Direito Penal

O direito penal repressivo e sua utilidade na manutenção da desigualdade social

O surgimento da teoria criminológica denominada “labelling approach” relativizou as pesquisas etiológicas ao apresentar uma nova visão, baseada, não na origem do crime, a criminalização.

Para o labelling, o crime é um comportamento qualificado como criminoso e, para criminólogos a esta corrente vinculados, como Alessandro BARATTA, o que interessa é a distribuição social desse bem negativo chamado criminalidade, portanto, o sistema de justiça criminal não existe para combater o crime, como insiste em afirmar o Direito Penal e a Criminologia Tradicional.

Nesse sentido, a Criminologia Crítica tem a convicção de que o sistema de justiça criminal realmente existe para garantir um sistema social ou, melhor, para garantir e manter relações sociais, criminalizando certo grupo de condutas e o estigmatizando.[1]

1.1 A LEI PENAL E A PRISÃO COMO INSTRUMENTOS CENTRAIS DE CONTROLE SOCIAL

Segundo o discurso oficial proclamado pelo Ordenamento Jurídico Penal, a norma penal é dirigida a todas as pessoas, não importando sua classe social, porém, o cenário real que se vislumbra é curiosamente diverso, pois visível que na sociedade alguns grupos desenvolvem estratégias de contenção ou neutralização das normas penais, quando estas representam perigo aos seus interesses.

Ora, a função motivadora da lei penal deveria ter íntima ligação com a função motivadora da norma social, entretanto, muitas vezes há uma incongruência entre as motivações apontadas, situação de desencontro não casual.

Bom exemplo disso é a violação do patrimônio privado, sancionado de forma muito mais exacerbada que a violação ao patrimônio público. Alguns doutrinadores explicam a situação alegando que a própria sociedade não sente o crime contra o patrimônio público de forma gravosa.

Em outras palavras, para as pessoas em geral, o fato de seu automóvel ser subtraído, é mais importante e grave do que o fato de saber através de noticiários que foram desviados milhões de reais dos cofres públicos[2].

Ainda se faz importante observar a forma que a mídia apresenta os noticiários envolvendo os crimes de desvio de dinheiro público, ou de sonegação fiscal de grande monta, curiosamente ela não relaciona os delitos ao número de mortos por desnutrição ou com a morte de pacientes a espera de leitos em hospitais públicos. De forma direta, a mídia hoje exerce papel fundamental na estruturação dos valores e bens socialmente relevantes.

Destarte, a norma penal é direcionada a privilegiar as classes mais abastadas e penalizar as oprimidas, Amilton Bueno de CARVALHO é preciso ao tratar dessa incongruência:

b) dirão alguns que a lei penal tipifica aqueles comportamentos que ofendem mais à moralidade média. Será verdade? Vejamos o que nos causa maior desagrado: a ofensa à honra (injúria), a ofensa ao corpo (lesão leve), ou a ofensa ao patrimônio (uma pessoa com grave ameaça que subtraia um relógio – roubo)? Evidente que a ordem de desagrado é em primeiro lugar a honra, após o corpo e depois o patrimônio. Quais as penas? Detenção de um a seis meses ou multa (art. 140 do CP); detenção de três meses a um ano (art. 129); reclusão de quatro a dez anos (art. 157), respectivamente. Surge uma questão básica: quem pratica o roubo, ou seja, a subtração de coisa móvel mediante grave ameaça? Evidente que é o pobre. Os outros dois delitos os não-pobres praticam, o de roubo não! Para quem foi feito o dispositivo legal com tamanha pena?

c) outro exemplo é mais chocante: imaginemos o mesmo delito de roubo (mediante grave ameaça subtraiam um relógio) em confronto com o delito de esbulho possessório (mediante grave ameaça invadam um imóvel – art. 161 do CP). Os crimes são praticamente idênticos, só diferem que num o objeto é móvel, noutro é imóvel. Como valoramos mais o imóvel, este deveria ser melhor protegido. Mas não é. A pena daquele é de quatro a dez anos, e este é de um a seis meses. Pergunta-se: quem comete roubo de relógio? Algum latifundiário? Ora, a subtração de móvel é crime do pobre, o esbulho possessório é do rico.

A casuística seria interminável, inclusive passando pela legislação extravagante e com isso a seletividade social da normal penal, indiscutível.

Essa seleção ataca justamente a parcela mais carente da população. Definitivamente, não se pode dizer que a norma penal protege os bens de maior relevância social. Protege, isso sim de forma escancarada, os interesses da classe dominante[3].

Juarez Cirino dos SANTOS reconhece a existência efetiva da seletividade quando afirma que “os objetivos da pena criminal (e do aparelho carcerário) podem ser definidos por uma dupla reprodução: reprodução das desigualdades sociais fundadas na divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, e reprodução de um setor de marginalizados/criminalizados (no circuito da reincidência criminal), cuja a função é manter a força de trabalho ativa integrada no mercado de trabalho, como força produtiva dócil e útil, intimidados pela ‘inferiorização’ social resultante da insubordinação à disciplina do trabalho assalariado.”[4]

Evidenciada a seletividade penal vale destacar que a gravidade da questão transcende os interesses pessoais de certa posição social, influenciando diretamente em vários setores, por exemplo, no sistema carcerário saturado, auxiliando no desenvolvimento e manutenção da criminalidade.

1.2 A CRÍTICA ÀS FUNÇÕES DECLARADAS DA PENA CRIMINAL

Para que se possa ingressar no estudo sobre as funções declaradas da pena é necessário destacar a existência da teoria conhecida como agnóstica da pena. Inicialmente, o componente agnóstico do conceito de pena, representa o desconhecimento das finalidades reais do sistema penal, uma vez que não é reconhecida a real finalidade da pena (agnosticismo), é ignorado as dimensões de realidade e de ilusão das formas ideológicas de controle social das sociedades de classes sociais antagônicas, com o abandono da crítica criminológica fundada na dialética das funções declaradas ou manifestas da ideologia penal, desconsiderando assim, as funções reais da pena criminal, que garantem a separação de classes sociais na sociedade capitalista[5].

Além da teoria agnóstica, a crítica materialista/dialética da pena criminal tem por objetivo demonstrar as finalidades reais ou latentes da punição. É uma maneira de refutar as teorias jurídicas, apresentando assim uma nova perspectiva quanto ao fenômeno da pena.

Destro dessa nova perspectiva, pena criminal, na sociedade capitalista, nunca serviu como expiação metafísica da culpabilidade, nem como forma de ressocializar o indivíduo ou de intimidar a sociedade, como afirma grande parte dos juristas. As reais finalidades da pena encontram-se camufladas nesses discursos.

De acordo com o Código Penal Brasileiro, o estudo das funções teóricas da pena passa por três aspectos fundamentais: a pena como retribuição equivalente do crime, a prevenção especial, e a prevenção geral, quando empiricamente se constata que a função retributiva da pena é a que mais se aproxima das reais funções ocultas da pena criminal.

A pena é a expressão aritimética da gravidade do dado, refletida no rigor da sentença. A privação de liberdade por tempo determinado a forma específica pela qual o poder punitivo afirma realizar o princípio da retribuição equivalente.[6]

Em síntese, é traçado uma relação de equivalência entre a gravidade do crime e a pena a ele atribuída, mensurada pela quantidade de tempo suprimida do condenado.

Então, enquanto a sociedade for sustentada pela relação capital/trabalho assalariado, há de continuar existindo a prisão como instituição que representa a pena como retribuição equivalente[7].

No que tange à prevenção especial, ainda de acordo com o que preceitua o Código Penal Brasileiro, destaca-se a função teórica de evitar a criminalidade, essa teoria é a que mais se aproxima do seu objetivo, mas ainda assim não é suficiente. Em relação à sua finalidade real ou latente, trata-se de um êxito retumbante: o isolamento de determinadas pessoas caracterizadas como causadoras da criminalidade, garante as condições fundamentais da sociedade capitalista.

Nesse ponto deve-se considerar que o crime é uma realidade construída através de processos de definição, ou seja, comportamento desviante é aquilo que os outros definem como desviante, não é uma qualidade ou uma característica que pertence ao comportamento como tal, mas que é atribuído ao comportamento.

Assim o delito está envolto por uma relativização aparente, uma vez que se revogue determinado artigo, que anteriormente criminalizava certa conduta, a qualidade de perigoso daquele que praticou essa ação, automaticamente deve ser revista. Sendo assim, como o fenômeno do crime, a periculosidade de uma pessoa também não passa de uma construção social.[8]

Em relação a prevenção geral negativa, denota-se que a ameaça de pena não consegue atingir todos os entes da sociedade, desestimula condutas que exigem uma certa reflexão (crimes ecológicos, econômicos, tributários e etc.), porém no que diz respeito a delitos impulsivos, a ameaça da imposição da pena não tem muita efetividade.

Disso se extrai que a prevenção geral negativa apenas teria relevância para o direito penal simbólico, servindo como instrumento de legitimação do poder punitivo, por meio da disseminação de imagens ilusórias de eficácia do sistema penal na psicologia popular. Nesse aspecto a mídia impulsiona a disseminação do direito penal simbólico, uma vez que propaga em seus noticiários que a resposta penal ao desvio se aplica tanto às camadas sociais menos favorecidas (a real clientela do sistema de justiça criminal), quanto aos delitos praticados por pessoas em posição social diferenciada (crimes econômicos, tributários, ambientais, delitos contra o consumidor, etc.).[9]

No cenário brasileiro é cediço serem os crimes contra o patrimônio altamente divulgados e com eles os meios de comunicação criam ilusão de insegurança na população ao fazerem propaganda do sistema penal, equiparando a criminalidade (principalmente patrimonial) à violência. Em contrapartida, no que tange os crimes econômicos por exemplo, existe a divulgação dos casos, porém, não se traça uma ligação entre o cometimento destes e a disseminação da criminalidade, não se coloca as grandes operações como meio de amedrontar a população, como se referidos delitos não fossem capazes de lesionar a sociedade tal qual os delitos patrimoniais.

É preciso refletir sobre uma política criminal fundada na prevenção geral negativa, pois isso conduz ao direito penal do terror, que tem como objetivo amedrontar a sociedade de forma seletiva e relativa. A prevenção geral positiva aparece como afirmação da ideologia dominante, uma vez que produz efeitos apenas em relação à criminalidade da classe menos favorecida, pois no que se refere à criminalidade simbólica, a função da pena não é instrumental, servindo apenas como símbolo para legitimação do seletivo poder punitivo do Estado.

Assim sendo, dentro de uma leitura estrita do Código Penal e do que ele considera como funções da pena, a prevenção geral aparece para reafirmar ainda mais a ideologia dominante, contribuindo na construção de um direito penal simbólico, que insiste em produzir efeitos somente em relação à classe subalterna.

2. ESTIGMATIZAÇÃO CONCRETA E A ESCOLHA DO QUE PUNIR

É evidente que o Estado possui responsabilidade direta no que tange à construção da seletividade no âmbito social, inicialmente o Poder Legislativo demonstra a desigualdade na criação das penas, uma vez que exalta como inaceitáveis certos delitos, criando penas extremamente severas, e ao mesmo tempo abranda as penas de outros, isso denomina-se como seletividade primária. Nesse ponto, a seletividade começa a ser operada quando da elaboração das leis, ou seja, existe uma seleção efetuada pelo meio primário de “contenção”.

Em um segundo momento a polícia exerce o controle direto sobre as classes menos favorecidas, reprimindo-as de forma evidente. Ainda é possível notar a seletividade no Poder Judiciário, apontado como um dos integrantes da instância formal de controle que mais atua na produção das etiquetas.

Manifesta-se, de forma bastante clara, na Criminologia Crítica um deslocamento do estudo criminológico para as instâncias de controle social, e não para o autor do fato delitivo, afinal a própria caracterização de alguém como criminoso passa, em seu mérito, a ser objeto de profundo questionamento, na medida em que há seletividade na criminalização primária, o que significa que não necessariamente algo é crime porque ofende a um bem jurídico essencial à sociedade, mas porque representa a prática de um ato incômodo para a classe dominante por integrantes da classe mais alijada, que a bem da verdade pode ofender bens jurídicos importantes, mas que em realidade não tem nisso seu fator principal de definição como delito.

Com isso, verifica-se que a estigmatização é criada pelos meios formais e informais de controle, sendo que aqueles que detém de alguma forma o poder, são os principais operadores do controle social, determinando o que e a quem e punir.

Os tópicos a seguir comprovam a existência do etiquetamento decorrente da criminalização secundária e os reflexos causados pela seletividade exercida, pelos meios de controle, a partir do recorte dos delitos patrimoniais individuais e econômicos, tendo em vista os sujeitos que – em potencial – podem realizá-los.

2.1 SELETIVIDADE CONFIRMADA POR DADOS ESTATÍSTICOS

Cumpre destacar que os dados que serão nesse tópico abordados são resultado do estudo realizado e divulgado pelo INFOPEN em relação à situação carcerária brasileira no ano de 2017[10].

O INFOPEN, é um sistema do Ministério da Justiça e Segurança Pública criado em 2004 que fornece dados/estatísticas do sistema prisional brasileiro. Os dados são coletados por meio de um formulário de coleta estruturado preenchido pelos gestores de todos os estabelecimentos prisionais do país.

No ano de 1990 o Brasil contava com 90.000 detentos, em 2017 esse número subiu para 726.354 pessoas privadas de liberdade, ou seja, o numerário aumentou 8 vezes. O Brasil tem a terceira maior população prisional do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos e China, portanto, é notório que a prisionalização vem se pulverizando, não havendo o que se falar em impunidade, em especial em relação à determinadas parcelas da sociedade[11].

Nesse sentido traçado um “perfil” das pessoas privadas de liberdade, verifica-se a incidência do etiquetamento de forma veemente no cenário nacional.

Inicialmente, em relação à faixa etária das pessoas privadas de liberdade no Brasil, é possível inferir que a maior parte é composta por jovens. Entre estes, 29,9% possuem entre 18 a 24 anos, seguido de 24,1% entre 25 a 29 anos e 19,4% entre 35 a 45 anos. Somados o total de presos até 29 anos de idade totalizam 54% da população carcerária.

No que tange a cor e etnia da população prisional brasileira, constata-se que 46,2% são de cor/etnia parda, seguido de 35,4% da população carcerária de cor/etnia branca e 17,3% de cor/etnia preta. Somados, pessoas presas de cor/etnia pretas e pardas totalizam 63,6% da população carcerária nacional. Quando observados os dados da PNAD Contínua 2017, percebe-se que há uma representação da população preta e parda no sistema prisional brasileiro. Os dados do PNAD indicam, que somados, o total de pardos e pretos representam 55,4% da população brasileira.

No que concerne ao grau de escolaridade das pessoas privadas de liberdade no Brasil, é possível afirmar que 51,3% destas possuem o Ensino Fundamental Incompleto, seguido de 14,9% com Ensino Médio Incompleto e 13,1% com Ensino Fundamental Completo. O percentual de presos que possui Ensino Superior Completo é de 0,5%.

Alessandro BARATTA relaciona as funções seletivas e classistas da justiça penal e do sistema escolar, o autor explica que a homogeneidade do sistema escolar e do sistema penal corresponde ao fato de que realizam, essencialmente, a mesma função de reprodução das relações sociais e de manutenção da estrutura vertical da sociedade, criando, em particular, mecanismos eficazes contra estímulos à integração dos setores mais baixos e marginalizados do proletariado, ou colocando diretamente em ação processos marginalizadores. Por isso, é encontrado no sistema penal, em face dos indivíduos provenientes dos estratos sociais mais fracos, os mesmos mecanismos de discriminação presentes no sistema escolar.[12]

Corroborando com a ideia de estigmatização, vale analisar a frequência dos tipos penais, de crimes tentados ou consumados pelos quais as pessoas privadas de liberdade ou aguardando julgamento foram aprisionadas.

Em relação aos tipos penais pelos quais respondem as pessoas privadas de liberdade, verifica-se que os crimes contra o patrimônio somam 234.866 incidências, o grupo de drogas registra um total de 156.749 pessoas detidas por crimes desta natureza e os crimes contra a vida representam 64.048. Em contrapartida, destaca-se que 483 pessoas respondem no grupo de crimes contra a Administração Pública (peculato, concussão e excesso de exação e corrupção), no que tange o grupo de pessoas que responde crimes praticados por particular contra a Administração Pública (corrupção ativa e contrabando e descaminho) o número é 680.

Entre todos os crimes imputados às pessoas privadas de liberdade no país verifica-se que em torno de 45% dos casos são decorrentes de crimes contra o patrimônio, 30% referem-se aos delitos do grupo de drogas, somados, esses delitos correspondem em média a 75% da população prisional, em contrapartida, os crimes contra a Administração Pública e os praticados por particulares contra a Administração Pública somam aproximadamente 0,2%.

Do conjunto dos números lançados nos parágrafos antecedentes se extrai o quão seletivo é o sistema prisional, tendo como foco pessoas de baixa escolaridade, negras e pertencentes a classe baixa, desvirtuando completamente a ideia de que o direito penal se aplica à todos, demonstrando que taxativamente a escolha do que se vai punir.

Alessandro de GIORGI, afirma que o controle do desvio, enquanto legitimação aparente das instituições penais, constitui construção social por meio da qual as classes dominantes preservam as bases materiais da sua própria dominação.

As instituições de controle não tratam a criminalidade como fenômeno danoso aos interesses da sociedade em seu conjunto; ao contrário, por meio da reprodução de um imaginário social que legitima a ordem existente, elas contribuem para ocultar as contradições internas ao sistema de produção capitalista. Em outras palavras, numa sociedade capitalista o direito penal não pode ser colocado a serviço de um “interesse geral” inexistente: ele se torna, necessariamente, a expressão de um poder de classe.[13]

É visto que o poder de polícia e o judiciário optam por punir crimes contra o patrimônio, coincidência ou não, grande parte das pessoas que cometem esse delito fazem parte das classes menos favorecidas. Assim, recuperando sua missão histórica de origem, o encarceramento serve, antes de tudo, para regular, se não perpetuar, a pobreza e para armazenar os dejetos humanos do mercado.[14]

2.2 A SELEÇÃO OPERADA PELAS POLÍCIAS E OS PROCESSOS DE ESTIGMATIZAÇÃO

De forma geral, as instituições policiais são quem realizam a primeira análise subjetiva acerca de quem deve ou não ser punido, o primeiro juízo de valor existente no procedimento penal é realizado por eles e é inegável a afirmativa de que existe um sério problema em relação as abordagens realizadas por este grupo, onde mais uma vez a seletividade se mostra extremamente aparente e dominadora do pensamento policial.

É dentro dessa perspectiva de herança sociocultural que se insere a política de razão de Estado, cujos tratamentos dispensados no atendimento de ocorrências policiais, muitas vezes, refletem esse imaginário, convertido em ações discriminatórias ou racistas perpetradas pelos agentes contra a população das periferias.[15]      

Infelizmente, no Brasil, a seletividade se opera de forma esmagadora sobre as pessoas de pele negra e pertencentes às classes menos favorecidas. É assustador pensar, que nos dias atuais, 63,6% da população carcerária brasileira é de pessoas negras ou pardas, sendo que se levar em consideração a porcentagem da população em geral, os negros e pardos correspondem a 55,4% da população nacional, ou seja, é irrefutável que existe uma perseguição a esses sujeitos, que facilmente é retratada no cotidiano da sociedade.

De acordo com Oracy NOGUEIRA, o preconceito racial que prevalece no Brasil não é segregacionista e gera expectativas integracionistas, diferente do preconceito racial anglo-saxão, que incide indiscriminadamente sobre cada pessoa de cor.[16] Entretanto, o preconceito brasileiro discrimina a cor e a vincula ao preconceito de classe, convertendo-se em preconceito social. Darcy RIBEIRO afirma que “o preconceito social e a discriminação, interiorizados em seus valores básicos, representam também um importante papel etnocida” e transfigura etnicamente o povo.[17]

É contraditório imaginar que em um país que possui grande influência negra na sua cultura ainda hoje existam graves problemas em relação a aceitação de pessoas, até porque, o modelo de desenvolvimento populacional brasileiro produziu mistura de culturas e raças, como uma das suas principais características.

A propósito, no sistema de persecução criminal há racismo disfarçado de prevenção, pois ele atua sobre determinadas pessoas, por exemplo, os negros, como se fosse garantido detectar algum comportamento desviado.

Vale refletir que atingir os anseios de grande parte da população com respeito à função policial, sempre torna mais acessível a abordagem de pessoas de classes menos favorecidas, por serem as mais vulneráveis à prática de abuso de autoridade, enquanto, a investigação de crimes financeiros por exemplo, traz maior dificuldade, geralmente sendo conduta bem formulada que exige sofisticação na investigação, não trazendo, de forma imediata, qualquer reconhecimento da população.

Há no imaginário social a ideia de que os pobres são responsáveis pela sua pobreza, inclusive com influências, nessas condições, da ética católico-lusitana, principalmente quanto ao espírito aventureiro, o apreço pela lealdade e o gosto pelo ócio.

É dentro dessa perspectiva de herança sociocultural que se inserem as ações persecutórias do Estado, cujo tratamento dispensado no atendimento de ocorrências policiais, muitas vezes, refletem esse imaginário, convertido em ações discriminatórias ou racistas perpetradas pelos agentes contra a população da periferia. [18]

Bem a propósito, são emblemáticos os dados reportados por Darcy RIBEIRO:

Orientamos pesquisa realizada por Pereira que avaliou a legalidade das ações policiais denominadas de “arrastão” em uma unidade policial da cidade de Cuiabá, com amostra composta de 62 policiais militares que trabalhavam na atividade operacional, comprovando-se que a chamada “fundada suspeita” é a justificativa mais empregada para as abordagens policiais, conforme afirmação de 88,71% dos entrevistados. Paradoxalmente, 95,16% dos entrevistados presenciaram algum tipo de “resistência por parte dos cidadãos ao serem abordados pela Polícia Militar para a realização da busca pessoal”, mas não se contabilizou o número dessas resistências, nem quantas pessoas foram conduzidas às delegacias pelo “crime” de “desacato” em razão de tais “resistências”. Na opinião dos policiais militares entrevistados, 52,54% das resistências se devem ao constrangimento gerado pela abordagem; 23,73% pela ilegalidade da ação policial; 13,56% em razão do alvo dessas ações (população dos bairros periféricos e de baixa renda); 5,08% pela violação aos direitos do cidadão. A pesquisa também comprovou que as operações policiais são direcionadas em quase a sua totalidade para a periferia, sem justificativa plausível para a maioria das abordagens realizadas, já que o conceito de “fundada suspeita” é muito vago. Enfatizamos que, embora os resultados sejam relativos a tempos e espaços determinados, não podemos destacar a sua identificação com outros tempos e espaços de atuação policial no Brasil.[19]

Com base nesses dados é possível afirmar que a força policial está, ainda que em ações inconscientes, à serviço de uma disputa classista, na qual as classes subalternas são vistas com tolerância somente enquanto cumprem o seu papel estabelecido pelos grupos que exercem domínio.

2.3 A SELEÇÃO CONFIRMADA PELO PODER JUDICIÁRIO

Diante do exposto nos tópicos anteriores, basicamente pode-se concluir que o etiquetamento não decorre de uma causalidade, mas de um estigma atribuído ao selecionado, que é construído sobre a pessoa tanto pelas instâncias formais quanto informais de controle social.

A criminologia crítica colaborou na elaboração de conceitos e linhas de pensamento que ainda são utilizadas como forma de estudar o desenvolvimento dos delitos, a cifra oculta por exemplo, diz respeito à relação dos crimes ocorridos, mas não registrados pelos órgãos oficiais, e estabelece a diferença entre os crimes realmente praticados e o número de crimes objeto de registro oficialmente como delito.

A partir da ideia de cifra oculta, desenvolveu-se o conceito de cifra dourada, a espelhar os crimes econômicos, ambientais, financeiros e tributários, enfim, os delitos de alta ofensividade social, mas praticados pelas camadas mais bem situadas socialmente e que funcionalmente não são objeto de qualquer apuração.

A observância da existência real do que se chamou de cifra oculta e cifra dourada fez com que se verificasse que a realidade do processamento criminal é extremamente falha, uma vez que existe uma permanente criminalização de determinados grupos e proteção de outros.

O estigma não é algo criado somente pelo meio externo, é possível verificar que dentro da própria família podem ocorrer atribuições negativas, como por exemplo o fato de o indivíduo ser considerado como “o filho problema”, “complicado”, o que também se perpetua na escola, através dos colegas, professores, diretores, enfim nos vários ambientes onde se desenvolve uma forma de “instância de controle social informal”.

O Poder Judiciário é severamente criticado pela teoria da estigmatização, visto que é apontado como um dos integrantes da instância formal de controle que mais atua na produção das etiquetas, pois, embora a presença essencial do princípio da legalidade em matéria penal tenta reduzir os âmbitos de discricionariedade judicial, observa-se que a lei não representa um elemento válido em si mesmo, dependendo para o enquadramento de condutas como delitivas ou não da atuação do juiz que, como regra, toma os estigmas para definir quem será considerado como o autor do delito.

Os critérios valorativos judiciais, inafastáveis do sistema jurídico-penal, por maior precisão que possuam os tipos penais, são em grande parte influenciados pelos rótulos que se atribuem à pessoa e que, por muitas vezes, ela atendeu, com o objetivo de assumir a posição social para si fixada, portanto, o que faz a instância judicial é fortalecer a etiqueta incidente sobre aquela pessoa.

Melhor explicando:    

Esse processo de criminalizac?a?o de determinadas classes ocorre em dois momentos distintos. Primeiramente, em abstrato, quando o legislador define quais condutas sera?o criminalizadas e passi?veis de punic?a?o, ou seja, operacionaliza-se no momento de “eleic?a?o” dos comportamentos tidos por impro?prios, antissociais. E? a denominada criminalizac?a?o prima?ria. A pro?pria ge?nese do processo legislativo demonstra que a representac?a?o poli?tica e? voltada para os interesses das classes dominantes, de modo que na?o e? o interesse pu?blico alvo de tutela, mas sim, os interesses das classes que financiam as campanhas eleitorais, daqueles que possuem o tra?nsito necessa?rio dentro do Parlamento para construir os lobbies que levam a? aprovac?a?o de determinadas leis e, principalmente, por aqueles que detem o controle dos meios de comunicac?a?o (MARTINI, 2007). Assim, pode-se dizer que o referencial da criminalizac?a?o prima?ria e? a manutenc?a?o do status quo das classes privilegiadas.

Para o presente trabalho, pore?m, ha? mais releva?ncia o processo de criminalizac?a?o secunda?ria, que ocorre junto a?s insta?ncias concretizadoras da poli?tica criminal, como a Poli?cia, o Ministe?rio Pu?blico, o Poder Judicia?rio e a imprensa. De acordo com Orlando Zaccone, a criminalizac?a?o secunda?ria “e? a ac?a?o punitiva exercida sobre as pessoas concretas, que se desenvolve desde a investigac?a?o policial ate? a imposic?a?o e a execuc?a?o de uma pena”.[20]

E? no momento de concretização da norma penal que o viés seletivo do sistema de justiça criminal fica mais evidente, pois, como diz o autor Orlando ZACCONE na?o e? possi?vel ao sistema penal prender, processar e julgar todas as pessoas que realizam as condutas descritas na lei como crime e, por conseguinte, opta entre o caminho da inatividade ou da seleção.[21]

Com o fim de exemplificar o narrado, transcreve-se aresto jurisprudencial proveniente do Superior Tribunal Justiça acerca da aplicação do princípio da insignificância:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL. VALOR INFERIOR A DEZ MIL REAIS. INSIGNIFICÂNCIA. PARÂMETRO: DEZ MIL REAIS. ILEGALIDADE PATENTE. ATIPICIDADE MATERIAL.

RECONHECIMENTO. RECURSO PROVIDO.

1. Em se tratando de crime em que o bem jurídico tutelado é a ordem tributária, a irrisória lesão ao Fisco conduz à própria atipicidade material da conduta. E, definindo o parâmetro de quantia irrisória para fins de aplicação do princípio da insignificância em sede de descaminho, a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia 1.112.748/TO, pacificou o entendimento no sentido de que o valor do tributo elidido a ser considerado é aquele de R$ 10.000,00 (dez mil reais) previsto no artigo 20 da Lei n.º 10.522/02.

2. Em que pese, na espécie, a empreitada criminosa ter sido praticada com reconhecimento da ficção jurídica da continuidade delitiva, tanto na sentença condenatória como no acórdão ora objurgado, a aplicação do princípio da insignificância, nos casos de crimes contra a ordem tributária, deve observar tão somente o valor objetivamente estipulado como parâmetro para a atuação do Estado em matéria de execução fiscal. No caso concreto, aliás, não há notícia nos autos de habitualidade delitiva do ora Recorrente.

3. Recurso provido a fim de afastar a condenação referente à ação penal n.º 0002645-84.1999.8.17.0001, em curso na Vara dos Crimes contra a Administração Pública e Ordem Tributária da Comarca do Recife-PE, ante a manifesta atipicidade material da conduta imputada ao ora Recorrente.[22]

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. – Na hipótese em análise não há como considerar inexpressivo o valor do bem furtado, avaliado em R$149,95 (cento e quarenta e nove reais e noventa e cinco centavos), valor correspondente a mais de 25% do salário mínimo vigente à época do fato. Afastada a ofensividade mínima da conduta, resta impossibilitado o reconhecimento da ocorrência de todos os elementos ensejadores da aplicação do princípio da insignificância. Precedentes. Agravo regimental desprovido.[23]

Dos julgados transcritos acima denota-se a discrepância entre os valores apontados como insignificantes pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, enquanto a sonegação no valor de até R$10.000,00 (dez mil reais), atualmente R$ 20.000, 00 (vinte mil reais), é considerada insignificante e deve ser excluída das possibilidades de penalização, o furto de R$149,95 (cento e quarenta e nove reais e noventa e cinco centavos) é considerado expressivo e submete o acusado a responsabilidade criminal de seus atos, demonstrando mais uma vez a estigmatização através dessa esfera de controle social.

No início desse capítulo nas estatísticas elaboradas pelo Infopen, de acordo com os dados apresentados os crimes de maior incidência seriam os relacionados ao tráfico de drogas e ao patrimônio, no final do gráfico, correspondendo a números bem pouco expressivos encontram-se os crimes “de colarinho branco”.

Essas estatísticas fazem pensar se realmente os números correspondem a realidade do Brasil, pois nas últimas décadas a população foi bombardeada por notícias envolvendo servidores públicos no que tange o desvio de dinheiro público, contanto que a imagem da política brasileira é diretamente ligada à condutas ilícitas, semanalmente são objeto de reportagem esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro, desvio de verbas públicas entre outros delitos, porém não se deve esquecer que segue havendo supra-seletividade, não atingindo sequer remotamente parte importante das pessoas que cometem delitos econômicos, porém é gerada a sensação de que o sistema funciona bem, por punir pessoas de todas as classes, havendo acomodação social em relação a ele.

Macrodelinquência econômica é a que envolve delitos econômicos, financeiros, tributários, previdenciários, ecológicos, imobiliários, lavagens de capitais, evasão de divisas, corrupção política etc. São crimes que causam graves danos sociais, às vítimas concretas ou difusas[24].

Desde SUTHERLAND, a macrodelinquência econômica é chamada de criminalidade de colarinho branco (White-collar crime)[25]. Baseando-se na sua teoria da associação diferencial, SUTHERLAND chegou à conclusão de que a conduta desviada não pode ser imputado a disfunções dos indivíduos pertencentes a classes “baixas”, senão à aprendizagem efetiva dos valores criminais, o que pode ocorrer em qualquer cultura.

O cenário nacional atual traz à tona grandes esquemas de corrupção, onde os líderes, em grande parte, são conhecidos e ocupantes de altos cargos do governo, demonstrando que o crime não está vinculado apenas as classes menos favorecidas, mas que também ocorre e em grande escala, nas camadas mais abastadas da sociedade.

Segundo SUTHERLAND, o crime não é hereditário; não é algo fortuito ou irracional: o crime se aprende mediante o contato com valores, atitudes, definições e pautas de condutas criminais no curso de normais processos de comunicação e interação do indivíduo com seus semelhantes. Criminosos existem em todas as classes sociais. Isso é o que afirma precisamente a teoria da ubiquidade (o crime faz parte de todas as classes: dominantes e dominadas)[26].

Márcia MARTINI assevera que a legislação ordinária e especial é rica em demonstrações de seletividade da normal penal. À guisa de exemplo, tem-se a disparidade entre as penas previstas para os crimes contra o patrimônio público e privado. O crime de roubo é punido muito mais severamente do que o de sonegação fiscal, levando à conclusão de que, para o conjunto a sociedade brasileira, subtrair uma carteira mediante grave ameaça é mais gravoso do que sonegar milhões em impostos, ainda que o roubo de carteira apresente à vítima somente prejuízos materiais, enquanto a sonegação pode ceifar inúmeras vidas, por subtrair recursos que seriam aplicados em políticas públicas.[27]

Verifica-se que os Códigos Penais, sobretudo os do século passado, foram inspirados em uma ideologia de proteção dos interesses econômicos da classe dominante, não na proteção de interesses supraindividuais, que constantemente estão em conflito com os interesses do mundo empresarial[28].

É ingenuo acreditar que a lei é feita em nome de todos e para todos; que é mais prudente reconhecer que ela é feita para alguns e se aplica a outros; que em princípio ela obriga a todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas; que, ao contrário do que acontece com as leis políticas ou civis, sua aplicação não se refere a todos da mesma forma; que nos tribunais não é a sociedade inteira que julga um de seus membros, mas uma categoria social encarregada da ordem sanciona outra fadada à desordem. A lei e a justiça não hesitam em proclamar sua necessária dissimetria de classe.[29]

Por outro lado, a verdadeira função do Direito Penal, hoje e sempre, é conter o poder punitivo. No curso da história, muitas vezes, o Judiciário traiu sua função. Quando isso acontece, os juízes deixam de ser juízes e se tornam policiais “fantasiados” de juízes.[30]

Ocorre que a realidade demonstra pequena preocupação com a contenção do poder punitivo, quando diante das classes marginalizadas, habilitando-se estrutura de punições extremas, justamente porque se o Direito Penal bem cumprir com seu papel, o poder punitivo como mecanismo de reafirmação de estruturas sociais imóveis desaparece e, na medida que isto não pode ser proclamado, a lógica é da seletividade utilitariamente desenvolvida, impedindo que haja redução dos conflitos, retoricamente utilizados para justificar a continuidade do mesmo ciclo de seletividade, impedindo qualquer possibilidade de construção de maior igualdade social.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criminologia crítica realiza uma desconstrução do discurso jurídico sobre os fins da pena e as razões que levariam um sujeito a delinquir. Esse artigo busca apresentar alguns apontamentos sobre a realidade do sistema, demonstrando que este atua de forma seletiva, e que o delito não deve ser considerado uma realidade, mas sim algo construído pelo sistema de justiça criminal (o crime não é a qualidade de um ato, mas sim um ato qualificado como criminoso).[31]

Dessa forma, como o discurso jurídico-penal estrutura-se sobre uma premissa falsa (a de que o delito é uma realidade preexistente ao sistema penal), as consequências dela extraídas também estão equivocadas. Por isso, a necessidade de se construir uma nova forma de se pensar o sistema de justiça criminal.

A seletividade, que hoje se faz altamente presente no sistema penal brasileiro, acaba por deslegitimar as instituições de ordem, bem como as responsáveis pela repressão do crime, ainda, deslegitima o ambiente democrático, já que a democracia legitima-se pelo modo pelo qual ela trata as pessoas que vivem no seu território, conferindo-lhes idênticos direitos fundamentais, inclusive quanto ao seu gozo, proibindo discriminações que não sejam aquelas tidas e conferidas apenas como necessárias à realização do bem comum.[32]

A legitimação jurídico-formal do sistema perde consistência quando se constata que de encontro às aparências e do afirmado até então, a classe mais empoderada, sim, viola a legalidade no exercício da atividade econômica, ainda que não suporte, em termos gerais, os rigores das sanções repressivas previstas em lei.[33]

Ainda foi possível concluir que a seleção se inicia já no ambiente primário, ou seja, as próprias leis são elaboradas de forma a selecionar os seus “infratores”, o poder de polícia e judiciário só fazem reafirmar o estigma atribuído nas classes menos favorecidas. Dessa forma, estamos diante de um Sistema Penal que propugna a injustiça social, estabelecendo quem será sua “clientela” e servindo como legitimador dos interesses das classes dominantes.

Como derradeira observação, a ruptura do ciclo falho de habilitação do poder punitivo pelo Direito Penal, com reconhecimento da sua efetiva função de contenção do poder punitivo, incidente de forma ampla, tem capacidade para frear a reafirmação dos papeis sociais previamente estabelecidos e conduzir a sociedade dentro de processos menos conflitivos e mais e tendentes à maior igualdade.

Adel El Tasse

Camila Siqueira Prendim



[1] BOZZA, Fábio. Teorias da pena: do discurso jurídico à crítica criminológica. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p.123.

[2] AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Seletividade da Norma Penal. Revista IOB de direito penal e processual penal, v. 8, n. 43. P. 57/62. São Paulo: Thomson, 2007.

[3] AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Seletividade da Norma Penal. Revista IOB de direito penal e processual penal, v. 8, n. 43. P. 57/62. São Paulo: Thomson, 2007.

[4] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Rio de Janeiro: Forense. p. 291.

[5] BOZZA, Fábio. Teorias da pena: do discurso jurídico à crítica criminológica. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 129.

[6] PASUKANIS, Eugeny Bronislavovic. A teoria geral do direito e o marxismo. Trdução de Soveral Martins. Coimbra: Perspectiva Jurídica, 1972. p. 202.

[7] BOZZA, Fábio. Teorias da pena: do discurso jurídico à crítica criminológica. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. 134p.

[8] Id. Ibid.

[9] BOZZA, Fábio. Teorias da pena: do discurso jurídico à crítica criminológica. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. P. 145.

[10] Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, atualização – junho de 2017. Disponível em:  http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf. Acesso em 01/10/2019.

[11] Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2017/12/08/em-26-anos-total-de-presos-dispara-700-no-pais-numero-de-vagas-cai.ghtml

[12] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan:, 2011. 175 p.

[13] GIORGI, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006. p. 33.

[14] WACQUANT, Loic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria dos Estados Unidos [ A onda punitiva]. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2003. 3 ed rev e ampl, agosto de 2007. p. 126.

[15] RONDON FILHO, Edson Benedito. Polícia e minorias: Estigmatização, desvio e discriminação. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, v. 6, pp. 269-293, junho de 2013.

[16] NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem. Anais XXXI Congresso Internacional dos Americanistas. São Paulo, Vol, I.

[17] RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. Companhia das letras: São Paulo.

[18] Cf. Id. Ibid.

[19] Id. Ibid.

[20] SOUZA, Kelly Ribeiro Felix de. PINHEIRO, Laíze Gabriela Benevides. A seletividade do sistema penal como instrument de controle social: uma análise a partir do caso Rafael Braga Vieira. Disponível em:  http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=12616f69e1fed7ea. Acesso em: 10/09/2019.

[21] ZACCONE, Orlando. O sistema penal e seletividade punitiva no tráfico de drogas ilíctas. Revista Discursos Sediciosos – Crime, Direito e Sociedade, ano 9, v.14, 2004.

[22] RHC 77511/PE. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2016/0277071-1. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Publicado em 22/11/2016.

[23] AgRg no Resp 1413795 MG 2013/0357601-6 (STJ). Data da publicação: 25/02/2015.

[24] GOMES, Luiz Flavio, A impunidade da macrodelinquência econômica desde a perspectiva criminological da teoria da aprendizagem. 231 a 251. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 100 – abril de 2011 – vol. 906.

[25]SUTHERLAND, Edwin H. White collar criminality. American Sociological Review. Washington: American Sociological Review, 1940.

[26] GOMES, Luiz Flavio, A impunidade da macrodelinquência econômica desde a perspectiva criminological da teoria da aprendizagem. 231 a 251. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 100 – abril de 2011 – vol. 906.

[27] MARTINI, Márcia. A seletividade punitiva como instrumento de controle das classes perigosas. Disponível em: http: aplicacao.mp.mg.gov.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/650/3.4.1%20A%seletividade%20punitiva Acesso em:05/11/2015/

[28] GOMES, Luiz Flavio, A impunidade da macrodelinquência econômica desde a perspectiva criminological da teoria da aprendizagem. 231 a 251. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 100 – abril de 2011 – vol. 906.

[29] FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir. 36 ed. Petrópolis: Vozes, 2009.p. 22.

[30] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Desafios do direito penal na era da globalização, cidadania e justice. Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, Rio de Janeiro, ano 2, n. 5, 1998.

[31] BOZZA, Fábio. Teorias da pena: do discurso jurídico à crítica criminológica. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. P. 18.

[32] CONTRUCCI, José Roald. A seletividade do sistema penal no estado democrático brasileiro: uma afronta ao princípio da igualdade, 2010.

Disponível em: seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/download/166/166 / Acesso em: 02/12/2015.

[33] BERGALLI, Roberto. O pensamento criminológico II: estado e controle / Roberto Bergalli; tradução Roberta Duboc Pedrinha, Sergio Chastinet Duarte Guimarães. Rio de Janeiro: Revan, 2015. p. 48.

Como citar e referenciar este artigo:
TASSE, Adel El; PRENDIM, Camila Siqueira. O direito penal repressivo e sua utilidade na manutenção da desigualdade social. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/o-direito-penal-repressivo-e-sua-utilidade-na-manutencao-da-desigualdade-social/ Acesso em: 22 nov. 2024