Direito Eleitoral

Aspectos jurídicos da reeleição

Aspectos jurídicos da reeleição

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Problema que se colocará para o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, nos próximos meses, é encontrar a correta interpretação do artigo 14, § 5 da Constituição Federal, cuja dicção é a seguinte:

 

“O Presidente da República, os Governadores de Estado e o do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”.

 

    

Tem-se escrito muito sobre a melhor inteligência do dispositivo, alguns entendendo que apenas os presidentes, governadores e prefeitos reeleitos não poderão concorrer a outro mandato, outros, todavia, propugnando a tese de que quem tiver sucedido não poderá candidatar-se, mesmo que nunca tenha concorrido a cargo de Chefe do Executivo. Por fim, uns poucos defendem a tese de que o vice que tenha apenas substituído, em dois mandatos, o titular do cargo, não poderá concorrer a uma terceira oportunidade de chefiar o Executivo.

    

A análise que faço do dispositivo, exclusivamente jurídica, hospeda essa última linha hermenêutica, ou seja, de que o vice que tenha substituído o titular do cargo, em dois mandatos consecutivos, é inelegível, por um terceiro período, para exercício da função de primeiro mandatário.

    

Esta posição, traz-me profundo desconforto político, pois meus dois candidatos preferenciais (Marco Maciel e Geraldo Alckmim) pela minha exegese seriam inelegíveis. Como operador do Direito, não posso, todavia, transigir com convicção jurídica, esperando, apenas, que não seja considerada a melhor Justiça Eleitoral.

    

O raciocínio que faço é o seguinte: O início do dispositivo atrás enunciado, com nitidez, declara que os presidentes, os governadores e os políticos só poderão ser reeleitos para um único período subsequente.

    

Neste ponto, o comando normativo não oferta qualquer dúvida. Após o 2º mandato são inelegíveis para o próximo período.

    

Todo problema começa na seqüência do discurso constitucional. Declara o constituinte que:

 

“e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”.

 

    

A primeira questão que se coloca é saber se os vocábulos sucedidos e substituídos são equivalentes.

Na técnica de interpretação do direito constitucional, a Constituição não pode conter palavras inúteis, cabendo ao exegeta encontrar a melhor inteligência sempre que haja aparentes inconsistências legislativas. Não teria sentido o constituinte ter utilizado, em dispositivo de incisividade evidente, os vocábulos suceder e substituir como sinônimos, contendo as duas palavras rigorosamente o mesmo conteúdo ôntico. A mesma densidade gramatical. O mesmo sentido.

    

Para mim, suceder é “substituir definitivamente” e substituir é “suceder provisoriamente”.

    

Em outras palavras, sempre que o vice assumir de forma definitiva a presidência, a governadoria ou a prefeitura, “sucederá” seu titular. Sempre que assumir provisoriamente, “substituirá” aquele.

    

Ora, tal interpretação leva-me a segunda consideração, ou seja, que, se o vice “substituir” o titular, em dois mandatos, não poderá ser eleito para um terceiro mandato, muito embora tenha concorrido apenas como “sucessor” ou “substituto” do candidato reeleito.

Reconheço que a redação do texto não foi feliz, mas não vejo como considerar que quem “substituiu” um Chefe do Executivo, num primeiro período, reelegeu-se, como seu “substituto” eventual, para um segundo mandato, exerceu a chefia do Poder, neste novo mandato, possa candidatar-se para um terceiro período e, eventualmente, para um quarto, em face de o dispositivo constitucional examinado referir-se não só a Presidente, Governador e Prefeito, mas também a seus vices, estabelecendo limite temporal para uns e outros nas funções representativas. O dispositivo tem, inclusive, sentido, na medida em que, se não constasse da lei suprema, um vice que tivesse substituído, em dois períodos, o titular, por tempo considerável, em verdade poderia governar por 4 períodos o país, o Estado ou o Município, o que, nitidamente, não foi a intenção do constituinte permitir.

    

Por fim, lembro que o Governador Hélio Garcia – que sucedeu o Presidente Tancredo Neves e que nunca foi candidato a Governador, mas a vice – viu atalhada, pelo TSE, à luz do direito constitucional pretérito, sua pretensão de concorrer ao governo de Minas, visto que o Tribunal entendeu que quem concorre a vice está concorrendo a exercício eventual da Chefia do Executivo, nas hipóteses constitucionais.

    

Quanto antes o Tribunal Superior Eleitoral, que tem poderes normativos semelhantes à Justiça do Trabalho, pronunciar-se sobre a matéria, melhor para a sucessão de 2002. De minha parte, espero que surja interpretação mais criativa que oferto ao dispositivo constitucional, segundo a qual, meus candidatos eventuais seriam inelegíveis.

 

SP, 22.03.02.

 

 

* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, Paulista e Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Aspectos jurídicos da reeleição. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/aspectos-juridicos-da-reeleicao/ Acesso em: 11 set. 2024