Enfim, o grande vilão da crise americana
Mario Guerreiro*
De todo os artigos motivados pela crise americana – uns inspirados por Keynes tentando mostrar as falhas do laissez faire e justificando a intervenção estatal na economia, outros de profetas esquerdopatas pregando o fim do capitalismo – o mais acertado e sucinto que até agora pudemos ler foi o de Cezar Cauduro Roedel intitulado “As viúvas de Stalin e a crise americana” (em www.if.org.br/analise.php).
Em primeiro lugar, ele chama a atenção para dois inegáveis fatos históricos: (1) a crise americana tem sua causa imediata na quebra de duas grandes hipotecárias: a Fannie May e a Freddie Mac, que foram aquinhoadas com verbas colossais no governo de George W.Bush. (2) E é preciso acrescentar que ambas foram criadas por Franklin D. Roosevelt na década de 30, como parte do programa do New Deal.
É sabido que, para combater a crise gerada pelo crash da Bolsa em 1929, Roosevelt seguiu a receita keynesiana, que mandava o Estado subsidiar grandes empresas e financiar obras colossais, como a do Tennessee Valley Authority, para combater o desemprego e aquecer a economia. Receita semelhante já foi recentemente anunciada por Barack Obama ao propor grandes obras na malha rodoviária nacional em seu futuro governo. Neste particular, Karl Marx estava certo: “A história se repete, só que a primeira vez é tragédia e a segunda, farsa”. (Vide O 18 Brumário de Napoleão).
Tal como no New Deal, os programas assistencialistas do governo Bush previam acesso de todos os cidadãos americanos à casa própria, independentemente de estes mesmos terem mínimas condições de saldar os empréstimos recebidos, coisa que nenhuma empresa privada faria, pois seria decretar sua própria falência.
Ninguém devia levar a sério a demagógica Declaração dos Direitos Humanos da ONU (1948) em que são tomadas como “direitos” coisas que não passam de “legítimas aspirações”. Por exemplo: todo homem tem direito ao emprego; todo homem tem direito à moradia, etc. Isto é inegavelmente desejável, mas quem assume o dever de prover tais coisas? Ora, o Estado-Drácula com o dinheiro do vampirizado contribuinte.
Mas acontece que as gigantescas hipotecárias não eram empresas privadas, mas sim paraestatais. Segue-se, portanto, que é um rematado contra-senso afirmar que estão em jogo “falhas do mercado”, quando se trata na realidade de falhas de políticas públicas demagógicas e irresponsáveis. O grande vilão não é a economia de mercado, mas sim a atuação do governo. Ele criou a crise e ele mesmo se apresenta para resolvê-la, assim como o inescrupuloso hacker que cria um vírus, inocula-o na Internet e depois põe à venda o antivírus.
Assim sendo, concordamos inteiramente com Roedel quando ele afirma: “Em uma situação de economia de mercado, os bancos não cederiam empréstimos para pessoas com histórico creditício duvidoso. A economia de mercado prevê que só se pode emprestar dinheiro para pessoas que podem honrar suas dívidas”. Por que raios, então, os banqueiros cediam esses empréstimos?
Boa pergunta e excelente resposta de Roedel: “Em 1977, no então governo Carter, foi criado o Community Reinvestment Act(Decreto Federal de Reinvestimento Comunitário) que obrigava os bancos a fazerem empréstimos aos cidadãos sem capacidade de honrar suas dívidas com o aval das gigantescas hipotecárias, a juros mais baixos, justamente para que todos tivessem acesso à casa própria. Os bancos que não se adaptassem a essas regras não poderiam fazer fusões, aquisições e novas linhas de negócio, até que provassem ao governo certo número de empréstimos aos maus pagadores”.
O my God! Que é isso? Onde estamos? Obrigar a uma pessoa física ou jurídica a fazer empréstimos é o fim da picada: verdadeiro atentado à liberdade de escolha, em nome de uma “nobre causa social”, como se os objetivos justificassem os meios, de acordo com a moral do comunismo!
Mas, na realidade, não se tratava exatamente de criar uma obrigação, mas sim de fazer uma reles chantagem: Ou o banco emprestava dinheiro a fundo perdido ou se via cerceado em algumas das suas legítimas atividades bancárias. Novamente, concordamos ipsis litteris com Roedel quando ele conclui seu excelente artigo:
“Longe de ser uma ‘falha de mercado’, o que estamos vivenciando é o resultado de uma política muito antiga de intervenção na economia. Enquanto alguns saem dizendo que o capitalismo falhou, não percebem que a falha veio do governo, de uma política redistributivista e socialista.”
Mais do que nunca torna-se imprescindível ler (ou reler) A Ética da Redistribuição de Bertrand de Jouvenel (Porto Alegre. Ortiz & Instituto Liberal & Liberty Fund.1996) com o imperdível prefácio de J.O. de Meira Penna.
Advertimos que a palavra “ética” do título da obra tem uma conotação intencionalmente irônica e pejorativa, como na asserção: “A ética de Robin Hood consistia em roubar dos ricos para dar aos pobres”. É claro que num regime socialista isto não acontece, porque, entre ricos e pobres, estão os burocratas que repartem o bolo e ficam com a maior parte do mesmo.
Como já dizia o vetusto e astuto provérbio português: “Quem parte e reparte e para si não tira a melhor parte, é um tolo ou no partir não tem arte”. Logo: tire-se a faca da mão do governo!
* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.
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