Economia

Minha Versão da Crise Americana

Minha Versão da Crise Americana

 

 

Mario Guerreiro

 

 

Quem me conhece sabe que não sou economista: este importante campo do saber não é minha seara. Mas, como qualquer cidadão, sou afetado pelas decisões dos economistas, principalmente as dos governos neste mundo globalizado. E como tais decisões afetam-me em meu órgão mais sensível, o bolso, não posso deixar de me informar sobre questões econômicas.

 

Além disso, já que todo mundo está formando sua opinião, cabível ou descabida, sobre a recente crise econômica que teve seu epicentro nos Estados Unidos, decidi meter também minha colher na coisa. Se o que vou dizer, estará entre os muitos artigos despropositados de economistas ou não-economistas que tenho lido ultimamente, resta-me o consolo de que não estou sozinho.

 

Primeiramente, penso que a crise não é nenhum mal passageiro como apregoam certos espíritos excessivamente otimistas, nem o fim do capitalismo privado – pensado em contraposição ao capitalismo de Estado – como apregoam certos apologetas da economia dirigida e keynesianos adeptos do welfare state.

 

Se levarmos em conta a magnitude e extensão da crise, não será exagerado dizer que ela se assemelha ao crash da Bolsa de 1929 produtor da Grande Depressão dos terríveis anos 30. O remédio para ambas também parece que será o mesmo: o Estado intervindo e aportando quantias colossais destinadas a “salvar a economia”.

 

Se o Estado deveria ter aplicado a receita keynesiana para resolver o terrível problema do desemprego e da recessão nos anos 30, tornou-se historicamente uma vexata quaestio, algo discutível do ponto de vista de economistas contemporâneos como Milton Friedman, Murray Rothbard, entre outros. E se o Estado deve aplicar receita intervencionista semelhante à atual crise, por acaso não é também algo igualmente discutível?  A moralidade do lucro não é por acaso o risco da falência?

 

Contudo, levando em consideração que a economia política cada vez mais se reduz à política econômica, ou seja: não serve aos propósitos da racionalidade econômica, mas sim ao frio oportunismo da retórica política em que contrariar os anseios dos eleitores é perder preciosos votos, não temos a menor dúvida que acabará prevalecendo alguma forma mais brutal ou menos brutal de intervencionismo. Mas isto não significa dizer que o que será feito de facto é o que deveria ser feito de jure.

 

Quanto aos efeitos, eles são bastante palpáveis: quebradeira de grandes bancos e empresas imobiliárias, inadimplência de mutuários da casa própria, etc. Mas quanto às causas? Arrisco apontar duas causas principais:

 

A primeira decorre de uma decisão governamental, a segunda de decisões de empresas privadas e pessoas físicas. Visando ao aquecimento do consumo e à facilitação de tomadas de empréstimos, o Federal Reserve (banco central americano) manteve os juros muito baixos durante demasiado tempo, quando não deveria mantê-los tão baixos durante tanto tempo.

 

Os juros não devem permanecer tão altos a ponto de dificultar empréstimos – como é o caso do Brasil atual – nem tão baixos a ponto de os estimular excessivamente – como foi o caso da crise americana. Cabe às competentes autoridades governamentais  estar constantemente acompanhado as respostas do mercado, de modo a aumentar ou diminuir, na devida proporção,  a taxa de juros. Não só na Ética como também na Economia parece que a fórmula aristotélica é válida: In medio virtus (A virtude está no meio-termo).

 

Tal medida produziu tomadas de empréstimos excessivas da parte de empresas e indivíduos imprevidentes, que deram saltos maiores do que suas pernas podiam dar. Esta segunda causa é uma decorrência da primeira; mas, diferentemente daquela, a responsabilidade não é do governo, porém do açodamento e da imprevidência de indivíduos e empresas privadas. Um estímulo pode ser aceito ou recusado. Mas, quando é prazerosamente acolhido, a responsabilidade jamais pode ser atribuída a ele, mas sim àquele que o acolheu.

 

Quanto à repercussão da crise americana na economia brasileira, não devemos pensar que ela está imunizada nem tampouco gravemente ameaçada. É verdade que hoje a nossa economia está mais preparada para enfrentar crises internas e externas. É verdade que temos reservas cambiais de bom tamanho, mas é também verdade que o Estado brasileiro não pára de inchar com pessoal e com gastos cada vez maiores. Tanto aos governos como às empresas privadas e aos indivíduos, aplica-se o mesmo princípio: Não importa quanto você ganha (ou arrecada), mas sim quanto você gasta.

 

Após ter escrito este artigo, entrei em contato com um artigo do professor de Economia, José Pires Martins (vice-reitor da Universidade Positivo) e fiquei muito satisfeito ao constatar que ele apontou as mesmas causas da crise apontadas por mim:

 

“Vista em retrospecto, a tragédia financeira em território norte-americano é resultado de várias falhas de regulação, de fiscalização e da política de juros do Banco Central daquele país. Os bancos dos EUA entraram numa orgia de empréstimos ruins, sobretudo aqueles para aquisição de imóveis, por culpa de uma regulamentação frouxa para a concessão desse tipo de crédito e pela manutenção, por anos a fio, de uma taxa de juros baixíssima. A taxa anual, definida pelo Federal Reserve, que é o Banco Central americano, chegou a ser menor do que a inflação e, com isso, criou um estopim incendiário para uma corrida irresponsável das pessoas por endividamento.”

 

“Aqui mesmo nesta coluna já escrevi lembrando que o ex-presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan, vinha fazendo sucessivos alertas sobre o excessivo endividamento das pessoas. Talvez tenha faltado ele informar que parte da culpa era do órgão que dirigia, ao manter taxas de juros baixíssimas. Passada a primeira etapa da tragédia gerada pela inadimplência dos mutuários e pela insuficiência das garantias, que resultaram da queda dos preços dos imóveis, o que se percebeu é que os empréstimos hipotecários precisam de uma regulamentação mais dura e menos concessiva.”(José Pires Martins: “Liberalismo e regulação”, republicado em redeliberal.yahoogrupos.com.

br)

Além disso, o referido professor propõe uma providência que devia ser tomada pelo governo americano e esta nos parece bastante sensata:

 

“O mundo deverá sair dessa crise sabendo que a regulamentação dos empréstimos bancários será revista, no sentido de ser mais exigente e de evitar a repetição de operações ruinosas, e que a fiscalização das instituições financeiras terá que ser mais rigorosa. Talvez volte a idéia de obrigar o sistema financeiro a formar um Fundo de Seguro Sistêmico, para o qual os bancos contribuiriam com parte dos seus resultados. Esse fundo manteria os depósitos aplicados apenas em títulos do governo americano, cuja finalidade seria servir de suporte para crises de liquidez bancária.”

 

“Um esclarecimento deve ser feito quanto ao tipo de ajuda que o Tesouro dos EUA deu para os bancos. Não houve doação de dinheiro público. O governo se tornará credor das dívidas dos inadimplentes e deverá implantar programas de refinanciamento, de cobrança e de execução. Os devedores, sejam empresas ou pessoas, não ficarão livres da obrigação de pagar seus financiamentos, sobretudo a multidão de devedores do sistema hipotecário, que tem seus imóveis em garantia das dívidas. Ou seja, o governo irá receber de volta, ao longo do tempo, todo, ou quase todo, o dinheiro que injetou para salvar o sistema neste momento.” (José Pires Martins, op.cit.).

 

Disto tudo se conclui que crises econômicas têm, em derradeira instância, causas de natureza não-econômica. No particular caso da crise americana, não fosse a imprudência do Federal Reserve oferecendo juros demasiadamente baixos durante tempo demasiadamente longo, não fosse a imprudência dos tomadores de empréstimos em fazer empréstimos além de sua capacidade de arcar com os custos, e não haveria nenhuma crise.

 

Não por acaso, Aristóteles considerava a phronesis (prudência) a mais elevada das virtudes dianoéticas.

 

 

 

Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mario. Minha Versão da Crise Americana. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/economia/minha-versao-da-crise-americana/ Acesso em: 15 set. 2024