Direito Empresarial

Análise à Lei nº 6.404/76 e sua Aplicação no Mundo Jurídico e Negocial: Características, Natureza e Capital Social da Sociedade Anônima

 

 “A Sociedade Anônima ou companhia pode ser definida como o tipo societário destinado aos grandes empreendimentos empresariais, que envolvem altos investimentos financeiros e que têm por objetivo o desenvolvimento da estrutura econômica – que desencadeiam fatores de produção, circulação, repartição e consumo – e o lucro de seus acionistas” [1].

 

Segundo o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.088, S.A. é aquela em que o capital social da empresa está dividido em ações, onde a responsabilidade de cada sócio ou acionista está limitada pelo preço de emissão das ações que adquirir ou subscrever. Ou seja, o patrimônio pessoal dos acionistas não pode ser atingido para, por exemplo, pagar dívidas da atividade empresária em caso de falência.

 

Este é o primeiro de uma série de artigos que visam realizar uma análise crítica à Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as sociedades por ações, com as modificações das Leis nº 9.457/97 e nº 10.303/01, enfocando em sua aplicação na esfera prática do mundo jurídico e negocial ou empresarial.

 

O capítulo primeiro da Lei das SAs trata de suas características e natureza. Sendo uma espécie de sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio ou acionista está limitada pelo valor das ações por ele adquirida. As ações derivam do capital social de tais companhias.

 

Empresa é atividade negocial exercida pela sociedade. O objeto da companhia é a sua finalidade, ou seja, a atividade que irá exercer. O caput do art. 2º diz que a finalidade pode ser qualquer atividade negocial de fim lucrativo, desde que não contrarie a lei, a ordem pública[2] e os bons costumes.

 

Independentemente da atividade exercida pela sociedade, a companhia é considerada mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio, ou seja, deve a sociedade ser inscrita no Registro Público de Empresas e ter todos os seus atos autenticados e arquivados pela Junta Comercial, antes do início de suas atividades[3], além de outras obrigações. Importante frisar que a inscrição da sociedade na Junta Comercial confere a ela vantagens, como a proteção do nome empresarial (art. 61 do decreto nº 1800/96), além de “dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis” (art. 1º, I, do decreto nº 1800/96).

 

O estatuto social é o documento que regerá a vida da sociedade, pois conterá não só o nome da sociedade e seu objeto (de modo preciso e completo, como manda o §2º, artigo 2º) como também informações sobre a administração da sociedade, o valor do capital social, disporá sobre as ações da companhia, além de outras informações relevantes sobre seu funcionamento. No entanto, o mesmo art. 2º, §3º, abre a possibilidade da companhia participar de outras sociedades, com o objetivo de se atingir seu objeto social, ou seja, a finalidade da empresa, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais, mesmo que essa participação não esteja presente no estatuto.

 

A sociedade será conhecida por sua denominação (artigo 3º). A denominação é composta por palavras ou expressões fictícias, criadas pelos sócios, para designar a sociedade empresária, e deve ser seguida pelas expressões “companhia” ou “sociedade anônima”, por extenso ou abreviadamente. No entanto, essas expressões não podem ser utilizadas no início da denominação social. O artigo 1.160 do Código Civil acrescenta que deve a denominação designar o objeto social da sociedade (por exemplo, Mineradora Confins do Sul S.A.), sendo permitido figurar na denominação o nome de pessoa que concorreu para o êxito da empresa, como, por exemplo, seu fundador ou um acionista expressivo.

 

O §2º do artigo 3º permite à companhia que tiver denominação idêntica ou semelhante a de companhia já existente o direito de requerer a modificação, por via administrativa ou judicial, ainda demandando as perdas e danos, pela companhia que se sentir prejudicada. A companhia prejudicada deverá ser analisada em cada caso concreto, podendo ser tanto a nova quanto a antiga, já detentora da denominação.

 

A companhia pode, ainda, ser aberta ou fechada. Será aberta se possuir valores mobiliários de sua emissão admitidos à negociação na bolsa de valores. Essa admissão só pode ser feita pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), onde será efetuado o registro dos valores (art. 4º, §2). A CVM é o órgão responsável pela regulamentação das negociações que ocorrem no mercado de valores mobiliários, tendo competência para classificar as categorias abertas em diferentes categorias, segundo as espécies e classes dos valores mobiliários emitidos pela sociedade. Uma vez aberta a sociedade, só poderá retornar ao status de fechada se for formulada uma oferta pública de ações, pela sociedade, companhia os acionista controlador, para adquirir a totalidade de ações no mercado, por preço justo, nos termos do §4º, artigo 4º, da Lei nº 6.404/76.

 

O capital social da companhia deverá estar fixado em seu estatuto, expresso em moeda corrente (art. 5º). Capital social é o valor patrimonial da empresa, que é formado pelas contribuições em dinheiro e pelos bens suscetíveis de avaliação em dinheiro (art.7º).

 

Sendo o capital social de uma sociedade formado pelos bens que a integram, deverá ser feita uma avaliação dos bens para definir um valor em dinheiro. Existem duas classes de bens, os bens corpóreos ou materiais, como máquinas e estabelecimentos, e os bens incorpóreos, em geral sendo estes os mais valiosos, pois compreendem o nome comercial da empresa e sua propriedade industrial.

 

De acordo com o artigo 8º da Lei nº 6.404/76, essa avaliação deverá ser feita por três peritos ou por uma empresa especializada na avaliação de bens. Estes devem ser nomeados em uma assembléia-geral formada pelos subscritores[4], convocada por meio da imprensa e presidida por um dos fundadores da companhia.

 

Uma vez nomeados os peritos ou empresa especializada, estes deverão proceder com a avaliação dos bens que formarão o capital social, sendo assim incorporados ao patrimônio da companhia. Uma vez realizada a avaliação dos bens, deverá ser convocada nova assembléia-geral para ser apresentado o laudo fundamentado com os valores. Nesta ocasião, os peritos ou a empresa especializada deverão estar presentes para dirimir eventuais dúvidas decorrentes da avaliação que por ventura surjam.

 

Apresentado o laudo e após todas as dúvidas serem sanadas, o valor determinado deve ser aprovado tanto pela assembléia quanto pelo subscritor. Se a assembléia-geral e o subscritor aprovarem a avaliação, os bens serão incorporados ao patrimônio da companhia. A transferência dos bens se darão à título de propriedade, salvo declaração expressa do subscritor indicando o contrário.

 

Caso não haja aprovação ou por parte da assembléia-geral ou por parte do subscritor, o projeto de constituição da companhia ficará sem efeito, devendo ser promovida nova avaliação, respeitando todos os quesitos legais elencados no artigo 8º e seus parágrafos, e instaurada nova assembléia-geral para apresentação do laudo.

 

Ao serem incorporados os bens ao patrimônio da sociedade, o valor deles não poderão ser maiores do que o valor dado pelo subscritor a bens.

 

Como forma de prevenir eventuais fraudes na avaliação dos bens subscritos, é disposto no parágrafo 6º do artigo 8º da Lei em análise que os avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e terceiros por danos causados, provada culpa ou dolo na avaliação dos bens, além de responderem criminalmente pelo fato. São civilmente responsáveis, além dos subscritores, os acionistas que contribuírem com bens para a formação do capital social, sendo esta responsabilidade idêntica àquela conferida ao vendedor[5], respondendo, ainda, pela solvência do devedor, caso a entrada consista em crédito do subscritor ou acionista.

 

 

* Arthur Gabriel Rodrigues do Amaral, Bacharelando em Direito na Universidade Mackenzie (São Paulo), com extensão em Leadership in Law e Legal Reasoning, Research and Writing pela Columbia University (New York, 2008); Estudou Economics and Business na Phillips Exeter Academy (EUA, 2007) e International Relations na Phillips Academy Andover (EUA, 2006); Membro da New York State Bar Association (NYSBA) e da Dispute Resolution Section (desde 2009). Assistente Jurídico da Advocacia Rodrigues do Amaral.

 

** Este artigo é parte do Programa de Iniciação Científica da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (São Paulo), do qual o autor participa.



[1] ROVAI, Armando. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 49.

[2] De acordo com o decreto nº 88.777 de 1983, em seu artigo 2º, 21, ordem pública é o “Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum” (grifo nosso).

[3] Isto se depreende do artigo 967 do Código Civil de 2002, que versa sobre a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas, sendo tal princípio aplicado, também, às sociedades empresárias.

[4] Subscritor é aquele que se compromete a pagar pelas ações subscritas. (GAMA MALCHER FILHO, Clovis Cunha da. Sociedade Anônima – Requisitos Preliminares. 26 set. 2002. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/887/Sociedade-Anonima-Requisitos-Preliminares. Acesso em: 26 maio 2009.

[5] Responsabilidade civil é aquela que obriga aquele que causo prejuízo a outrem a repará-lo (artigo 927, Código Civil de 2002) e a indenizar o prejudicado (artigo 944, Código Civil de 2002).

Como citar e referenciar este artigo:
AMARAL, Arthur Gabriel Rodrigues do. Análise à Lei nº 6.404/76 e sua Aplicação no Mundo Jurídico e Negocial: Características, Natureza e Capital Social da Sociedade Anônima. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/analise-a-lei-no-640476-e-sua-aplicacao-no-mundo-juridico-e-negocial-caracteristicas-natureza-e-capital-social-da-sociedade-anonima/ Acesso em: 19 jan. 2025