Três Propostas Para Reforma e Eficiência do Sistema de Justiça Criminal Brasileiro
Cândido Furtado Maia Neto*
1. “Toga Negra” versus “Jaleco Branco”
Inimputabilidade dos enfermos mentais
2. “Justiça Penal” versus “Justiça Social”
Responsabilidade penal dos menores infratores
3. “Repressão da Delinqüencia” versus “Tutela Criminal”
Devida atenção às vítimas de crime
INTRODUÇÃO
As três propostas são de caráter urgente-urgentíssimo para as “agências executiva, judiciária e legislativa”, em face da necessidade de modernização do sistema de administração de justiça criminal brasileira, tomando como base os fundamentos do Estado Democrático de Direito e os princípios de Direitos Humanos aceitos de maneira expressa – via processos de adesão e ratificação – como garantia e proteção nacional e internacional; bem como as teorias e conceitos vinculados as ciências penais, criminológicas e vitimológica, para uma possível e não utópica mudança contemporânea na praxis juridico-penal.
Volatire (+ 1755) já predicava no século xviii, a necessidade de renovação dos costumes judiciais, através de nova prática dos tribunais daquele tempo.
Mister se faz ressaltar que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito (art. 1º CF), consequentemente o sistema penal deve residir nesta ótica, onde as leis criminais somente terão legitimidade quando o princípio da legalidade e da representação popular forem observados, considerando que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art 5º, inc. XXXIX CF), e que “compete privativamente a União, através do Poder Legislativo e Executivo, legislar e aprovar normas de direito penal e processual penal (art. 22, inc. I CF).
De outro lado, não há que se olvidar de dois princípios reitores, a hierárquia vertical das leis penais, e a “ultima ratio” das ciências penais (direito penal e processual penal), para a prevenção e repressão de atos definidos como “ilícitos”, via reducionismo ou minimalismo penal.
Os documentos de Direitos Humanos – Tratados, Pactos, Convenções, etc. – adotados pelo governo brasileiro, via processo legislativo próprio (art. 59 usque 69 CF), bem como as garantias individuais e coletivas fundamentais possuem aplicação imediata (art. 5º parágrafos 1º e 2º CF), restando proibido ao Estado invocar qualquer justificativa para descumprir regra de direito público interno e externo, como estabelece a Convenção de Viena sobre os Tratados, de 1969, arts. 26 e 27, nos termos da Emenda Constitucional nº 45/2004.
Portanto, na ordem de precedência, soberania e validade das normas vigentes teremos a Constituição Federal e os princípios gerais de direitos humanos no tocante as garantias fundamentais de respeito à dignidade da pessoa humana, por último regem os dispositivos do Código Penal, Processual Penal e da Lei de Execução Penal.
Destacamos que os princípios gerais de direito (art. 3º CPP) possuem maior valor que os dispositivos da lei ordinária ou infra-constitucional, propriamente dita. Já decidiu o Pretório Excelso, na hipótese de conflito entre lei ordinária e tratado, prevalece o Tratado – leia-se todos documentos internacionais de Direitos Humanos – STF, HC 58.272, DJU 3.4.81, p. 2854; HC 58.731, DJU 3.4.81 p. 2854 – (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Promotor de Justiça e Direitos Humanos”; ed. Juruá, Curitiba, 2º ed. 2007).
1. “Toga Negra” versus “Jaleco Branco”
Inimputabilidade dos enfermos mentais
O instituto da inimputabilidade é aplicado no contexto da saúde mental do agente ativo de uma infração penal, quando se trata do portador de enfermidade, em virtude de desenvolvimento psÍquico incompleto ou retardado, quando no tempo da ação ou omissão, era incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento (art. 26 CP).
Aos imimputáveis o direito penal reservou as medidas de segurança (art. 96 e sgts CP). São, na verdade, penas privativas de liberdade com outra denominação, para uns as medidas de segurança são na prática sanção muito mais drástica que as detenções ou reclusões, impostas àqueles que cometeram crimes com vontade e plena capacidade de entendimento sobre a ilicitude de seus atos (dolo); daí a razão de se dizer que são injustas e desumanas, ainda mais se levarmos em consideração a possibilidade de se alongarem no tempo até 30 anos de internamento. A Carta Magna proibe sanções de caráter perpétuo (inc. XLVII, “b” do art. 5º CF), e as medidas de segurança descaracterizam o princípio da reserva legal quanto a possíbilidade de cominação entre o mínimo e máximo da pena, posto que é flutuante a regra disposta no § 1º do art. 97 do Código Penal. Ademais das condições infra-humanas dos estabelecimentos em que se executam, tais penas ou medidas “curativas”, nos chamados Manicômios Judiciários ou Hospitais de Tratamento Psiquiátricos, em regra geral são muito mais atentórias à dignidade humana do que o tratamento nos presídios e penitenciárias (ver MAIA NETO, Cândido Furtado: “A inconstitucionalidade da Execução da Pena Privativa de Liberdade. Flagrante atentado aos Direitos Humanos”, in Direitos Humanos do Preso, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998).
Os chamados Manicômios Judiciários são verdadeiras instituições de sequestros, assim definiu E. Goffan.
Foi nos anos de 1940 e 1960 que as medidas de segurança foram propostas pela Escola da Defesa Social, por Felippo Gramatica, e na Nova Defesa Social por Marc Ancel. Para E. Raúl Zaffaroni, o nome medidas de segurança serve apenas para encobrir a perpetuidade da sanção, e nada mais.
O direito penal brasileiro adotou o sistema vicariante (Lei n. 7.209/84), revogando a teroria do duplo binário.
A responsabilidade do Estado deve estar a cargo dos funcionários envolvidos com as ciências médicas e não do Poder Judiciário. Saúde é dever do Estado (Poder Executivo, art. 196 e segts.CF). Segundo a teoria finalista da ação e o sistema vicariante, adotado na última reforma penal pátria (Lei nº 7.209/84), somente é delito quando o agente possui pleno conhecimento de sua capacidade intelectiva, age com dolo – intenção (art. 18, I CP), ou com culpa – negligência, imprudência ou imperícia (art. 18, II CP), uma vez que se trata de elemento subjetivo constitutivo do tipo penal. Deste modo, porque o Estado-Juiz (Poder Judiciário) reprime quem não teve a intenção de cometer um delito. Há um desencontro entre a teoria finalista da ação com o sistema vicariante das medidas de segurança (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Medidas de Segurança e Teoria Finalista da Ação” – Livro de Teses; Tomo II; Ministério Público e Democracia; Fortaleza-Ceará – maio/1998. Tese apresentada e aprovada no 12º Congresso Nacional do Ministério Público).
Comparativamente acontece com os viciados em drogas proibidas, cuja doença não mais admite aplicação de pena privativa de liberdade – detenção ou reclusão, nos termos da nova Lei nº 11.343/2006. Assim poderiamos perguntar porque o Estado continua insistindo no desejo de punir os enfermos mentais ? Porque o assunto não é trato pelo juízo civel segundo o Código Civil, Lei nº 10.406/ 2002, nos termos da curatela, art. 1767 e seguintes. As internações determinadas pelo juízo civel seriam sem dúvida muito mais saudáveis e menos desumanas do que as internações – “prisões” (medidas de segurança) – emanadas pelo juízo criminal.
2. “Justiça Penal” versus “Justiça Social”
Responsabilidade penal dos menores infratores
Teoria da responsabilidade penal ou da imputabilidade biológica pela idade do agente ativo (art. 27 do CP e art. 228 CF).
Entedemos que os autores de fato tipico criminal com idade entre 16 a 21 anos (jóvem-adulto), deveriam responder perante a justiça penal; porém, num sistema diferenciado através de procedimento próprio ou especial, e a internação em estebelecimento adequado na hipótese de necessidade de adoção de medida cautelar provisória ou sancionatória, reafirmando a jurisdição e a competência da justiça penal, quando se tratar de crime violento ou com grave ameaça a pessoa (homicídio, assalto, estupro, etc.).
Não devemos adotar o sistema ou teoria do dissernimento, porque é falho e muito perigoso; atenta contra as garantias fundamentais da cidadania e contraria as regras mínimas de Direitos Humanos, detre elas a isonomia, dignidade da pessoa humana conduzindo ao retrocesso das teorias criminológicas positivistas do final do século xviii e início século xix.
Os jóvens-adultos (16 a 21 anos) devem ser atendidos juridica, psicologica e socialmente pelos órgãos do Estado, para a realização da justiça social e penal.
Não se trata simplesmente de rebaixar a idade para se definir a responsabilidade penal, mas de considerar, nos dias atuais que os jóvens de 16 anos de idade, possuem plena consciência sobre o que é lícito ou ilícito. Não estamos mais na época do Código Penal de 1940, ou no tempo da reforma de 1984. O mundo inteiro mudou em face dos meios de comunicação de massa e da informática, fezendo com que todos os cidadãos tenham mais deveres e maior responsabilidade sociais (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Responsabilidade e Justiça Criminal”, Revista Prática Jurídica, nº 15, junho/2003, ed. Consulex, pg. 17, Brasilia-DF).
3. “Repressão da Delnqüencia” versus “Tutela e Prevenção Criminal”
Devida atenção às vítimas de crime
A vitimologia na atualidade é considerada ciência autônoma, não é mais apêndice da criminologia ou considerada disciplina auxiliar do direito penal, como no passado.
A vítima no direito penal tem que ser vista quanto a sua atitude e comportamento na análise da aplicação da pena; e no âmbito do direito processo penal necessita ser considerada como titular do bem jurídico penal ofendido, na sua qualidade de protagonista processual principal, ou seja, com direito de vez e de voz na ação penal pública (ver MAIA NETO, Cândido Furtado: in “Ministério Público na tutela dos Direitos Humanos das Vítimas de Crime”; tese apresentada e aprovada por unamidade no XVII Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em Salbador-BA, 26 29 de setembro de 2007).
O ofendido do crime – a vítma – deve ter poder de composição, de perdão e de renúncia da persecução criminal frente ao vitimário, nos delitos cujos bens tutelados sejam disponíveis e até alguns indisponíveis cujo atentando, contra estes tipos de bens, não tenha sido com gravidade.
O princípio da oportunidade da ação penal pública prevalecendo de certa maneira sobre o princípio da obrigatoriedade, este reduzindo-se aos crimes gravíssimos. Na atualidade a oportunidade da persecução penal com legalidade, racionalidade e economia processual.
A proposta é fazer com que nas ações penais públicas seja admito o perdão tácito e expresso. Os institutos da ação penal privada devem se deslocar para a ação penal pública, a fim de se ter mais instrumentos processuais e institutos penais que possibilitem agilizar e desburocratizar o sistema legal de administração de justiça criminal, em nome dos princípios da oportunidade, da economia e da celeridade processual. Somente nos crimes graves, praticados com violência e aqueles que exigem uma ordem de atuação estatal, por exemplo nos delitos contra a vida, contra a administração pública, contra a justiça, etc.
Necessitamos de um modelo de justiça penal reparadora, conciliadora que reconstrua o conflito e não um dirteito penal eminentemente repressivo, inútil e ilógico, ou apenas um modelo de redefinções de conflitos que somente produz efeitos negativos para todos – Estado e sociedade (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, tradutor de “Nova Criminologia a luz do Direito Penal e da Vitimologia”, ed UNB, Brasília-DF, 2001, Autor Antonio Beristain)
CONCLUSÂO
O Sistema Penal é burocrático, arcaico e imperrado por sua própria natureza, necessitamos mudar a praxis atual e enfrentar as questões com responsabilidade social. Não serão apenas as reformas legislativas que irão resolver os sérios problemas criminais, é preciso aplicar e respeitar os princípios gerais de direito penal democrático para adequar critérios de mudança e eficiência.
Na sua quase totalidade os profissionais do direito criam leis e acreditam que a realidade se transformará simplesmente pela vigência de normas e regulamentos. Devemos fazer com que a Constituição seja respeitada e não se torne letra morta ou simples norma de papel. O direito penal precisa urgentemente ser utilizado como ultima ratio e não como prima ratio dos ramos das ciências jurídicas, ante a presente tentativa de expansão do direito penal, cada vez mais, na atualidade, na contra-mão da história e dos postulados científicos e acadêmicos, a exemplo dos tipos penais difusos e imposições de danos eminentes que invade o conceito de dano concreto no direito penal democrático, atropelando o princípio da taxatividade.
Afirma-se que o objetivo da repressão estatal é a intimidação via sanção penal, encarceramento e ressocialização do condenado (art. 1º LEP), fato inverídico porque a prisão não foi imaginada e nem inventada para tal desiderato. A prisão degrada o ser humano, gera a reincidência e cria muitas mazelas, através do processo negativo de prisionalização e de desculturalização. Nâo é possivel ensinar alguém ter responsabilidade vivendo sem liberdade e sem deveres, em um mundo “cão”, sem leis e nas universidades do crime, cuja sede ou campus avançados são as cadeias públicas, prisões e penitenciárias expalhadas pelo mundo em todos os cantos e continentes.
* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério Público Democrático.Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br
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