Direito Penal

Os Operadores do Direito e o porte de Armas

 

(Dedico este artigo ao ministro CARLOS AYRES BRITTO, presidente do TSE)

 

O debate é a melhor forma de aperfeiçoarem-se as idéias. Debater não deve traduzir-se em agredir verbalmente as pessoas que divergem da gente, mas sim confrontar pontos de vista. Da exposição sincera e cortês das opiniões surge sempre mais luz para todos.

 

Assim é que pretendo continuar abordando o tema do porte de arma para os operadores do Direito.

 

Entendo que não se justifica um juiz, um membro do Ministério Público, um advogado ou defensor público etc. portarem arma em função do exercício do seu ofício. Fora do exercício da sua atividade profissional pior ainda.

 

Se multiplicar-se o número de pessoas armadas, voltaremos à Idade Média.

 

Cada pessoa que pretender andar armada tem sua justificativa. Todos têm argumentos aparentemente sólidos…

 

Nós,operadores do Direito, trabalhamos com a pena (atualmente com o teclado e o “mouse”).

 

Devemos enfrentar as situações de risco como o fizeram RUI BARBOSA, SOBRAL PINTO, GONÇALVES DE OLIVEIRA e tantos outros.

 

Não faz sentido os homens e mulheres do Direito se nivelarem aos pistoleiros e assassinos profissionais ou ocasionais.

 

Ou acreditamos no Direito ou não acreditamos nele. Não há meio-termo nessa fé.

 

Alguns se justificam pela violência reinante em determinados pontos do nosso território para comparecerem ao foro armados e municiados como se estivessem num campo de batalha.

 

Outros utilizam a prerrogativa para servir-lhes de escudo em discussões no trânsito, no condomínio ou no clube…

 

Alguém pode argumentar que pacifistas eminentes morreram assassinados, como MOHANDAS GANDHI e MARTIN LUTHER KING, concluindo, com sofisma, que esse é o destino de quem não anda armado num mundo cheio de violência…

 

Querem fazer crer que somente com a intimidação dos agressivos se instala a Paz, ou, pelo menos, consegue-se mantê-los à distância…

 

Esquecem-se de que, na verdade, um forte combustível para a violência são as injustiças que se perpetuam e não encontram solução na própria Justiça.

O povo alemão foi humilhado pelos aliados após a I Guerra Mundial e, por causa disso, animou-se a seguir HITLER na aventura que se transformou na II Grande Guerra.

 

Os judeus foram tão maltratados pelos nazistas que encorajaram-se a criar o Estado de Israel e ali sustentam-se, mesmo correndo o risco permanente das agressões dos árabes vizinhos.

 

A violência absurda dos cruzados contra os árabes na Idade Média gerou da parte destes últimos uma mágoa que somente se dissipará daqui a muito tempo.

 

O tratamento desumano que muitos europeus impingiram aos negros e índios do nosso país, por exemplo, gera até hoje muita violência nos campos e nas cidades, nas favelas e guetos.

 

E os exemplos se multiplicam no nosso país e no mundo.

 

Então, fechar os olhos para as causas e querer combater os efeitos é o mesmo que alguém querer resolver o problema de uma infecção grave simplesmente tampando a ferida purulenta.

 

A violência que existe no dia-a-dia normalmente traz muito de revolta pelas desigualdades sociais, falta de oportunidades, saúde, educação, segurança, desemprego etc.

 

Atirar no marginal que foi criado na rua, filho de pai desconhecido e mãe que se prostituiu aos 10 anos de idade, é eliminar o doente ao invés de curar-lhe a doença.

 

Não se pretende mostrar um mundo cor-de-rosa, mas sim falar-nos do dever de enxergar o Direito e a Justiça como instituições pedagógicas.

 

Nossa missão não é só condenar os equivocados, punindo-os por falhas morais que não tiveram ninguém para diluir neles pela Educação.

 

Aliás, muitas falhas que servem de motivos de condenação nós mesmos já as cometemos ou, por algum acaso feliz, deixamos simplesmente de consumá-las…

 

Além disso, se formos analisar com sinceridade, vemos que, por alguma razão, quase todos os condenados são pobres…

 

A propósito da desconfiança que muita gente tem da nossa honestidade, vale a pena lembrar a campanha inaugurada por CARLOS AYRES BRITO pelo impedimento dos candidatos com ficha-suja na eleição de 2008. Os presidentes dos TREs da época apoiaram a campanha, o mesmo acontecendo com a AMB, mas não encontraram ressonância entre a maioria dos operadores do Direito, inclusive a maioria da nossa classe…

 

O que o povo em geral entendeu quanto à nossa credibilidade nessa conjuntura?

 

Há quem queira fazer valer o Direito até com o uso de armas mas não desagrada políticos e pessoas influentes na coletividade…

 

Devemos, não odiar os criminosos e desajustados socialmente – sejam eles ricos ou pobres – mas sim olhar dentro dos seus olhos e demonstrar respeito à sua condição de homens e mulheres tal como nós o somos e procurar resolver os problemas jurídicos com humanidade, sem desbordar, todavia, para o compadrio, irmão da corrupção.

 

Que me perdoem os operadores do Direito que simpatizam com as armas, mas acho isso inadequado para o nosso trabalho.

 

Se eu gostasse de armas optaria pela carreira militar. O Direito é um ramo da atividade que se aproxima mais da Pedagogia do que da Arte da Guerra.

 

Querer extinguir a violência com mais violência é o mesmo que pretender apagar um incêndio ateando mais fogo ao mato seco.

 

Respeito o ponto de vista de quem pensa de outra forma, mas continuarei defendendo a Paz alcançada por meios pacíficos.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Os Operadores do Direito e o porte de Armas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/os-operadores-do-direito-e-o-porte-de-armas/ Acesso em: 24 abr. 2025