Direito Penal

O STF e a Execução Provisória de Pena II

 

I. Explicações Preliminares.

 

Este é o segundo artigo que escrevemos sobre o mesmo tema. Trata-se, na verdade, de uma atualização daquele já publicado antes. E o porquê disso? É o que se passa a explicar.

 

Em artigo publicado anteriormente, sob o título “O STF e a Execução Provisória de Pena”, demonstrou-se a discrepância, à época, havida entre as decisões da Excelsa Corte sobre a execução provisória ou antecipada de penas privativas de liberdade. O Supremo Tribunal Federal não tinha posição firmada e unânime sobre o assunto; pelo contrário, o que mais se via eram ementas de acórdãos totalmente opostos.

 

Parece-nos, entretanto, diante de recentes julgados (e daí a razão para reescrevermos sobre o tema) que a situação mudou. Desponta na jurisprudência da Suprema Corte a consolidação de uma tese, que, embora não unânime, constituiu-se como majoritária e respeitada, conforme se demonstrará a seguir.

 

 

II. A Tese Vencida

 

Os ministros que entendiam como possível o cumprimento de pena privativa de liberdade antes de sentença penal condenatória transitada em julgado, ou seja, execução antecipada de pena, argumentavam, em resumo, da seguinte forma: o oferecimento de recurso especial e extraordinário não impede a execução provisória da pena, uma vez que, em face da regra contida no art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90 (“Os recursos extraordinário e especial serão recebidos só no efeito devolutivo”), estes não apresentam efeito suspensivo (apenas devolutivo). E, por fim, simplesmente se afirmava que tal medida não violaria o princípio constitucional da presunção de inocência. Nesse sentido (e, ademais, citando precedentes) foi o julgamento da segunda turma do STF, em 04.10.2005, no AI-AgR 539291/RS, senão vejamos:

 

“(…) IV – O recurso especial e o recurso extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não impedem a execução provisória da pena de prisão. Regra contida no art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90, que não fere o princípio da presunção de inocência. Precedentes. V. – Precedentes do STF (…)”.[1]

 

 

III. A Nova Posição – Agora Majoritária e Plenal do STF

 

A nova jurisprudência do STF parece consolidar outra tese; diga-se, de passagem, posicionamento muito mais conforme com as idéias de um direito e processo penal democrático e garantista.

 

O Pretório Excelso tem rechaçado veementemente a possibilidade de execução provisória ou antecipada de pena, seja esta privativa de liberdade ou restritiva de direitos. E a linha argumentativa é bem simples e clara: não pode haver execução de pena criminal antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória em homenagem, basicamente, ao princípio constitucional do estado de inocência ou de não-culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII, da CF.

 

“O Supremo Tribunal Federal não reconhece a possibilidade constitucional de execução provisória da pena, por entender que orientação em sentido diverso transgrediria, de modo frontal, a presunção constitucional de inocência”.[2]

 

Aliás, o paradigma da consagração desta tese (“the lead case”) foi a decisão plenária exarada nos autos do Habeas Corpus número 84078/MG, de relatoria do Ministro Eros Grau, julgado em 05 de fevereiro de 2009. Acompanhe:

 

“HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados — não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque — disse o relator — “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual”.[3]

 

Registre-se que tal tese já vinha sendo defendida há alguns anos pelo Ministro Eros Roberto Grau (e outros),[4] sendo inclusive já parte da jurisprudência do Supremo. Entretanto, diz-se que o caso acima foi o julgado emblemático, pois foi emanado do pleno do Supremo, e, a partir de então, passou a figurar como entendimento majoritário daquele Tribunal (e não de alguns ministros ou turmas apenas).

 

Em sendo a tese da maioria, passou a ser respeitada e acatada inclusive pelas vozes dissonantes, como a da eminente Ministra Ellen Gracie, que assim se manifestou: “Por ocasião do julgamento (do HC 84.078), me posicionei contrariamente à tese vencedora. Entretanto, não tendo prevalecido meu posicionamento, curvo-me ao entendimento da maioria”.[5]

 

A importância do julgado “Habeas Corpus n. 84078 de Minas Gerais” é afirmada não somente por nós, mas reconhecida pela própria Corte Excelsa, consoante relatado pela Ministra Carmen Lúcia nos autos do também Habeas Corpus n. 98217 de Mato Grosso do Sul, in verbis: “Destaco que a matéria envolvendo o direito de recorrer em liberdade de réu condenado sem trânsito em julgado (HC 83.868, Relator Ministro Marco Aurélio; RHC 93.123, de minha relatoria), envolvendo a execução provisória de pena em caso de pendência (ou possibilidade) de interposição de recurso especial ou extraordinário – sem efeito suspensivo (RHC 93.287 e HC 93.172, ambos de minha relatoria; HC 84.078, Relator Ministro Eros Grau; HC 91.676, HC 92.578 e HC 92.691, estes da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski), teve sua apreciação pelo Plenário do Supremo Tribunal na sessão do dia 5.2.2009. Nesses casos, reviu-se a posição que vigorava no Supremo Tribunal Federal de que a pendência de recursos sem efeito suspensivo autorizava o recolhimento do condenado, ainda antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Firmou-se a posição, por maioria de votos do Pleno do Supremo Tribunal Federal, de que há óbice de prisão para execução ainda provisória de pena na pendência de recurso especial ou extraordinário. A única exceção ficou assentada no caso de prisão cautelar por decreto fundamentado”.[6]

 

Observe que a linha de raciocínio atual e majoritária do STF é extremamente lógica; só não entende quem não quer ou a quem não convém entender. O Supremo afirmou que se e quando, após a sentença condenatória recorrível, houver motivo para a prisão cautelar do réu ou querelado, e, sendo o encarceramento mantido ou decretado, terá o preso provisório direito aos benefícios previstos na Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/84), como progressão de regime prisional.

 

Esta é a verdadeira razão de ser da súmula número 716 do STF, segundo a qual “admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.

 

O que se está a dizer é muito simplório: todo preso, após a sentença condenatória recorrível, tem direito a benefícios típicos da execução penal, ainda que o cárcere seja provisório ou cautelar. E nem poderia ser diferente. Se o preso definitivo tem direito, com maior razão aplicam-se tais institutos ao preso provisório. Aliás, nem seria preciso tal raciocínio de equidade, uma vez que a própria letra fria do diploma das execuções penais já havia se encarregado de afirmar que “esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório” (artigo 2, parágrafo único, primeira parte, da Lei n. 7.210/84).

 

Não se trata de diferenciar, como pretendiam alguns, entre “estado de inocência” e “estado de não culpabilidade”, ou, em outras palavras, de vislumbrar no decreto condenatório recorrível um título ou chancela para o encarceramento automático com antecipação da execução de pena definitiva que seria futuramente reconhecida quando do trântido em julgado. Impossível a expedição de mandado de prisão apenas pelo fato de o réu ter sua condenação confirmada em segunda instância, porém ainda pendente de julgamento recurso sem efeito suspensivo (recurso especial ou extraordinário) interposto pela defesa.[7]

 

Até mesmo porque nem o mais interessado punitivista seria capaz de compatibilzar este entendimento com o atual sistema jurídico de princípios e normas inaugurado pela Constituição Federal de 1988.

 

É inegável, portanto, que há “constrangimento ilegal, a ser reparado pela via do habeas corpus, quando a decisão condenatória determina a expedição de mandado de prisão, independente de seu trânsito em julgado, sem, contudo, explicitar os pressupostos justificadores da segregação cautelar”.[8]

 

É de ser concedida a ordem de “habeas corpus”, conforme o Supremo, quando o paciente, em liberdade durante toda a instrução criminal, teve a prisão preventiva determinada por ocasião da sentença condenatória sem qualquer fundamentação concreta dos requisitos do art. 312 do CPP. Repita-se: “O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a execução provisória da pena, ausente a justificativa da segregação cautelar, fere o princípio da presunção de inocência”.[9]

 

Repare. Não se diz, em momento algum, que ninguém pode ser preso ou permanecer preso diante de sentença penal condenatória da qual interposta recurso extraordinário ou especial. Apenas é exigida a motivação concreta (fática) para a prisão do sujeito; prisão, esta, cautelar, provisória. 

 

“HABEAS CORPUS” – CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL – SUBSISTÊNCIA, MESMO ASSIM, DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII) – RECONHECIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE – CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, Nº 2) – ACÓRDÃO QUE MANTÉM A PRISÃO DO CONDENADO SEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA – IMPOSSIBILIDADE – DECRETABILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR – POSSIBILIDADE, DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS MENCIONADOS NO ART. 312 DO CPP – NECESSIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA, EM CADA CASO, DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE – INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO – AFASTAMENTO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, NO CASO CONCRETO, DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF – “HABEAS CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO. PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA E CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS – COMPATIBILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL, DESDE QUE SE EVIDENCIE A IMPRESCINDIBILIDADE DESSA MEDIDA EXCEPCIONAL. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de reconhecer que a prisão decorrente de sentença condenatória meramente recorrível não transgride a presunção constitucional de inocência, desde que a privação da liberdade do sentenciado – satisfeitos os requisitos de cautelaridade que lhe são inerentes – encontre fundamento em situação evidenciadora da real necessidade de sua adoção. Precedentes. – A Convenção Americana sobre Direitos Humanos não assegura, de modo irrestrito, ao condenado, o direito de (sempre) recorrer em liberdade, pois o Pacto de São José da Costa Rica, em tema de proteção ao “status libertatis” do réu, estabelece, em seu Artigo 7º, nº 2, que “Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas”, admitindo, desse modo, a possibilidade de cada sistema jurídico nacional instituir os casos em que se legitimará, ou não, a privação cautelar da liberdade de locomoção física do réu ou do condenado. Precedentes. PRISÃO CAUTELAR – CARÁTER EXCEPCIONAL. – A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade. A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe – além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) – que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. – A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Doutrina. Precedentes. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA E O POSTULADO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. – O Supremo Tribunal Federal não reconhece a possibilidade constitucional de execução provisória da pena, por entender que orientação em sentido diverso transgride, de modo frontal, a presunção constitucional de inocência. Precedentes”.[10]

 

 

IV. Suma Plenária

 

Simplesmente, por medida de justiça, decidiu-se que se o preso cautelar, que embora preso ainda considerado sujeito de direitos (e não objeto do processo, como afirmado pelo Supremo no HC 91232 / PE), encontra-se privado da liberdade por tamanho lapso temporal que já faria jus (isto é: já teria preenchido os requisitos legais) à progressão de regime ou livramento condicional, inexiste motivo a negar-lhe tais benefícios próprios da execução penal. Entretanto, tais benefícios são conferidos sob o título de execução “provisória” ou “antecipada”, pois antes da sentença condenatória transitar em julgado – marco clássico da execução da pena criminal daquele que já não mais “inocente” ou “não culpado”.

 

O mero fato de os recursos extraordinário e especial não gozarem de efeito suspensivo não implica em dizer que a execução da pena pode ser antecipada; não existe a menor possibilidade de executar a pena antes de condenação judicial definitiva. A condenação passível de recurso, apesar de ter o seu valor e status jurídico, não autoriza o cumprimento antecipado da pena, ao menos em um Estado Democrático de Direito. Toda e qualquer prisão criminal antes de sentença condenatória transitada em julgado é inevitavelmente cautelar; pena definitiva só depois do trânsito em julgado; parece óbvio dizer (e até enfadonho repetir), mas sublinhe-se que antes do definitivo tudo é cautelar e provisório, até mesmo a condenação recorrível.

 

Magistral, nessa esteira, o julgado relatado pelo ilustre Ministro Carlos Ayres Britto: “(…) o exaurimento das instâncias ordinárias não afasta, automaticamente, o direito à presunção de não culpabilidade. Direito individual que tem sua força quebrantada em uma única passagem da Constituição. Leia-se: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (inciso LXI do art. 5º). 2. Em matéria de prisão provisória, a garantia da fundamentação das decisões judiciais consiste na demonstração da necessidade da custódia cautelar, a teor do inciso LXI do art. 5º da Carta Magna e do art. 312 do Código de Processo Penal. A falta de fundamentação do decreto de prisão inverte a lógica elementar da Constituição, que presume a não culpabilidade do indivíduo até o momento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória (inciso LVII do art. 5º da CF). Não é de se confundir prisão provisória com execução provisória da pena, portanto”.[11]

 

 

V. Alcance Final

 

Frise-se, por último, que a vedação à chamada “execução provisória ou antecipada de pena” não se restringe unicamente às hipóteses de pena privativa de liberdade (pena-prisão), mas também alcança as penas restritivas de direitos.

 

“Ao julgar o Habeas Corpus n. 84.078, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela impossibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos decorrente de sentença penal condenatória, ressalvada a decretação de prisão cautelar nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal”.[12]

 

Enfim, é nesses termos que se encontra atualmente a questão em análise, ao menos sob a ótica da mais alta corte brasileira. Aí está o tema: “O STF e a Execução Provisória de Pena II”.

 

 

* Leonardo Marcondes Machado, Delegado de Polícia em Santa Catarina. Especialista em Ciências Penais pela UNISUL / IPAN / LFG. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Colaborador-articulista de diversas revistas eletrônicas.



[1] STF, Segunda Turma, AI-AgR 539291/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 04.10.2005, DJ de 11.11.2005

[2] STF, Segunda Turma, HC 99891/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 15.09.2009, DJe-237 de 17.12.2009.

[3] STF, Tribunal Pleno, HC 84078/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. em 05.02.2009, DJe-035 de 25.02.2010.

[4] STF, Segunda Turma, HC 91232/PE, Rel. Min. Eros Grau, j. em 06.11.2007, DJe-157 de 06.12.2007.

[5] STF, Segunda Turma, HC 98166/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 02.06.2009, DJe-113 de 18-06-2009

[6] STF, Primeira Turma, HC 98217/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 08.09.2009, DJe-067 de 15-04-2010.

[7] STF, Segunda Turma, HC 98166/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 02.06.2009, DJe-113 de 18-06-2009

[8] STF, Primeira Turma, HC 97318/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 06.04.2010, DJe-081 de 06-05-2010

[9] STF, Primeira Turma, HC 95315/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 25.05.2010, DJe-105 de 10-06-2010

[10] STF, Segunda Turma, HC 99914/SC, Rel. Min. Ellen Gracie / Rel. Min. p/ acórdão Celso de Mello, j. em 23.03.2010, DJe-076 de 29-04-2010

[11] STF, Primeira Turma, HC 97523/SP, Rel. Min. Carlos Britto, j. em 30.06.2009, DJe-162 de 27-08-2009

[12] STF, Primeira Turma, HC 96029/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 14.04.2009, DJe-089 de 14-05-2009

Como citar e referenciar este artigo:
MACHADO, Leonardo Marcondes. O STF e a Execução Provisória de Pena II. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/o-stf-e-a-execucao-provisoria-de-pena-ii/ Acesso em: 23 dez. 2024