição detalhada das diferentes fases envolvidas na implantação de um sistema de gestão e ressaltou a importância de realizar um projeto piloto para “quebrar” as resistências. Chamou a atenção especialmente para a fase inicial, uma das mais importantes do projeto, por ser aquela onde idealmente deve-se definir o que se deseja de um sistema. Para tanto, torna-se passo obrigatório mapear e racionalizar os fluxos de processos internos e externos existentes. Por fim, abordou os muitos benefícios do uso da tecnologia, reforçando a mensagem de outros palestrantes do evento que falaram um pouco sobre os sistemas adotados em seus departamentos e os resultados obtidos. Enfim, todos os benefícios podem ser congregados em apenas um: o Jurídico deixa de ser centro de custo para tornar-se unidade estratégica do negócio.

 

O segundo dia do evento começou com a palestra de Joel Fernandes P. da Fonseca, Diretor Jurídico da Xerox do Brasil, que falou sobre gestão de riscos. Joel definiu os diferentes tipos de riscos e salientou a importância do Jurídico efetivamente conhecer o negócio para melhor avaliar os possíveis riscos envolvidos. Joel enfatizou que o departamento jurídico não é o administrador do negócio e não deve decidir por ele, mas sim apresentar as melhores alternativas do ponto de vista legal. Nesse sentido, falou sobre controles e sobre a importância da participação do Jurídico nas atividades da empresa ser devidamente documentada. Dentro de um processo de sensibilização e obtenção de resultados, o departamento de Joel promove workshops internos como, por exemplo, o sobre risco trabalhista, uma ação proativa que tem efetivamente ajudado na minimização do passivo trabalhista. Joel também comentou que todos os projetos da empresa precisam passar por seu departamento, não só por causa dos riscos, mas também por questões de auditoria. Joel finalizou sua palestra ressaltando o sucesso obtido com o uso de arbitragem, adotada com sucesso desde 2003 e que tem apresentado excelentes resultados. O trabalho preventivo realizado na área trabalhista, aliado ao uso de arbitragem, tem evitado que casos trabalhistas cheguem à Justiça.

 

Henrique Freire, Diretor Jurídico da Amil, deu seqüência ao segundo dia do evento falando sobre como o seu departamento jurídico evoluiu e está estruturado, ressaltando as mudanças decorrentes da abertura de capital realizada pela empresa em 2007, que imprimiu fortes mudanças ao negócio. A empresa optou por ter um Jurídico forte, do porte de um escritório médio, e com estrutura administrativa para dar total apoio aos seus advogados. Henrique afirmou que seu departamento objetiva garantir o melhor resultado ao menor custo, afirmando que eles evitam trabalhar com grandes escritórios e tornar a empresa refém de escritórios externos. Em termos de equipe, um plano de carreira está sendo estabelecido de modo a valorizar e preparar o bom colaborador, mas Henrique foi enfático ao afirmar que não é possível envolver uma pessoa que não deseja ser integrada. Desagregadores não devem ter espaço no departamento.

 

Voltando ao tema tecnologia, Pedro Villa, Diretor Jurídico da Katoen Natie do Brasil, relatou a implantação do sistema que adotou para a gestão de seu departamento. Pedro ressaltou que o seu departamento foi o primeiro da empresa no mundo, um desafio que o levou a buscar uma ferramenta de gerenciamento que permitisse lidar com toda a demanda jurídica e gerar relatórios gerenciais para auxiliar na gestão do negócio. Após a definição das demandas efetivas do departamento, um sistema tecnológico foi implantando em tempo curtíssimo, contando com o apoio e envolvimento de todos desde sua concepção, o que certamente ajudou a mostrar os benefícios envolvidos. Pedro apresentou inúmeros gráficos que fazem parte dos relatórios gerenciais, que ele gera a partir das informações do sistema, que permitem gerir com um grau de precisão altíssimo todas as questões do seu departamento. Destaque especial para os gráficos sobre controle de processos, que permitem uma gestão muito precisa da divisão de trabalho entre os escritórios terceirizados.

 

A última palestra do evento foi realizada por Eulália Moura, Diretora Jurídica do Grupo Icatu Hartford, que discorreu sobre o processo de reestruturação do departamento que assumiu em 2003 que, na verdade, era praticamente inexistente. O antigo departamento não tinha crédito junto às outras áreas, atuava de forma totalmente reativa e carecia de um controle adequado de custos. Os desafios certamente foram muitos e Eulália contou um pouco das mudanças implementadas ao longo dos anos seguintes, que começaram com a formação de uma equipe e reuniões com os escritórios externos. Até então, todos os escritórios recebiam honorários de sucesso, o que precisou ser revisto para garantir uma retomada no controle dos custos do departamento. Alguns escritórios, como resultado de não aceitarem a nova realidade, foram devidamente substituídos. Como resultado de todas as mudanças empreendidas, Eulália salientou que em 2007 o departamento já estava integrado à organização, centralizando todos os assuntos jurídicos e com forte participação nos negócios da empresa. Atualmente nada mais é feito sem passar pelo Jurídico, uma situação oposta à de 2003. Eulália encerrou sua palestra afirmando que o advogado interno deve trazer para si a responsabilidade para com o Jurídico, pois ele conhece o negócio e seu histórico (ou pelo menos deveria).

 

Em suma, todos os palestrantes contribuíram para o sucesso do evento, cada um com sua experiência e suas idéias, agregando muito valor para todos os presentes, a maioria proveniente de departamentos jurídicos e também em busca de respostas para os desafios enfrentados no cotidiano. Foram muitas as perguntas e os debates gerados para cada uma das palestras e todos os presentes certamente saíram do evento com novas idéias.

 

 

* Administrador especializado em estratégias de marketing e desenvolvimento de negócios para escritórios de advocacia, com mais de 10 anos de experiência nos mercados de advocacia e tecnologia da informação. Trabalhou por sete anos em um dos maiores e mais tradicionais escritórios do país (entre os 30 maiores segundo o ranking Análise Advocacia 2008) e atualmente é sócio-executivo da consultoria Gonçalves & Gonçalves Marketing Jurídico. Palestrante habitual em eventos realizados pelo Brasil e via internet, com longa experiência atuando como professor/instrutor em treinamentos técnicos e gerenciais. Mais de 1.350 horas-aula ministradas desde 1997. Criador do termo “espelhamento empresarial” que, em linhas gerais, congrega as razões pelas quais os escritórios de advocacia empresarial devem adotar práticas de administração. O termo foi oficializado no artigo Escritórios de advocacia devem adotar práticas de administração?, publicado em 20 de dezembro de 2006 no Consultor Jurídico sob o título Quer goste ou não, escritório de advocacia é uma empresa. Autor de inúmeros artigos publicados em revistas, informativos, jornais e sites especializados no Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Espanha e Peru. Autor do blog marketingLEGAL, o primeiro do país sobre marketing jurídico e gestão profissional de escritórios de advocacia. Fundador e coordenador do Marketing Jurídico Brasil, primeiro grupo aberto do país voltado para debates e troca de experiências entre profissionais envolvidos com marketing e gestão de escritórios, atualmente com mais de 700 membros de várias localidades. Colaborador do Comitê de Administração e Ética Profissional (CADEP) do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA). Membro da Legal Marketing Association (LMA) e único representante do Brasil nas conferências anuais da associação realizadas em Chicago (2006) e em Atlanta (2007). Co-pesquisador do primeiro estudo sobre marketing jurídico realizado na América Latina, patrocinado pela Legal Marketing Association, com mais de 85 respondentes de escritórios no Brasil, México, Argentina, Venezuela, Colômbia, Chile e Peru. Professor do curso de pós-graduação LL.M. Direito Corporativo, promovido pelo Ibmec em diferentes localidades do país. No curso é responsável pela disciplina “Marketing de serviços jurídicos” (24 horas-aula). Professor do curso Administração Legal, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/GV Direito) em São Paulo. No curso é responsável pelo módulo “Marketing para advogados – Visão de marketing para escritórios de advocacia” (4 horas-aula). Professor do curso Gestão Estratégica de Departamentos Jurídicos e de Escritórios de Advocacia, promovido pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em Porto Alegre. No curso é responsável pelo módulo “Marketing jurídico digital – estratégias de presença na internet” (4 horas-aula). Professor do Amcham Professional Development, programa de especialização e reciclagem promovido pela Câmara de Comércio Americana do Rio de Janeiro. Pós-graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GONÇALVES, Marco Antonio P.. Atuação estratégica dos departamentos jurídicos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/atuacao-estrategica-dos-departamentos-juridicos/ Acesso em: 26 jul. 2024