Teoria Constitucional-Penal aplicada à luz dos Direitos Humanos
Cândido Furtado Maia Neto*
Resumo: O presente trabalho versa sobre o direito constitucional à luz da norma penal pátria e das cláusulas pétreas constantes nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos. Análise crítica de alguns princípios constitucionais fundamentais da cidadania, assegurados na Carta Magna brasileira, para a efetivação do Estado Democrático como instituído pela República Federativa do Brasil, “ex vi” do art. 1º da “lex fundamentalis”, base para a concretização de uma sociedade justa e solidária. O Ministério Público é a instituição incumbida de promover e tutelar os direitos indisponíveis da cidadania, nos termos do art. 127 da Constituição federal; em outras palavras a defesa do regime democrático e dos Direitos Humanos de aceitação tácita universal, bem como aqueles aderidos e/ou ratificados pelo governo nacional através do processo legislativo próprio. A importância da aplicação e interpretação correta da lei para efetivar uma práxis policial-forense verdadeiramente democrática, nos moldes da ordem jurídica legal constitucional e internacional positiva.
Abstract: This issue is concerned to constitutional Rights under the Criminal Law valid in Brazil and it is based on the International Right. The theoretical base is found on the clauses referent to Human Rights. The citizenship according its principles is here seen as the goal for analysis on the Principal Norm in the Brazilian Right specially in terms of a democratic state like the National Republic of Brazil “ex vi”, under the article Fisrt of “lex fundamentalis”. The present analysis confirms the bases for a Nation with justice in human global perspective. The rights supposed for a complete disposition of citizenship in this age is a responsibility of Public Jurists of the Public Ministry in terms of the article 127 of Brazilian Constitution what means, the defense of a democratic state and the Human Rights in its Universal Declaration as well as the national fundaments referent those rules are essential in a society named for democratic. In this study these perspectives are focused in order to confirm the democracy depends on the application of those norms and the public justice has to be the central power for a positive intervention in the actual order based on Natural Judgment.
Palvaras-Chaves: Constituição. Direito. Penal. Direitos Humanos. Cidadania. Princípios. Garantismo Jurídico. Segurança Jurídica. Norma. Legislação. Justiça. Ministério Público. Defensoria Pública. Legalidade. Reserva legal. Isonomia. Presunção de inocência. Contraditório. Ampla defesa. Onus probandi. Investigação. Ação penal pública. Tribunal de exceção. Juízo natural.
Key-words: Constitution, Democracy and Citizenship, Natural Judgment, Human Rights.
1. Introdução
As cláusulas pétreas e os dispositivos constitucionais que possuem estreito vínculo com os instrumentos internacionais de Direitos Humanos e com as normas penais ordinárias, substantivas, adjetivas e executivas vigentes na legislação doméstica, necessitam de correta aplicação e de boa interpretação à luz da teoria geral do ordenamento jurídico. Os dispositivos do código penal, de processo penal e da lei de execução penal, são obviamente inferiores às clausulas expressas na Carta Magna, como também em relação àquelas estabelecidas nos Pactos e Convenções de Direitos Humanos, ante a vigência do princípio da soberania, validade e hierarquia vertical das normas.
Este princípio e outros formam a base do sistema penal democrático (acusatório), de acordo com o regime de governo adotado, assim vigoram as leis penais no tempo e no espaço. Tanto na investigação criminal – na esfera da atuação da polícia judiciária – e como na instrução criminal – no âmbito judicial – se faz necessário o respeito aos princípios gerais, posto que estruturam o devido processo legal. Formando um todo, por esta razão existem princípios de direito que se adaptam ao regime democrático e outros ao regime anti-democrático, assim é preciso conhecê-los, interpretá-los e aplicá-los corretamente, na sintonia, em conexão ou adequadamente para o asseguramento dos direitos fundamentais da cidadania.
Na democracia as leis são elaboradas e aprovadas para o povo, são normas do cidadão e não de interesse do estado ou de governo; assim seria um sistema democrático puro e legítimo, longe das demagogias e do populismo político.
O direito natural é imutável, o positivo não, o primeiro se conhece e reconhece pela lógica e por seus critérios racionais, isto é, pela ética e pelos deveres morais, tudo aquilo que é bom; já o segundo – direito positivo – muitas vezes é inútil e é posto em vigência contra os interesses maiores da sociedade, do povo ou da população, serve apenas à grupos minoritários onde a lei possui aparência de serviço e de validade ao bem comum.
O direito particular indisponível ou os interesse individuais fundamentais possuem preeminência sobre o geral, a exemplo do que ocorre com o princípio “lex specialis derogat generali”; do contrário não poderíamos falar em Constituição-Cidadã ou em garantias fundamentais da cidadania, se as regras de ordem geral prevalecessem sobre as individuais, não estaríamos diante de um Estado Democrático de Direito, mas frente a um Estado Ditatorial, Estado de Polícia ou frente a um governo despótico. O direito natural é considerado superior ao direito positivo, em nome da razão humana, da humanidade e dos princípios fundamentais que o compõem. Seria um absurdo jurídico falarmos que o natural é um direito inferior, é sim superior ante o princípio da hierarquia e validade das normas e de acordo com a fonte principal, propriamente dita, o “direito consuetudinário”.
O direito de acesso à justiça ou de prestação jurisdicional consagrado na Constituição e nos documentos de Direitos Humanos, tem por objetivo resguardar os valores primordiais do homem como indivíduo pertencente à coletividade, os valores, bens jurídicos e princípios da supremacia e da indisponibilidade dos interesses privados no contexto de um todo, isto é, o bem comum, mas este bem como somente se realiza com a efetividade e observância do Estado Democrático de Direito que privilegia o interesse individual.
Não há como transacionar, transigir ou desistir de nenhuma espécie de interesse individual, alegando necessidade ou em nome do direito público; porque quando se trata de Direitos Humanos jamais se pode ter a idéia de mitigação, uma vez que as regras internacionais expressamente determinam a prevalência das cláusulas que orientam os direitos fundamentais individuais.
Quando o interesse público prevalece ao direito individual estamos falando de Estado Autoritário e não de Estado Democrático, este se fundamenta especialmente nas garantias da cidadania, de outro lado, os regimes despóticos, arbitrários, abusivos, intervencionistas, desprestigiam o homem como ser único, independente e autônomo. Policiar, reprimir e impedir o desenvolvimento sagrado do direito à privacidade e à individualidade é a quebra do sistema republicano e democrático.
No Estado do Bem Estar Social temos o interesse público, como no regime socialista e comunista, primeiro as razões do Estado em nome de todos, do comum, em prejuízo do individual; porém no Estado Democrático de Direito prevalecem as garantias individuais, quando estas se encontram em choque com o interesse público, este obtêm valor ou força quando respeitadas determinadas regras previamente estabelecidas no texto constitucional, onde somente se admite a quebra das garantias individuais com a declaração e instalação do Estado de Sítio ou de Defesa (arts. 136 usque CF), pois as garantias fundamentais não são revogáveis sequer por emenda à Constituição, são imutáveis e auto-aplicáveis. Estado Social tem como concepção o coletivo e suas necessidades básicas, já o Estado Democrático de Direito, o individual, onde as garantias da cidadania é seu fundamento.
No contexto do Estado Democrático e da prevalência do interesse individual surge o conceito de cidadania, este desde a Grécia antiga tem sofrido mutações ao longo dos tempos ante as necessidades históricas da humanidade, visto que no Estado Moderno os direitos civis e políticos foram e estão sendo conquistados em nome dos cidadãos, de seus direitos fundamentais indisponíveis, inalienáveis, irrevogáveis, indeclináveis, etc.
Somente com o enriquecimento do “status cidadania” é que aumentam as liberdades individuais e se reduz o arbítrio e as ações do Estado Despótico, onde o cidadão assume a condição de titular, no exercício e jogo de poder estatal. Trata-se de uma relação de equilíbrio e do devido respeito aos princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito. No sistema político próprio o cidadão é a célula do elemento político do Estado, povo, aquele – Estado – subordinado a este – cidadão – e não ao contrário.
O objetivo real do Estado Democrático de Direito é ter o individuo vinculado a um sistema pré-estabelecido e legitimado por ele – pela cidadania -, ou seja, é a institucionalização do poder estatal, com a separação entre o público e o privado, como pré-requisito da visão democrática para a construção dos direitos personalíssimos. E Qualquer desvio configura desrespeito a ordem institucional constituída e uma flagrante relação de interesses inadequados, pode ser chamado de um “caso de polícia”, um “estado de polícia”, um “estado autoritário”, nunca de um “estado democrático de direito”.
Quando falamos em democracia e cidadania, nos referimos a direitos individuais indisponíveis e não em interesses difusos ou coletivos, estes existem e se fazem presentes, porém em menor grau de valoração. Os direitos da cidadania, do cidadão frente ao outro e também frente ao Estado.
Cidadão é um ser com faculdade de agir e de estar em determinado território exercendo seus direitos personalíssimos segundo as regras estabelecidas. Cidadania implica em observância pela sociedade e por parte do Estado-administração pública, às garantias fundamentais, dentre elas, os direitos civis individuais, privacidade, intimidade, liberdade, etc.
A cidadania é construída na base constitucional, razão pela qual a norma infra-constitucional não esta autorizada a destruir a ordem maior vigente. Cidadania moderna significa a concessão do “status” de cidadão aos membros de uma coletividade, efetivando o modelo político-ideológico-jurídico que define o tipo de Estado e seu regime de governo, os limites e as “regras do jogo”, do contrário temos apenas “pseudo-democracia”, “cidadania de segunda classe” ou “democracia em pedaços” nos dizeres de Dimenstein (1).
Democracia é muito mais do que um modo de governo, são regras supremas que limitam o exercício do Estado, controla ações de seus servidores e das autoridades constituídas, para fomentar a liberdade individual como objetivo maior, este é o sistema adotado pela República Federativa do Brasil chamado de Estado Democrático de Direito.
Cidadão é aquele individuo que exerce na plenitude seus direitos fundamentais individuais garantidos e assegurados pelo ordenamento jurídico vigente, e fica longe dos abusos de poder e das arbitrariedades estatais.
A manutenção da justiça ou de sua efetivação passa e depende da preservação dos direitos individuais que são pressupostos do sistema democrático. Cidadania depende de soberania e autonomia como elementos da universalidade e respeito aos Direitos Humanos, tudo em nome da justiça.
Numa situação de crise, quando as garantias fundamentais individuais são suprimidas em nome da ordem pública social, no combate a “todo custo” a delinqüência, são as próprias metas de política criminal que se encontram comprometidas. Foi exatamente no início da década de 90, o reiniciou e o resgate da cidadania, agora vemos o desgaste e comprometimento com o retrocesso e a destruição dos valores historicamente conquistados, com o atropelo e menosprezo aos princípios gerais que sustentam o direito e a justiça penal democrática, fazendo emergir por necessidade as teorias do minimalismo e do reducionismo penal, garantismo e segurança jurídica necessária, para vermos instalar o direito penal expansionista, globalizado ou mundializado, via transnacionalização e policidadania, imprópria, criada pela União Européia.
A construção de um mundo democrático – justiça penal democrática – tem como base o combate da criminalidade e ao mesmo tempo o respeito as regras do devido processo legal, seja a onde for. A imposição sem limites de “armas e da força pública”, conduz ao aumento da violência, por consequência da criminalidade. É dever do Estado, do Poder Judiciário e do Ministério Público garantir os direitos da cidadania e não violá-los sob o manto da repressão necessária e dos interesses sociais coletivos.
Note-se que os direitos civis, no âmbito dos Direitos Humanos, são considerandos de primeira geração, como essenciais à existência da pessoa humana, são direitos intransponíveis de cada individuo; já a proteção do Estado e os direitos difusos estão classificados como de segunda e de terceira gerações, respectivamente. Os direitos do cidadão devem ser reconhecidos em primeiro plano sem discriminação alguma, isto é, para o estabelecimento e efetivação das garantias judiciais; do contrário existe perseguição e negação de justiça.
Não se pode suprimir, restringir o exercício de direitos e liberdades nos regimes democráticos verdadeiros e Estados de Direitos Humanos, onde as leis de interesse geral passam primeiro pelo plano do individual, sendo o indivíduo-cidadão a célula principal (art. 29 e 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – OEA/1969).
Cidadania plena é requisito indispensável à democracia, somente com cidadãos fortes, para a consolidação do Estado Democrático real aquele que preserva a dignidade do homem como sujeito e não como objeto; assim expressam as Convenções internacionais.
Há que ser valorizado uma categoria de direitos constitucionais fundamentais individuais e indisponíveis, para legitimar a existência humana e o princípio de hierarquização, validade e soberania das normas.
Na apresentação do Projeto do Código de Napoleão (Code Civil des Français, 1807, com nome de Code Napoléon), no discurso proferido por Jean Etienne Marie Portalis (jurista integrante da comissão do Projeto), ante o Conselho de Estado, na presidência o próprio Napoleão Bonaparte justificava o teor do artigo 4º (mantido no texto legislativo original e aprovado), ante a possibilidade da livre criação do direito por parte do juiz, que não se trata de simplificar ou de até reduzir as leis a poucos princípios gerais, visto que a redução se verifica somente nos Estados despóticos, afirmando: “existem mais juizes e carrascos do que leis”.
Cabe aos juízes penetrado pelo espírito geral das leis, da cidadania, do regime democrático, decidir, formando um verdadeiro santuário de sentenças e de doutrina suplementar. Em todas as nações civilizadas, obviamente que seria desejável que as matérias fossem reguladas somente por leis, porém é impossível posto que a previdência legislativa é infinita, assim remonta-se e aplica-se o caso concreto através dos princípios gerais do direito, perfeitamente legal, legítimo e correto, quando tudo é interpretado à luz dos Direitos Humanos.
“Quando a lei é clara, é necessário segui-la; quando é obscura, é necessário aprofundar suas disposições. E tudo que não é proibido pela lei é permitido. O juiz não pode perder a capacidade criativa, interpretando passiva e mecanicamente os Códigos, o princípio da autoridade ante o raciocínio jurídico permite aplicar as leis e administrar justiça inspirado nas garantias constitucionais do direito democrático-liberal”.
No direito há um momento ativo ou criativo (criação da legislação) e um momento chamado de teórico ou cognoscitivo (aplicação e interpretação da lei ou criação jurisprudencial). O juiz, portanto, cria também o direito, faz ajustes entre a letra da lei e seu espírito (mens legis), em outras palavras a vontade expressa e a vontade presumida do legislador, para a devida e auto-integração do direito, mediante recursos de analogia (denominada interpretação extra-textual) e princípios gerais.
Como leciona Norberto Bobbio, é preciso fazer ciência jurídica ou teoria do direito, e não ideologia do direito; há que se dar importância ao direito científico – das academias e dos cursos de nível superior – e não ao direito judiciário, onde muitas vezes atende a interesses de grupos políticos. Não podemos perder de vista a noção pela qual o direito penal é disciplina de controle social, por esta razão as leis e sua aplicação tendem a serem conduzidas pelo grupo que detêm o poder econômico-social-político. A jurisprudência pura, científica e verdadeiramente parcial, serve à interesses, não à finalidade real do direito como instrumento eficaz para a prestação jurisdicional individual.
“Quando um erro cometido por um e sucessivamente adotado pelos outros – jurisprudência do tipo “maria-vai-com-as-outras”, “pelego”, ou “carneirinho”, nossa inclusão -, se converterá em verdade ! Quando uma série de preconceitos coletados pelos compiladores, cegos ou servis – subserviente -, violentará a consciência dos juízes e sufocará a voz do legislador” (2).
A Emenda constitucional nº 45 de 2004, impôs no art. 103-A, o que era muito discutido e temeroso para a garantia e independência funcional do magistrado e de todos os profissionais do direito, no que diz respeito ao princípio do livre convencimento, da liberdade de raciocínio jurídico e criação de teses; assim “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
São as hediondas e chamadas súmulas vinculantes que irão nortear a jurisprudência pátria, castrar e tolher o pensamento dos magistrados. Trata-se de imposição constitucional inadmissível.
As ciências criminológicas tem proporcionado aos profissionais do direito, boas técnicas para argumentações legais, modernas e avançadas, objetivando a devida aplicabilidade dos dispositivos constitucionais e infra-constitucionais, na realização da Justiça via o exercício da prestação jurisdicional em benefício da cidadania.
Há que se apresentar teses jurídicas e não meios de lingüísticas ou “jogos de palavras” para aprovar, decidir sobre uma questão de direito, em outras palavras estamos presenciando que a lingüística – bem ou mal empregada – está suplantando o jurídico, propriamente dito. A práxis forense e a doutrina está se conduzindo muito mais em base aos critérios de lingüística do que jurídico, conturbando assim a ordem vigente com expressões deturpadas, transformando a verdadeira intenção do legislador, sob o falso manto da correta interpretação legal, a vontade do legislador resta reduzida aos interesses ideológicos momentâneos – do Judiciário – e não originários, isto é do Legislativo.
No contexto do ordenamento jurídico, ao se pretender qualquer reforma eficiente na administração da justiça criminal ou da própria legislação, primeiro é preciso uma análise global de todo o direito – de todo o ordenamento -, isto é, de todos os ramos das ciências jurídicas, vez que ao descriminalizar e despenalizar condutas, estaremos transformando um ilícito penal em ilícitos de natureza diversa, como: administrativa, civil, comercial, tributária, trabalhista, etc. E ao criminalizar, criar mais tipos penais – penalizar – não é segundo a doutrina penal-criminlógica contemporânea o meio mais eficiente para reduzir os índices de delinqüência, pelo contrário, tem servido apenas para aumentar a repressividade do governo, os abusos e excessos de poder, ademais, transformar o discurso científico acadêmico em demagógico e populista – cultura da prevenção, discurso da verdade versus cultura de repressão -.
De outro lado, a atuação dos operadores do direito, inclua-se neste contexto os órgãos de segurança pública, deve estar voltada à prevenção e não à repressão desenfreada como acontece nos dias de hoje. A polícia, por exemplo, volta suas forças contra os delinqüentes oriundos da classe baixa ou média, atuando repressivamente, ao passo que contra a classe social e economicamente mais abastada, a sua ação é de orientação, respeito e prevenção, basta vermos na prática o que ocorre nas chamadas “blitz” ou operações contra a criminalidade realizadas nas favelas e aquelas – quando raramente acontece – nos bairros de classe alta; disse Leauté “quando a polícia lança as suas redes, não são os peixes pequenos que escapam, mais os maiores”(3).
O governo brasileiro por intermédio de sua representação oficial na qualidade de Estado-Membro das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), aprovou nas respectivas Assembléias Gerais os instrumentos de Direitos Humanos, de acordo com o processo legislativo próprio – interno – segundo prevê o Texto Maior pátrio (art. 59 e sgts) e externo, em fulcro as regras de direito público internacional.
2. Primeiramente devemos considerar a espécie de regime de governo adotado pela República Federativa do Brasil (art. 1º), visto que a Assembléia Geral Constituinte (de 1988) via Referendum do texto da Carta Magna, instituiu o Estado Democrático de Direito (Penal) e a forma republicana, tendo fundamentos e princípios a soberania, o respeito a cidadania e a dignidade humana, destacando a prevalência dos Direitos Humanos, nas relações internas e internacionais.
O artigo 5º e seus incisos conforme previstos na Constituição Federal da República Federativa do Brasil (08.10.88), estabelece os direitos e deveres individuais e coletivos, são as garantias fundamentais da cidadania; em outras palavras, trata-se do direito constitucional-penal aplicado.
A administração da justiça criminal no regime do Estado Democrático de Direito, “ex vi” do art. 1º da CF, adotou o sistema acusatório, prevalecendo os princípios que regem o devido processo legal e as garantias fundamentais individuais da cidadania, de acordo com o estabelecido nos incisos do artigo 5º da “lex fundamentalis”. E o pior, a práxis policial-jurídico-penal ainda se norteia no sistema inquisitivo, em base a legislação infra-constitucional (Código de Processo Penal).
É preciso ressaltar que o governo brasileiro ao longo do tempo, na qualidade de Estado-Membro da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), vem aderindo e/ou ratificando documentos de Direitos Humanos, aprovados pelas respectivas Assembléias Gerais das Organizações, e respeitando aqueles de aceitação tácita internacional, para citar alguns instrumentos básicos:
– Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU/1948),
– Convenção de Viena ou Direito dos Tratados (ONU / 1969),
– Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU/ 1966), e
– Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (OEA / 1969).
Tantos outros como por exemplo: Convenção contra a Tortura (ONU, 1984, e OEA, 1985), Convenção Internacional para eliminação de todas as formas de discriminação (ONU, 1965), etc.
Quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos é preciso ressaltar que não se trata de um documento com validade jurídica ordinária e específica, trata-se como o próprio nome já diz, de uma Declaração e não de uma Convenção ou Pacto, posto que não foi celebrada na conformidade das regras do direito público internacional; porém possui reconhecimento moral universal, pois destaca os direitos da pessoa humana, como afirma Rezek (4).
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, são documentos que integram em alto nível de validade e de hierarquia vertical das normas vigentes, o ordenamento jurídico pátrio, posto que foram ratificados via processo legislativo próprio, conforme Decretos nsº 592/92 e 678/92, respectivamente.
É de ser observado ademais a Convenção de Viena, quando dispõem: “Todo Tratado obriga as Partes e de ser executado por elas de boa-fé; e uma Parte não pode invocar as disposições de seu direito interno como justificativa para o inadimplemento de um Tratado” (arts. 26 e 27).
Neste diapasão a Convenção Panamericana sobre Tratados (Havana, 1928), estabelece: “Os tratados não são obrigatórios senão depois de ratificados pelos Estados contratantes, ainda que esta cláusula não conste nos plenos poderes dos negociadores, em que figure nos próprio tratado” (art. 5º).
Deve-se compreender, como nos ensina o expert e renomado Prof. Borjas (5), que o Direito internacional é equiparado ao Direito interno, à Constituição se nutre através do princípio da primazia do Direito Internacional, trata-se de incorporação legal dos Direitos do Homem e das suas garantias fundamentais, vigorando o princípio “lex posteriori derogat priori”; a lei maior em relação à lei inferior, não a “contrario sensu”, visto que o princípio da hierarquia vertical, validade e soberania das normas assim proíbe.
Os tratados e convenções revogam a legislação interna, verbi gratia, a Lei nº 5.172/66, reza: “Os tratados e as convenções internacionais revogam e modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha”, especialmente no que se refere ao direito público.
A Carta da ONU, em seu preâmbulo, diz: “Nós os Povos das Nações Unidas, resolvidos… a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos…”.
Depois de regularmente aprovados, os tratados são leis que derrogam o direito comum, garantindo a prevalência dos documentos internacionais encontrando se no plano de igualdade, posto que a Constituição federal não prevê nenhuma cláusula de preeminência dos dispositivos internos sobre o direito internacional; ao contrário, expressa que seus princípios serão respeitados sem prejuízo às normas internacionais (art. 5º § 2º CF), por serem – normas – de natureza primária que determinam direitos e deveres do Estado.
O tratado não se revoga por lei posterior, há que se interpretar o conceito de parametricidade, onde a ordem global – o Direito Público Internacional – é mais vasta que o direito interno, às garantias fundamentais contem princípios implícitos e explícitos, os primeiros como parte do chamado bloco da constitucionalidade e os segundos da legalidade, assim temos a presunção “iuris tantum” e depois a “iure et irue”, ou seja, o direito constitucional plasmado, ou um “continuum jurídico”.
Esta regra é observada nos Estados Democráticos, no direito comparado do mercosul por exemplo, o artigo 22 e 145, das Cartas Magnas da República da Argentina e República do Paraguai, recepcionam expressamente o direito internacional; “ex vi” “aprobar tratados de integración que deleguem competencias y jurisdicción a organizaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten el orden democrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen jerarquia superior a las leyes”, e “la República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos de la paz, de la justicia…”.
Devemos entender “o homem como fim e o Estado como meio”, em outras palavras os direitos da cidadania anterior e superior aos desejos do Estado, tratam-se dos direitos naturais e fundamentais do homem, do contrário haveria inversão de valores e não mais estaríamos vivendo ou falando em Estado Democrático de Direito. É a sociedade civil que justifica a existência e legitima a Administração Pública.
No contexto jurídico os dispositivos internacionais implementam e declaram a ordem nacional, na chamada teoria da incorporação (Heinrich Triepel, 1899 in “Volkerrecht und Landesrrecht”). A ordem interna recepciona a ordem internacional e lhe dá valor superlativo, por osmose – pressão – ante os compromissos internacionais previamente assumidos para a existência, efetivação e manutenção de respeitos à dignidade da pessoa humana, como parte constitutiva da ordem jurídica do próprio Estado, predominando a lei externa sobre a interna, e não a lei interna sobre a externa. O direito natural estabelece a harmonia de relação entre o direito internacional e o doméstico, uma espécie de interseção bastante profunda e íntima.
Conceitua-se Estado Constitucional como aquele estado de direito democrático, pois a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 26 de agosto de 1789, no art. 16º consta: “toda sociedade em que não estiver assegurada a garantia de direitos, nem determinada a separação dos poderes, não têm Constituição” e conseqüentemente não há Estado de Direito Constitucional, mas Estado de Polícia, Estado Autoritário, Estado Repressivo, etc. Esta foi a regra básica e geral da revolução francesa: “liberté”, “egalité”, e “fraternité” para a constituição de uma grande Federação Humana.
O Estado é servidor da sociedade e por ela é controlado via sistema jurídico internacional e interno, princípio da legalidade e transparência dos Atos da Administração Pública, é obvio que a liberdade do indivíduo é limitada, mas a liberdade do Estado é muito mais restrita, isto significa que o verdadeiro Poder Soberano, reside nos direitos dos particulares (paráf. único, art. 1º CF), restringindo desta forma a onipotência do Estado, vez que os Direitos Fundamentais do Homem é o núcleo do regime democrático; do contrário os cidadãos estariam e continuariam hiposuficientes, posto que seus direitos estariam em grau de inferioridade aos interesses de suposta ordem pública ou legalidade, camuflada pela demagogia, ironia e hipocresia.
3. Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, preeminente no direito para a aplicação da norma, diz Carrazza (6); a Constituição federal explicitamente alicerçou os princípios de direito democrático, razão pela qual as regras – dispositivos – incompatíveis considera-se implicitamente revogadas, total ou parcialmente, segundo cada caso “in concreto” (7).
Os princípios gerais do direito constituem a base do ordenamento jurídico, com origem no direito natural, são também chamados de “norma princípio”, razão pela qual contrato faz lei entre as partes, isto é os Tratados e Convenções internacionais.
As regras de importância fundamental – princípios – devem ser interpretadas de boa-fé e com superioridade hierárquica no ordenamento positivo; de outro lado, a jurisprudência internacional tem sido unânime em consagrar a primazia do direito internacional sobre o direito interno. Vejamos, é pacífico que o Tratado prevalece ante a norma interna e anterior; também nesse sentido, a norma doméstica posterior não pode alterar ou conflitar com Tratado ou Pacto anterior ratificado e aderido, porque teríamos criado uma renúncia do documento internacional por via ilegítima, isto é, interna e não por meio os órgãos e sistema de proteção internacional legítimo, estando o Estado passível e sujeito à sanções e responsabilidades da esfera internacional, ante o cometimento de um ilícito internacional.
Sempre deve prevalecer a norma mais benéfica ao indivíduo, e os princípios e cláusulas pétreas de Direitos Humanos, são sempre elaboradas em nome da preservação da dignidade da pessoa humana, portanto, em favor da cidadania.
Há que se pensar em um único sistema jurídico, no ordenamento interno integram-se as regras de direito internacional (teoria monista), e jamais se trata de dualismo, com a existência de duas ordens distintas, posto que impera a teoria internacionalista que defende a primazia da ordem internacional sobre o texto constitucional (8).
Qualquer argumentação que as normas do direito doméstico prevalecem sobre os Tratados e instrumentos internacional, no âmbito dos Direitos Humanos, conduz a quebra do sistema jurídico nacional, conforme instituído pela Carta Magna da República Federativa do Brasil, que têm expressamente estabelecida a prevalência dos Direitos Humanos, respeito à dignidade da pessoa humana, e a auto-aplicabilidade das cláusulas pétreas de garantia fundamental da cidadania. Inclusive tal argumentação, ao nosso ver é incorreta e imperfeita, causando a desestruturação e dificultando a efetivação do Estado Democrático de Direito, bem como a instabilidade do Brasil nas suas relações internacionais ante a falta com os compromissos assumidos com a comunidade nacional e mundial.
Diante do exposto devemos ressaltar a legislação infra-constitucional pátria que estabelece à luz do direito público e privado o seguinte, sendo importante a análise e o estudo do direito comparado:
– Art. 1º e 3º, respectivamente do Código de Processo Penal (Dec-lei nº 3.689/41): “O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: I – os tratados, as convenções e regras de direito internacional”; e “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva – somente em beneficio do acusado – e aplicação analógica – somente “in bonan partem”, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”
– Art. 108 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66): “Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada”:
I- a analogia;
II- os princípios gerais de direito tributário;
III- os princípios gerais de direito público;
– Art. 4º Lei de Introdução ao Código Civil (Dec-lei nº 4.657/42 – Lei nº 10.406/02): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”; e
– Art. 293 Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/73): “Os pedidos são interpretados restritivamente…”.
As garantias fundamentais da cidadania prevalecem sobre qualquer outra norma hierarquicamente inferior a Constituição federal, os Tratados, Convenções, Pactos, etc., bem como ante os próprios Códigos Penal, Processual e legislação criminal extravagante.
Importante é destacar as cláusulas auto-aplicáveis são imodificáveis e irrevogáveis, por nenhuma lei ou emenda constitucional, rezam os arts. 5º § 1º e 60 § 4º , inc. IV CF.
O Texto Maior e o Código de Processo Penal prevêem nos art. 5º § 2º e arts. 1º e 3º CPP, respectivamente.
Na Constituição atual, o governo brasileiro se compromete a dar prevalência aos Direitos Humanos nas suas relações internacionais e, obviamente, nas internas, buscando a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, e a criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos (art. 7º ADCT), inclusive é signatário do Tribunal Penal Internacional – TPI (Estatuto de Roma, 1998).
A Emenda Constitucional nº 45/2004, no § 3º do art. 5º CF, expressa: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”, por sua vez o § 4º, reza: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.”
Analisemos alguns aspectos jurídico-penais contidos na nossa Carta Magna, promulgada em 5 de outubro de 1988, em relação às Constituições brasileiras anteriores, enquanto as garantias fundamentais da cidadania, onde tiveram as seguintes previsões:
1) A Constituição de 1824, no art. 173 e sgts, “Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”;
2) A Constituição de 1891, no art. 72, Seção II “Declaração de Direitos” do Título IV “Dos Cidadãos Brasileiros”;
3) A Constituição de 1934, no art. 113, Capítulo “Dos Direitos e das Garantias Individuais”;
4) A Constituição de 1937, no art. 122, “Dos Direitos e Garantias Individuais”;
5) A Constituição de 1946, no art. 141, “Dos Direitos e das Garantias Individuais”; e
6) As Constituições de 1967/69 e suas respectivas emendas, no art. 153 “Dos Direitos e Garantias Individuais”.
Alguns conceitos de Constituição, na definição adotada pelo ilustre professor constitucionalista PEDRO CALMON: “A Constituição é a lei suprema do país”; para o mestre DARCY AZAMBUJA: “Constituição é o documento político que no regime democrático, é votado e promulgado por uma Assembléia eleita pelo povo e no qual são estabelecidas as bases do regime, a organização dos poderes, as garantias fundamentais dos cidadãos, a ordem econômica e social”(9).
A nova Carta Magna brasileira traz inúmeras e profundas garantias a nível sócio-jurídico-penal, onde grande parte da legislação infra-constitucional foi tacitamente revogada pelo princípio da hierarquia vertical das normas e pelo que se entende ou interpreta como a constitucionalidade das leis no Estado Democrático de Direito.
Era e é enganoso pensar que ocorreriam imediatas ou rápidas transformações com a vigência da Carta Magna de 1988, primeiramente é preciso conscientizar os profissionais do direito para a correta aplicação e interpretação das leis e dos princípios basilares, somente assim tal desiderato acontecerá, para a urgente mudança de mentalidade e da práxis jurídico-penal nacional.
Podemos dispor do melhor e mais perfeito texto constitucional, que assegure de maneira ampla as garantias fundamentais, porém se não existir consciência jurídica e não houver vontade política dos profissionais do direito em aplicar as regras vigentes segundo os princípios democráticos norteadores, nada acontecerá de substancial ou modificador em benefício da cidadania, teremos simplesmente uma mera “lei de papel” e um “estado democrático eminentemente formal”.
Os Superiores Tribunais de Justiça através da jurisprudência nacional, especialmente o Pretório Excelso, Supremo Tribunal Federal (STF), este último encarregado do controle da constitucionalidade das leis e guardião da própria Constituição, tem por dever sentenciar em nome e a favor das garantias fundamentais, em defesa da manutenção e efetivação real do Estado Democrático de Direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis da cidadania (art. 102, inc. I, letra “a” CF – ação direta de inconstitucionalidade (Adin), ação declaratória de constitucionalidade (Adc), e ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental (Leis nsº 9.868/99, e 9.882/99), e o § 2º do art. 102 da CF, via Emenda nº 45/2004, dispõe que: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.
Também a doutrina especializada, avançada e moderna contribuem substancialmente para a correta aplicação das normas, através da leitura adequada para a interpretação das leis ante os princípios, discurso – oral ou escrito – da verdade, da deslegitimação do Estado Ditatorial e da legitimação do Estado Democrático, como asseveram E. Raúl Zaffaroni (10), e Lola Aniyar de Castro (11) .
Estamos nos referindo de descriminalização versus criminalização, cultura da repressão versus cultura da prevenção, pena privativa de liberdade versus medidas alternativas à prisão, sistema acusatório versus sistema inquisitivo.
Tudo em prol da segurança ou garantismo jurídico ante a teoria do reducionismo penal ou do minimalismo penal, conforme prega o mestre italiano Luigi Ferrajoli (12).
Também é necessário conceitualizar “norma penal”; em sentido estrito é a norma incriminadora que comina sanções de caráter penal. A norma penal, pode ser material como formal, ou seja: de direito penal e de direito processual penal. Direito penal na definição de VON LISZT “é o conjunto de prescrições emanadas do Estado, que ligam ao crime como fato, a pena como conseqüência; para LUIZ JIMÉNEZ DE ÁSUA, é o “Conjunto de normas y disposiciones jurídicas que regulam el ejercicio del Poder sancionador y preventivo del Estado, estabeleciendo el concepto del delito como presupuesto de lá accíon estatal, así com lá respnsabilidad del sujeto activo, y asociando a la infraccion de la norma una pena finalista a una medida aseguradora” (13), e para o Professor HELENO CLAUDIO FRAGOSO, é “o conjunto de normas jurídicas mediante as quais o Estado proíbe determinadas ações ou omissões, sob ameaça de característica sanção penal” (14).
Vemos muito bem empregado o termo “ameaça de sanção penal” pelo saudoso e renomado Prof. Heleno Cláudio Fragoso, posto que o Estado ao colocar em vigência um Código ou uma Lei Penal, ameaça abstratamente todos os cidadãos que praticarem uma conduta típica com a sanção correspondente previamente cominada, razão pela qual a Norma Constitucional de ordem penal adjetiva precisa obrigatoriamente definir o devido processo legal, por meio de princípios fundamentais que assegurem à cidadania, a ampla defesa e o contraditório, bem como as regras sobre a publicidade dos atos do Poder Judiciário, da Polícia e do Ministério Público, quanto ao segredo de justiça, a incomunicabilidade, as restrições de direitos ou benefícios, e assim por diante, sem obviamente esquecermos da presunção de inocência, de impor o “onus probandi” ao Ministério Público proibindo também a produção de provas ilícitas.
Direito processual penal é definido como sendo “modos pelos quais a Lei regula o andamento das ações criminais, e, juntamente, os atos de Justiça pública, no juízo criminal, com o fim de conseguir o descobrimento da verdade”, ou somente “um conjunto de atos”, nas conceituações de PIMENTA BUENO e GALDINO SIQUEIRA, respectivamente.
É através do direito processual penal que o Estado-Ministerial exerce o “ius persequendi”, para fazer valer o “ius puniendi” aos transgressores da lei penal. A norma penal, portanto, é um instrumento de política criminal do Estado que visa a garantia dos bens jurídicos penais fundamentais dos cidadãos: a vida, o patrimônio , a honra, etc.
Os princípios fundamentais e gerais do direito penal e processual penal, incluam-se também os princípios de direito penal executivo, todos consignados na Carta Magna em vigor.
3.1 Assim, o princípio da isonomia, refere-se que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (art. 5o incisos I, XXXIII, XXXIV, e XLI CF).
Consta na Constituição todos os direitos e garantias fundamentais do cidadão; a saber:
Art. 1o. – Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos….;
Art. 2o. – Todo homem tem direito à vida, à liberdade e segurança pessoal;
Art. 6o. – Todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei;
Art. 7o. – Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, igual proteção da lei;
“Ex vi” dos documentos internacionais, art. 1º DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos – ONU, 1948), art. 14 PIDC (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ONU, 1966), e arts. 1º e 8º CADH (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, OEA, 1969), para citar alguns.
A aplicabilidade da lei penal (material ou adjetiva) para homens ou mulheres, brasileiros ou estrangeiros com as mesmas obrigações e direitos, conforme determinada o princípio da isonomia de tratamento perante os Tribunais (leia-se também juízos de 1a instância), assim reza o art. 5º “caput”, e incisos I, XXXIII, XXXIV, e XLI CF; e os Direitos Humanos, art. 1º DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos – ONU, 1948), art. 14 PIDC (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ONU, 1966), e arts. 1º e 8º CADH (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, OEA, 1969), por citar alguns.
Neste sentido a Lei nº 6.192/74, estabelece como ilícito contravencional qualquer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, com sanção de prisão simples e multa.
Igualdade substancial é aquela que se refere a mesma idade, mesma cidadania, mesma raça, de desiguais quanto as condições sócio-econômicas, por exemplo ou quanto ao gênero – homem e mulher -, mas para Leviatã “os homens são iguais em capacidade física e intelectual”, por sua vez Hobbes acrescenta dizendo que “todos são iguais e suas diferenças são insignificantes”, posto que a natureza humana é igual, na afirmação tautológica – por vícios de linguagem – e não estoicamente falando – com rigidez -.
As regras aplicadas de modo imparcial, aos nacionais e estrangeiros, aos homens e mulheres, porém em ração da condição pessoal, existem critérios que diferenciam por exemplo o cumprimento a pena privativa de liberdade com relação ao sexo (incs. XLVIII e L do art. 5º CF c.c. art. 89 117, incs. III e IV da LEP).
Tratam-se de regras de distribuição que dizem respeito a certa classe de pessoas, e estas podem ser parciais e imparciais para um tratamento análogo. Assim não é possível estabelecer os mesmos critérios para o recebimento de salários ou pagamento de impostos, fala-se, então que a igualdade e a justiça devem ser distribuídas; porém as regras predominantes ou as chamadas de direitos fundamentais sempre se nortearem pela máxima imparcialidade e igualdade.
A igual distribuição dos direitos ou necessidades fundamentais, como à inviolabilidade à vida, à propriedade, à liberdade, são substancialmente idênticas a todos.
Para Aristóteles o princípio da igualdade é numérico e quantitativo, dando-se partes iguais aos iguais, segundo suas características específicas, já que as regras não igualitárias apresentam iguais com partes desiguais, ou os não-iguais com partes iguais. Assim o injusto é desigual e o justo é igual.
O conceito de igualitarismo ou inigualitarismo é superior ou prevalente ao conceito meramente classificatório, ante as desvantagens sociais e as necessidades de um determinado grupo, se aplica o princípio da igualdade por ser menos inigualitário, assim se faz mais justiça com a prestação e atenção judicial.
Por exemplo, o imposto geral seria igualitário e ao mesmo tempo inigualitário porque os que possuem menos recolheriam a mesma quantia que os que possuem mais, neste caso para ajustar o princípio da isonomia aparecem as regras de proporcionalidade para igualar através de impostos progressivos.
A regra de proporcionalidade para ser mais igualitária precisa ter o mesmo denominador – comum -, já Aristóteles propõem a igualdade proporcional ao mérito, dando-se benefícios legais aos que mais merecem.
Há que se abolir ao máximo os privilégios pessoais ou jurídicos, que não devem ser confundidos com as prerrogativas de cargos, funções ou postos públicos, que em certas vezes, momentos ou situações se faz necessário para igualar os desiguais, como as questões das imunidades, dos foros de julgamento diferenciados para determinadas pessoas, ou em razão da natureza do delito – juízo natural -, bem como o direito de responder o processo penal em liberdade – prisão especial – e o cumprimento ou execução da pena privativa de liberdade de modo diferenciado.
As regras normativas de igualdade processual são compatíveis com as regras de distribuição, quando nivela, tenta nivelar ou reduzir as diferenças.
As diferenças de características pessoais relevantes devem ser trabalhadas no Estado Democrático de Direito através das regras de distribuição para se chegar a igualdade proporcional; ex. idade e cidadania para realizar o direito ao voto, e a riqueza para o recolhimento de impostos; o sexo, a riqueza e a cor não são características relevantes para realizar o direito ao voto.
Tratar de modo desigual as pessoas que são diferentes sob aspectos relevantes é base de critérios para igualar e são regras justas.
De um lado, o direito penal de ato iguala e o direito penal de autor desiguala, pois trabalha com juízos de valores distintos, criando discriminações indevidas. A igualdade deve ser objetivamente mensurada ou verificada e não subjetivamente.
São iguais para o direito penal material, sem distinção alguma, aos nacionais, estrangeiros, homens e mulheres, todos maiores de 18 anos a aplicação da norma segundo a tipicidade – crime – e a pena, critério de reincidência, delito consumado ou tentado, etc. As diferenciações existentes dizem respeito a critérios jurídicos de distribuição, em base a princípios de direito e não de características pessoais.
Toda e qualquer afirmação arbitrária da vontade se fundamentam em compromissos subjetivos. O que se opõem a igualdade é o tratamento desigual arbitrário, abusivo ou injustificável. Não se justificam contradições entre princípios e sua aplicação – antinomias -, e as dicotomias sim – divisão lógica de conceitos em dois ou mais outros, compondo-se em “corpo e alma”.
Russeau afirmou: “por igualdade temos de entender, não que o grau de poder e de riqueza é absolutamente idêntico para todos, mas que…nenhum cidadão é bastante rico para comprar outro, nem há nenhum tão pobre que seja forçado a vender-se a si mesmo”, in Contrato Social.
3.2. Já no princípio da legalidade ou da reserva legal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal: nullum crimen, nulla poena sine praevia lege (art. 5o. Inc. XXXIX CF), princípio também contido no Código Penal art. 1o. , da anterioridade da lei.
Por sua vez, os Poderes Públicos são harmônicos e independentes, onde todo poder emana do povo e em seu nome será exercido, por meio de representantes legítimos (parágrafo único do art. 1º CF), princípio da representação popular e da indelegabilidade de função, no contexto das atribuições e competências funcionais (arts. 69 e segts CPP, arts. 21 usque 24, art. 44 e sgts, art. 76 e sgts, e art. 92 e segts, art. 127 e 129 CF), dos órgãos, instituições e Poderes Públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário).
No Estado Democrático de Direito, as condutas ilícitas e as respectivas sanções somente podem originar de lei criminal discutida, elaborada e aprovada pela União, “ex vi” do art. 22, inc. I CF.
A vigência da norma deve ser anterior ao fato ilícito praticado, definido em todas as suas características (tipicidade), toda conduta ilícita deve estar descrita em lei, taxativamente. A sansão obrigatoriamente deve cominar um mínimo e um máximo de pena a ser aplicada, para coibir abusos ou benevolências por parte da autoridade. Compreende a palavra crime, também a contravenção penal, e pena todas as espécies reconhecidas pela norma penal material positiva, isto é, privativas de liberdade (reclusão, detenção, prisão simples), restritivas de direito (prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, e limitação de fim de semana), e ainda, as penas pecuniárias (de multa).
O prof. Zaffaroni tem se posicionado no sentido de ser, nos Estados Democráticos de Direito, perfeitamente admissível a aplicação de pena abaixo do mínimo legal, cominado “in abstrato” para o tipo específico, se na hipótese “in concreto”, mesmo sendo aplicada a menor pena, ainda assim torna-se desproporcional com a ofensa ou com o dano resultante do ato delituoso. Neste caso é justificável que o magistrado ao exarar a sentença faça menção aos princípios da proporcionalidade, da humanidade e de boa-fé ou “pro homine”, sem afetar o princípio da legalidade ou da reserva legal (15).
O Código Eleitoral (4.737/65) em alguns dispositivos, no tocante a previsão de pena “in abstrato”, no que se refere aos possíveis crimes eleitorais, não estabelece pena mínima, somente a sanção máxima, ex. detenção ou reclusão até …anos, sendo este é o limite legal para a aplicação judicial (arts 289 e segts); nesse sentido, pensamos ser um bom sistema de cominação de pena, posto que evita qualquer discussão ou má interpretação da lei, proporcionando a efetiva realização da justiça para cada caso “in concreto”.
Jamais é permitido ou é possível o contrário, ou seja, aplicar pena acima do máximo legal cominado, visto que afetaria princípios democráticos, onde não se admite agravar situação legal ou que na prática venha acarretar prejuízo ao réu.
Também, quando se trata de considerar na aplicação do “quantum” da pena, as circunstâncias agravantes e atenuantes, estas últimas deve sempre prevalecer sobre aquelas, são a base para o cálculo geral e final da sanção, esta é a fórmula que se deve utilizar no Estado Democrático de Direito e preservação das garantias fundamentais da cidadania, no tocante a realização concreta da justiça, pois sempre se aplica e se interpreta a lei – norma – mais favorável, isto é “pro homine” ou de boa-fé.
No direito penal ante um mesmo caso, pode-se dar diferentes resoluções, segundo a interpretação “pro homine” ou de boa-fé do operador, nesse sentido Louk Hulsman, e Jacqueline Bernart de Celis na obra “Peines perdues. Lê système pénale en question; Paris, 1982”, contam para ilustrar a situação dos 5 estudantes que se encontravam vivendo juntos em uma “república” e certa vez quando estavam assistindo uma importante partida de futebol, decisão de um campeonato, em um dado momento, um dos estudantes morador, repentinamente levanta-se da poltrona, toma a televisão nas mãos e atira pela janela, espatifando-a na calçada enfrente ao prédio; todos sem entender o ocorrido, estupefatos começam a procurar uma solução para a situação problema: o primeiro fala drasticamente e propõem a prisão, chamar a polícia porque se trata de crime de dano; o segundo diz que prisão é cruel demais e porque não procurar uma medida alternativa; o terceiro contemporiza afirmando que não se trata de crime, mas sim de indenização e reparação, que o fato é da instância civil e não penal, e por sua vez o quarto colega, argumenta analisando a situação com mais calma, colocando a todos que o autor estava abalado, passava por problemas pessoais, econômicos e sociais, assim deveria ser entendida a causa de seu ato, e como era conhecido, amigo e viviam juntos, provavelmente não retornaria a fazer o mesmo, assim todos, poderiam entender o corrido e perdoar.
Para o caso, apresentou-se 4 resoluções distintas para o mesmo e único problema; a saber:
1- prisão, detenção e reclusão (prima ratio)
2- possibilidade de aplicação de medida alternativa e substitutiva à prisão
3- reparação e indenização no âmbito do juízo cível
4- adoção do instituto do perdão (judicial e/ou informal, privado)
O principio da legalidade e da reserva Legal, deve ser considerado em termos das penas de prisão, e em relação as medidas de segurança, esta por ter um tempo indeterminado de internação em hospital psiquiátrico configura pena de prisão perpétua. É proibida no direito constitucional-penal pátrio. Nunca a medida de segurança poderia ser superior ao máximo da pena cominado estabelecida e aplicada aos condenados que praticam crimes com dolo, e se assim for na pratica estará sendo mais gravosa do que a sanção imposta aos delinqüentes que intencionalmente agem.
3.3 Também é muito importante destacar o princípio da presunção de inocência.
A inocência do cidadão não se presume, deve ser assegurada pelo Estado até decisão final firme – sentença penal condenatória – desta forma reza o inciso LVII do artº 5º da Carta Magna, taxativamente.
Impera a inocência até prova em contrário e não a culpabilidade antecipada. A inocência é inerente ao cidadão, não se presume, ela deve ser respeitada, observada nos termos da Carta Magna, somente após decisão firme condenatória no âmbito da justiça penal, é que a inocência não persiste mais, e sim a culpa, pelo devido processo legal.
Os documentos internacionais de Direitos Humanos também, art. 11 da Declaração Universal; art. 14 – 2 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e a Convenção Americana expressa a presunção de inocência no art. 8 – 2 .
O princípio da presunção de inocência diz respeito ao trânsito em julgado material – como questão de mérito – e formal – referente aos prazos processuais -. E a reincidência criminal, por sua vez somente deve ser aferida nos termos do art. 65 do Código Penal, ou seja, após transcorrido 5 anos entre a primeira condenação firme e a segunda sentença; jamais se admite o chamado “direito penal de autor” no sistema democrático de justiça, quando se faz prejulgamento sobre a condição pessoal do acusado. Há também quem diga que o instituto da reincidência caracteriza verdadeiro “bis in iden”, visto que é um “plus” para a 1ª condenação já inclusive transitada em julgado – firme -; onde a 2ª sentença reconsidera o calculo da primeira, agregando um aumento de pena pelo segundo fato.
“Non bis in idem” é a proibição de duplo processamento e/ou julgamento para o mesmo caso, proibição de dupla sanção para a mesma imputação, ofensa o princípio da última ratio do direito penal, colocando o ilícito criminal como “prima ratio”, desconsiderando assim a doutrina e a teoria geral do ordenamento jurídico. No contexto mais amplo ou no conceito lato sensu, caracteriza “bis in idem” duplo processamento e dupla punição até mesmo quando se trata de processos e penas de áreas distintas, mas pelo mesmo caso.
Em um Estado Democrático de Direito, todos os atos do Poder Judiciário devem ser públicos, assim expressa o art 93, IX CF; porém devemos entender como públicos os atos para assegurar principalmente o princípio da imparcialidade e transparência das decisões do Poder Judiciário.
Dar publicidade e fazer sensacionalismo gerando penas e condenações antecipadas atenta contra o Estado Democrático de Direito. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados (Lei nº 8.625/93), no artigo 26 inciso VI dispõem como dever do agente ministerial, dar publicidade de seus atos, isto que dizer e dever ser interpretado, como sendo públicos os atos administrativos e jurisdicionais do “Parquet”, e não o dever de escancarar, vilipendiar a honra e a privacidade do cidadão processado ou preso.
Note-se o que estabelece a Lei Orgânica Nacional da Magistratura (Lei Complementar nº. 35/79): art. 36, inc. VI “É vedado ao magistrado manifestar-se publicamente sobre processo seu ou de outrem…”.
Hora, se o magistrado, como autoridade sentenciante, não pode se manifestar, ninguém mais pode.
O direito penal moderno (Lei nº 7.209/84) revogou a pena acessória de publicidade de sentença prevista no art. 67, inc. II do Código Penal (Dec-lei nº 2.848/40). Nem mesmo a sentença é permitida ser divulgada pelos meios de comunicação, como antes da decisão judicial final – de mérito – seria possível, permitido ou autorizado a afrontar o princípio da presunção de inocência.
Por sua vez, qualquer ofensa a honra caracteriza ilícito penal e sujeita aos infratores responsabilidade criminal, em face aos crimes de calúnia, difamação e injúria (arts. 138 a 145 CP). A responsabilidade pessoal que deriva do exercício do cargo, onde informações inexatas ou agravantes que fere a reputação de alguém, a intimidade e a vida privada que ultrapasse a conteúdo confidencial ou secreto de tais informações, visto que a integridade da chamada presunção de inocência, como direito fundamental e verdadeira garantia penal deve ser preservada em favor do processado. Como se diz: “há quem prefira a morte do que a desonra”.
O Estado democrático, via administração de justiça criminal deve atuar por intermédio de seus agentes, instituições, órgãos ou Poderes, dentro dos limites do mínimo ético, só assim se garante o devido processo legal, e a integridade moral pública do Estado, com vistas a garantir a vida privada e a integridade moral individual do cidadão, com o devido respeito à dignidade inerente ao ser humano.
Art. 5º inciso V e X CF: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; e “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A imprensa e os meios de comunicação de massa, também são regulados nas suas atividades, há limites e limitações legais que devem ser respeitadas, qualquer atentado contra o direito fundamental-constitucional contra a imagem da pessoa humana poderá ser sancionada através do devido processo legal (Lei nº. 5.250/67), de indenização e reparação dos danos morais e materiais.
Atos de verdadeira Justiça dispensam qualquer espécie de publicidade ou propaganda (16).
3.4 O princípio da retroatividade da lei penal mais benigna, é definido no art. 2o e parágrafo único do Código Penal (lei penal no tempo), na Constituição vigente consta no inciso XL art.5o, “a” lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, trata-se do chamado – “abolitio criminis”, quando lei nova deixa o fato anterior de considerar crime; é também causa extintiva da punibilidade prevista no inciso III art. 107 CP; e quando lei posterior beneficia o agente, ainda que o fato esteja decidido por força de sentença penal transitada em julgado.
A interpretação mais benigna, ou seja, favorável ou em benefício do réu é a base do Direito Penal democrático, é regra impositiva de hermenêutica jurídica, para a correta aplicação da norma vigente ao caso “in concreto”. Não se trata de benevolência à nenhuma espécie de delinqüente ou de tratamento desigual, mais de princípio mor que deve sempre ser seguido no regime acusatório, do contrário estaremos diante do sistema inquisitivo, este já, há muito tempo revogado.
Exceto quando se tratar de lei penal temporária ou excepcional (art. 3º CP), vale a norma vigente na época do fato, mesmo cessada as circunstâncias que a determinaram. É uma exceção a regra geral, porque é conhecido por todos os cidadãos o período de sua vigência e revogação (ab-rogação), em vista a momentos especiais ou circunstanciais. Se neste caso fosse permitida aplicação do princípio geral – abolitio criminis – teríamos a impunidade consagrada, prevista e antecipada.
De outra parte, o princípio da ampla defesa e do contraditório, encontra-se previsto no art. 5o incisos LIII, LXII, LXIII, LXIV da CF, dispõem: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (autoridade competente, somente pode ser autoridade judiciária, isto é, Magistrado de 1o, ou de 2o instância, o representante da oficialidade da ação e processo penal, onde o “ius persequendi” só pode ser exercido pelo poder público e princípio da indeclinabilidade, que proíbe ao Juiz delegar funções a pessoa estranha ao serviço).
“Ex vi”
art. 11 item 1, letra “a” da DUDH
art. 8, item 2 da CADH
art. 14 item 3 do PIDCP
“A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra serão comunicados imediatamente ao Juiz competente e à família do preso ou pessoa por ele indicada”.
“O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”.
Estes dois dispositivos constitucionais estão expressos nos arts. 9o e 306 do Código de Processo Penal, estabelecendo que todas as peças do Inquérito Policial serão assinadas pela autoridade policial; e que dentro de 24 (vinte quatro) horas depois da prisão, será dado ao preso, nota de culpa, declinando os motivos da prisão, bem como comunicado o juiz competente.
Se ilegal a prisão está será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (inciso LXV art. 5o CF) e art. 9º da Declaração Universal dos Direitos Humanos “Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado”.
“O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado”.
O art. 186 do CPP já prevê desde 1942 – ano em que entrou em vigor o estatuto processual penal -, que o juiz observará ao réu que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem formuladas, da mesma forma o § 3o do art. 302, reza que o acusado não é obrigado a assinar o auto de prisão em flagrante delito, devendo então ser assinado por duas testemunhas.
A Constituição federal (art. 5º inc. LXIII) assegura o direito do preso em permanecer calado, e que este direito não resulta em seu prejuízo, assim a Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, complementa o direito constitucional, sendo na verdade dispensável ou melhor desnecessário, pois se trata de redundância legislativa sem força alguma, vez que a norma constitucional com maior valor já prescrevia o conteúdo da mencionada regra.
Por sua vez, o inciso LVIII art. 5o CF reza: “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal”, estando derrogada a Súmula n. 568 do Supremo Tribunal Federal que considerava não haver constrangimento ilegal à pessoa a identificação no inquérito policial.
* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério Público Democrático.Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br
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