Não ouvi falar que tenha sido diferente em outro tempo, hoje, o sistema carcerário brasileiro é o caos. Ainda que não isoladamente, o Estado do Espírito Santo o lidera. Há muitos anos, relatórios e mais relatórios têm sido feitos, com detalhamento de tudo, pela Pastoral Carcerária, pela Comissão Justiça e Paz, pelos movimentos de defesa dos direitos humanos, enviados para autoridades as mais diversas, mas nada mudou.
Agora, eis que exatamente, por tudo isto, os olhares do Conselho Nacional de Justiça se volveram para cá e levantamentos estão sendo feitos e constatações de novo se repetem. Esperemos que seja sinal de um novo tempo.
Sistema penitenciário não se faz só com construção de pavilhões ou não seria sistema. Quanto mais com “contêineres”. Aqueles continuam a ser constantemente depredados, para alegria daquela mesma “empresa” que sempre é contratada para refazer. Estes a serem demolidos.
Ouve-se falar em uma construção aqui, outra acolá, que vai ficar pronta, quando Deus der bom tempo (?). Mas não se ouve falar que vai haver concurso público para nomeação ex vi legis de pessoal qualificado, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, todos os profissionais necessários e que se promoverá preparação adequada dos próprios presos para assumirem tarefas que facilitem o dia a dia da ressocialização que se constitui na finalidade da pena. “Cadeia não é lugar de castigo, mas de regeneração da pessoa humana” como disse o Arcebispo Metropolitano, D. Luis Mancilha Vilela.
O art 1º da Lei das Execuções Penais estabelece que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
É exatamente o que não acontece, o termo harmonia que entra na redação tem um sentido infinito, carece de interpretação em cada caso, já que cada condenado é um indivíduo, enquanto lhe continua sendo assegurado todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela Lei. (Art 3º).
O art 5º prevê a classificação, que deve ser prévia, de cada condenado ou interno, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal. E é ao Estado que cumpre fazer isto. Ele tem direito à assistência: material, à saúde, jurídica, educacional, social, religiosa. Não é feito, não é dada. Ao invés, à pena que recebe se acrescenta a de viver no ócio e orientado pelos pensamentos forjados na solidão e podridão das celas.
É ditame penal que todo aquele que concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas. É a coautoria do art. 29 do CP. Se ao condenado não é oferecida a possibilidade de ressocialização, se ele não é tratado segundo sua condição humana que a lei ampara, como se pode esperar que mude e que de regresso ao convívio social não volte a delinquir? E quando delinque não é lembrada a co autoria de quem se omitiu. Vilipendiamos “os tais marginais”. Eles voltam para a cadeia, não deveriam voltar sozinhos.
Não é diferente descumprir lei penais e as de outra natureza. A lei surgiu porque houve insinuação de um fato que a precedeu, constituindo o direito anteposto. Uma vez promulgadas se tornam obrigatórias e a todos se impõe seu cumprimento.
* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.