Toda Mulher Tem Direito a Uma Vida Livre de Violência Lei Maria da Penha
Izanete de Mello Nobrega*
I – INTRODUÇÃO
A violência doméstica contra a mulher é uma questão sócio-econômico e cultural, porque sempre existiu em nossa sociedade e atinge mulheres de todas as classes sociais.
Desde o século XVIII as mulheres lutam por seus direitos em todo o mundo. No Brasil, foi apenas no século XXI que as mulheres conseguiram ganhar uma lei específica sobre a violência doméstica: A LEI MARIA DA PENHA.
A lei recebeu esse nome em homenagem a uma vítima real dessa violência: a cearense Maria da Penha Maia.
Maria da Penha, uma biofarmacêutica, foi agredida por seu marido durante seis anos. O marido de Maria da Penha, um professor universitário, tentou assassiná-la por duas vezes. Na primeira vez com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda vez por eletrocussão e afogamento.
O caso chegou a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou pela primeira vez, a denúncia de um crime de violência doméstica.
O marido de Maria da Penha só foi punido depois de dezenove anos de julgamento. Ele foi condenado a oito anos de prisão, porém conseguiu recorrer e ficou apenas dois anos em regime fechado. Hoje ele está em liberdade.
II – A LEI
O fundamento do Direito está na convivência humana e o ordenamento jurídico reconhece a necessidade da observância dos clamores sociais, pois a lei tem caráter de bilateralidade, isto é, o Estado e a sociedade caminham juntos para que haja justiça.
A Lei 11340/06, foi decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva em sete de agosto do ano de dois mil e seis, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Esta lei ficou mais conhecida como Lei Maria da Penha entrou em vigor no dia vinte e dois de setembro do ano de dois mil e seis.
O objetivo da Lei é interromper o ciclo da violência no convívio doméstico e garantir a equidade e respeito entre homens e mulheres, pois isso é uma questão de segurança e saúde pública.
A Lei traz novos princípios e orientações para garantir maior amparo às mulheres vítimas da violência doméstica.
III- CARACTERÍSTICAS DA LEI
A Lei alterou o Código Penal e o Código de Processo Penal brasileiro, possibilitando que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante (no caso de flagrante delito) ou tenham sua prisão preventiva decretada (para garantir a execução das medidas protetivas de urgência), não podendo mais esses agressores serem punidos com penas alternativas, como penas de cestas básicas ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. A legislação também aumenta o tempo máximo de detenção previsto.
A medida alterou a Lei de Execuções Penais, o que passou a permitir que o juiz possa determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação, o que antes não acontecia. As investigações também passaram a ser mais detalhadas, com depoimentos também de testemunhas.
Antes, o crime de violência doméstica era considerado de “menor potencial ofensivo”, e julgado nos juizados especiais criminais junto com causas como briga de vizinho e acidente de trânsito. Na Lei Maria da Penha não se aplica a Lei 9099/95, independentemente da pena prevista.
Antigamente, para dar maior rapidez ao processo, as vítimas entregavam a intimação ou notificação ao agressor. Hoje esta prática está proibida pela Lei. A Lei ainda garante a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
A desistência do processo (nas ações penais públicas) só poderá ocorrer em audiência designada para tal finalidade, devendo estar presente a ofendida perante o juiz, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
A nova legislação prevê a criação do “Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”, e institui uma série de medidas de proteção à mulher agredida. São exemplos dessas medidas protetivas de urgência: o afastamento do agressor do lar, a recondução da vítima à casa desocupada pelo agressor, a separação de corpos, a apreensão de possíveis armas e até uma distância mínima entre o agressor e vítima determinada pelo juiz, entre outras.
Está previsto a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, nas Delegacias de Atendimento à Mulher, promoção e realização de campanhas educativas de prevenção, promoção de programas educacionais, capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e profissionais afins.
IV- CRÍTICAS NEGATIVAS
Existem correntes que consideram a lei um marco na luta contra a violência doméstica, pois a lei atende a fins sociais, cumpre o § 8º do art. 226 CF, e garante a dignidade da pessoa humana.
Há uma outra corrente alegando que a violência contra o homem também é um problema sério, minorizado pela vergonha que sentem em denunciar agressões sofridas por parte de companheiras agressivas. Essa agressão é caracterizada pela coação psicológica, estelionato (casamentos por interesse), arremesso de objetos e facadas, dentre outros.
Os críticos acusam a Lei Maria da Penha de ser inconstitucional porque fere o art. 5º da Constituição da República, que garante direitos iguais a todos, portanto o termo “violência contra a mulher” seria incompleto, pois separa “a violência contra as mulheres” dos demais.
Os críticos também dizem que a lei é inconstitucional porque afastou os princípios da Lei 9099/95 e que no intuito de defender a mulher poderá acabar com os direitos dos homens.
A corrente que defende a constitucionalidade da lei afirma que não há conflito de leis.
V- O AGRESSOR
O agressor é fruto de nossa sociedade, e infelizmente ele também é vítima dessa violência porque a maioria dos homens agressores são usuários de drogas/álcool e, o desemprego, o ciúme e a baixa auto estima também são fatores que contribuem para a agressão doméstica.
Geralmente o agressor começa a assediar moralmente a vítima, passando a ameaçá-la, depois começa a agredi-la com lesões corporais leves, em seguida lesões corporais graves, e se não houver uma medida para proteger a mulher, poderá até chegar a tentativa de homicídio e ao homicidio.
É necessário ouvir o homem, conhecer sua história, saber o motivo que o levou a agir agressivamente, para conseguir interromper o ciclo da violência. Dar assistência ao homem é importantíssimo, pois se somente a mulher tiver assistência, a violência nunca irá acabar.
VI- A VÍTIMA
A violência doméstica traz graves consequências para a sociedade, pois a mulher não é a única vítima. Os filhos, o homem, a família também são vítimas.
As mulheres são consideradas “sexo-frágil”e, muitas vezes com medo de ficarem totalmente desamparadas, não denunciam o agressor, que fica a cada dia mais violento.
Em razão disso, a Lei Maria da Penha, que visa a dar assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, precisa ser aplicada com rigor e prioridade.
Na aplicação dessa lei, os operadores do Direito devem ter o especial cuidado ao analisar cada caso, porque existem homens violentos, existem mulheres que provocam a violência e mulheres que, baseando-se na lei, agem de má fé, simulando a violência doméstica com o intuito de vingança ou retirar direitos do homem, tornando o suposto agressor numa vítima efetiva da violência doméstica.
VII- INTERPRETAÇÃO DA LEI
O artigo 5º da LICC prevê a aplicação da lei em conformidade com o contexto histórico-social, entretanto é preciso interpretar para ajustar a letra da lei às condições e exigências de uma estrutura social, cada vez mais densa, mais intensa, mais complicada e dinâmica. A interpretação da lei deve ser vista pela ordem jurídica da estruturação econômico-social, da evolução e das transformações sociais.
Há diferenças entre interpretações nas decisões judiciais porque uns são conservadores e outros progressistas.
A Lei Maria da Penha deve ser interpretada considerando os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Nas cidades de São Gonçalo (RJ) e Niterói (RJ) ocorrem interpretações diferentes da mesma Lei Maria da Penha aplicada na cidade do Rio de Janeiro. Podemos citar como exemplo, o seguinte fato: na cidade do Rio de Janeiro, sendo a vítima a empregada doméstica, ela também é amparada pela Lei Maria da Penha, pois a lei no inciso I do artigo 5º abre espaço para este tipo de interpretação, quando fala de pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. O mesmo tipo de interpretação não ocorre nas outras cidades mencionadas. No Brasil, muitas vezes, considera-se a empregada doméstica como alguém que faça parte da família.
Um outro caso, que pode vir a ocorrer, é o homem que tem características femininas, psicologicamente se sente mulher, faz cirurgia para mudança de sexo ou vive como se mulher fosse, possui um relacionamento semelhante a união estável com seu companheiro e sofre uma agressão doméstica por parte dele, neste caso a Lei Maria da Penha poderia ser utilizada, porque de acordo com o § único do artigo 5º da Lei 11340/06, as relações pessoais independem de orientação sexual.
Em razão disso, percebe-se que a interpretação resulta do processo de transformação do próprio sistema jurídico.
VIII- DELEGACIA ESPECIALIZADA AO ATENDIMENTO À MULHER (DEAM)
As DEAMs são delegacias especializadas ao atendimento à mulher vítimas de agressões, não se destinando apenas a agressões domésticas.
Existe uma norma técnica para padronizar as delegacias de atendimento à mulher pelo Brasil. Por enquanto, cada estado possui uma estrutura diferente. No Estado do Rio de Janeiro existem nove DEAMs, sendo que nas cidades de Niterói, São Gonçalo e Nova Iguaçu as delegacias ainda precisam ser padronizadas, pois ainda tem uma estrutura convencional.
As DEAMs padronizadas possuem uma estrutura informatizada, com balcão de atendimento, consultas à bancos de dados, assistentes sociais, dando um suporte total ao atendimento da mulher, visando um controle de qualidade nesse atendimento.
As diretrizes das DEAMs são: especialização dos serviços, natureza do serviço visando as beneficiárias e qualificação de profissionais para maior eficiência ao atendimento à mulher.
Os procedimentos padronizados são divididos em fases:
· atendimento e acolhimento (momento mais importante, pois ouve-se a mulher de forma sigilosa e não julgadora;
· orientação (informações esclarecedora e qualificada sobre todas as fases do procedimento, informa os direitos da mulher e encaminha para os serviços que compõe a rede de atendimentos);
· procedimentos criminais (registro de ocorrência, verifica quem é o agressor, saber se a Lei 11340/06 é aplicável naquele caso, toma ciência dos direitos, solicitação de medidas protetivas, inquérito policial, investigação);
· monitoramento (desdobramento das ocorrências em sua fase judicial, monitoramento em rede de ocorrências, prestação de informações à mulher a respeito do encaminhamento de sua denúncia e corregedoria).
As DEAMs também desenvolvem um trabalho de prevenção que tem como principal característica prevenir para não reprimir, mantendo um projeto de informações na recepção de orientações básicas para as mulheres.
IX- PACTO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A União, os estados e os municípios, segundo suas competências e atribuições, estão comprometidos para enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres a partir de uma visão geral e integral deste fenômeno.
As ações desse pacto incluem prevenção, assistência e combate a violência contra a mulher, para a garantia de direitos humanos.
O principal objetivo desse pacto é a implementação da Lei Maria da Penha e fortalecimento dos serviços especializados de atendimento à mulher em todo o Brasil.
Os estados que já assinaram o pacto foram: São Paulo, Bahia, Ceará, Pernambuco, Espírito Santo, Maranhão, Rio de Janeiro, Pará, Minas Gerais e Tocantins. Há previsão para outros estados também assinarem esse pacto.
Já está em funcionamento o Disque Denúncia contra a Violência Feminina, através do telefone 08002820119.
É o comprometimento de todos com ações para erradicar a violência contra as mulheres no Brasil.
X- OBSERVAÇÃO
Em relação ao penúltimo parágrafo do item VII, INTERPRETAÇÃO DA LEI, a autora esclarece que não foi abordado esse assunto na palestra sobre a LEI MARIA DA PENHA. Trata-se apenas de uma hipótese que ainda não ocorreu no sistema jurídico e que pode vir a ocorrer algum dia.
A autora imaginou a seguinte situação: pense em uma pessoa muito conhecida, a Roberta Close. Você conseguiria chamá-la pelo nome de batismo? Com certeza seria estranho, porque todos a vêem como mulher, independentemente de ter feito cirurgia para mudança de sexo. Na sua opinião, qual o banheiro público que ela deveria frequentar? O feminino ou o masculino? Com certeza o feminino, porque se ela for ao banheiro masculino será atacada pelos homens.
A Roberta Close se sente mulher, é tratada como mulher, e tem até celulite, que é uma característica super feminina, ou seja, ela é uma mulher.
Se a Roberta Close sofrer uma agressão doméstica por parte de seu companheiro, ela poderia estar amparada pela Lei Maria da Penha?
A resposta para essa pergunta seria: depende. Porque dependerá da interpretação do juiz, que poderia basear-se na Constituição da República, que garante a igualdade entre homens e mulheres e proíbe qualquer tipo de discriminação ou preconceitos e ainda há no § único do artigo 5º da Lei Maria da Penha, a informação de que as relações pessoais independem de orientação sexual, e com isso ampará-la nesta lei.
A sociedade cria sempre acontecimentos novos e de forma imprevisíveis. Em razão disso, conclui-se que a interpretação da lei depende de quem interpreta essa lei. Há uma frase que diz assim: cabeça de juiz é igual bolsa de mulher, porque você nunca imagina o que pode sair de dentro.
XI- CONCLUSÃO
A violência doméstica é um fato histórico, sempre presente em nossa sociedade, porque a mulher sempre foi discriminada no contexto sócio-econômico cultural. A violência contra a mulher constitui forma de violação dos direitos humanos.
A Lei 11340/06 ficou conhecida como Lei Maria da Penha e foi uma homenagem a uma vítima real dessa violência. Essa lei foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sete de agosto de dois mil e seis, criando mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher. Entrou em vigor no dia vinte e dois de setembro de dois mil e seis.
A medida alterou a Lei de Execuções Penais, o Código Penal, o Código de Processo Penal, proibiu que seja utilizada a Lei 9099/95 e ainda prevê a criação do “Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”.
A Lei Maria da Penha foi um passo importante para enfrentar a violência contra as mulheres e as medidas preventivas de urgência foram um avanço da lei.
Na interpretação da Lei Maria da Penha deve-se considerar os fins sociais a que ela se destina. A interpretação jurídica deve basear-se nos fatos e não somente na literatura, porque essa interpretação depende de quem interpreta esses fatos. O tema interpretação necessita de reflexão, de parar para pensar.
Deve-se ter o especial cuidado na aplicação da Lei para que não ocorra injustiças. A única base para testar conceitos é a própria experiência, portanto como a Lei Maria da Penha ainda é muito recente, é necessário que seja mais aplicada para ser mais amadurecida.
Existem críticas negativas à lei, gerando uma certa polêmica. Os críticos alegam que a lei é inconstitucional pois quebra a isonomia de gêneros e proíbe a aplicação da Lei 9099/95, enquanto que as críticas positivas informam que não há conflito de leis.
O homem agressor é fruto da nossa sociedade e ele não pode ser considerado culpado até que tenha a sentença transitado em julgado, fazendo-se necessário respeitar o direito dos homens.
No Estado do Rio de Janeiro existe nove Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM) que são especializadas no atendimento à mulher vítima de agressões, não se destinando somente a agressões domésticas. Algumas dessas delegacias ainda precisam ser padronizadas.
Há um Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, que é extremamente necessário para organizar grupos sociais articulados, mobilizados conscientemente, objetivando constituir forças para uma ação completa de transformação da sociedade, com a finalidade de erradicar a violência doméstica contra a mulher, superando essas profundas mazelas sociais.
A Lei Maria da Penha abrange todas as mulheres, assegurando-lhes os direitos que já estão estabelecidos na própria Constituição Federal. O enfrentamento desse grave problema depende de mudanças de valores, hábitos e atitudes, e as práticas sociais devem estar de acordo com a lei, pois TODA MULHER TEM DIREITO A UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIA.
XI- BIBLIOGRAFIA
1- VADE MECUM, EDITORA SARAIVA, ANO 2009, 1ª EDIÇÃO
2- II SEMINÁRIO SOBRE OS JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E DIVULGAÇÃO DA REDE DE APOIO À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÈSTICA E FAMILIAR, NA EMERJ, EM 27/03/2009.
3- MESA REDONDA – LEI MARIA DA PENHA, UNIVERSO, SÃO GONÇALO, 24/03/2009.
4- CAFFÉ, ALAOR; LAFFER, CELSO; ROBERTO, EROS; KONDER, FABIO; SILVA, GODOFREDO DA – O QUE É FILOSOFIA DO DIREITO? – EDITORA MANOLE.
5- http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/03/07/materia.2007-03-07.2152127859
6- http://oglobo.globo.com/rio/mat/2007/03/01/294757003.asp
* Aluna do 2º período do curso de direito da faculdade universo em são gonçalo. bacharel em ciências contábeis, e já está cursando disciplinas (direito penal, criminologia) de períodos mais avançados (5º período).
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