Direito Penal

Não à Redução da Idade Penal

Não à Redução da Idade Penal

 

João Batista Costa Saraiva

 

 

Em diversas pesquisas manifesta-se a opinião pública favorável à redução da idade penal.

 

Em verdade, da forma como o questionamento é formulado, o assustado cidadão brasileiro parece não possuir outra alternativa, na medida em que se sugere como alternativa ao questionamento a “impunidade dos menores”.

 

A indução a este equívoco coletivo resulta da desconfortável sensação de impunidade do adolescente, reforçada pelos opositores do ECA e por alguns pretensos “defensores da infância”. Confunde-se inimputabilidade penal com impunidade. Os defensores do Direito Penal Máximo invocam a redução da idade penal como a panacéia que irá redimir a Nação. Em outro extremo há o grupo da “sacralização do Estatuto”, sustentando sua intocabilidade. Neste grupo, além de muitos bem intencionados, estão  atuantes “neo-menoristas”,  pela “proteção de menores” e não proteção de direitos e construção de cidadania; além dos abolicionistas, para quem, o direito penal faliu.

 

O Estatuto se organiza em três eixos: universal, para todas as crianças e adolescentes brasileiros, de políticas públicas (art. 4º}; protetivo, que alcança crianças e adolescentes vitimizados (art. 101), e socioeducativo, aos adolescentes vitimizadores (art. 112), onde estabelece um modelo de responsabilidade juvenil. Este é fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo, de cunho garantista, prevendo sanções, inclusive privativas de liberdade, de natureza retributiva em sua concepção, e nesse caso com caráter de penalidade; e finalidade pedagógica, a ser construída nos programas de execução dessas sanções

 

Atribui-se a Jorge Luiz Borges a expressão: “texto acabado, ou é uma afirmativa religiosa, ou uma afirmativa preguiçosa”.

 

O Estatuto pode e precisa ser melhorado. Não pode ser deformado.

 

Há necessidade de efetivação plena dos sistemas de garantia que  preconiza, especialmente a rede de proteção. Necessário o aprimoramento dos Conselhos Tutelares. Há uma série de providências inadiáveis. De outro lado, especialmente nos chamados delitos de menor potencial ofensivo, desde o advento da Lei dos Juizados Especiais Penais, destinada aos adultos, o Estatuto reserva hoje um sistema de resposta mais gravoso ao adolescente do que aquele, o que tem que ser revisto, além de inconstitucional. Há necessidade de reforçar o sistema de garantias processuais e tratar, por exemplo, da prescrição, reconhecida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, e de regras de execução. É urgente a plena efetivação de programas de medida socioeducativa em meio aberto, em articulação com os Municípios e Organizações Não-Governamentais.

 

De outro lado, possível cogitar em uma situação de maior severidade da lei  para certos e determinados casos, dentro do sistema socioeducativo. Há situações onde os três anos máximos de internação podem não ser bastante.

 

O Estatuto construiu um sistema penal juvenil. A questão é que muitos menoristas continuam com o discurso do coitadismo (e não da proteção integral de direitos) e fazem crer que com “menor não dá nada”. A turma do “prende e arrebenta”, por seu turno, quer pena de morte.

 

È possível que para certos de determinados tipos penais a resposta que o Estatuto da Criança e do Adolescente oferece, enquanto modelo de responsabilização, possa não estar sendo bastante. O limite máximo de privação de liberdade fixado em três anos pode não ser suficiente em algumas situações pontuais, onde se faz razoável a ampliação desse limite e construção de um modelo de jovem-adulto, como na Alemanha e Espanha, por exemplo.

 

Na Alemanha o tempo máximo de privação de liberdade é de dez anos e a responsabilidade penal juvenil, que no Brasil se dá aos 12 anos, lá se estabelece a partir dos 14 anos. O Chile modificou sua legislação para um lmite de cinco anos, na Col^^ombia há duas faixas limites a partir dos 14 anos, com um máximo de oito anos de privação de liberdade. A Costa Rica prevê hipóteses de até quinze anos, o que contraria a disposição da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança que estabelece o princípio da brevidade como norteador do sistema de privação de liberdade de pessoas com menos de 18 anos. O Estatuto é a versão brasileira da Convenção.

 

            Assim, o tema do adolescente deve ser analisado em seu foco, sem ressuscitar a discussão de discernimento, abandonada em 1922 por servir apenas para prender os pobres e soltar os ricos.

 

O tempo na adolescência tem uma dimensão diversa do adulto e disso não se pode perder de vista. Além do mais, no século XXI, se verá, adolescência se estenderá até os trinta anos. O que necessitamos é dar eficácia, com algumas correções, no sistema penal juvenil que temos.

 

O que não se pode admitir é esta simplória e inconstitucional pretensão de incluir o adolescente no sistema adulto. Resulta isso da ignorância que o Estatuto da Criança e do Adolescente  contém um modelo de direito penal juvenil,  também  um mecanismo de defesa social .

Falar em redução de idade penal se faz um desserviço à sociedade e ao reclamo de segurança que brada. Comparar-nos com os EUA, situação que pode ser muito útil em vários aspectos, exige que tenhamos consciência de nossas diferenças culturais, lembrando que aquele País e a  Somália são as únicas Nações que não ratificaram os termos da Convenção. Do contrário se corre o risco de botar os pés pelas mãos, afinal lá, futebol é um jogo que se joga com as mãos. 

 

Tabela de imputabilidade

 

País

Idade de responsabilização juvenil

Idade de maioridade penal

Limite de idade de aplicação do direito penal juvenil a jovens adultos

Idade de Maioridade Civil

Alemanha

14

18

21

18

Áustria

14

19

21

19

Bélgica

18

18

 

18

Bulgária

14

18

 

 

Croácia

14

18

 

 

Dinamarca

15

18

 

18

Escócia

8

16

21

18

Eslováquia

15

18

 

 

Eslovênia

14

18

 

 

Espanha

14

18

21

18

Estônia

13

17

20

 

Finlândia

15

18

 

18

França

13

18

21

18

Geórgia

14

18

 

 

Grécia

13

18

21

18

Holanda

12

18

 

18

Hungria

14

18

 

 

Inglaterra/Gales

10

18

21

18

Irlanda

12

18

 

18

Itália

14

18

 

18

Lituânia

14

18

 

 

Noruega

15

18

 

18

Portugal

16

21

 

18

R. Checa

15

18

 

 

Romênia

14

18

 

 

Suécia

15

18

 

18

Suíça

7

18

25

20

Turquia

11

18

20

18

 

           

Fonte: VÁZQUEZ GONZÁLEZ, Carlos. Derecho Penal Juvenil Europeo. Madrid: Dykinson, 2005, p. 420.

 

 

BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

 

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Como citar e referenciar este artigo:
SARAIVA, João Batista Costa. Não à Redução da Idade Penal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/nao-a-reducao-da-idade-penal/ Acesso em: 20 mar. 2025