Direito Penal

Mandado de Segurança Impetrado pelo Ministério Público Militar do Estado do Espírito Santo.

 

 

O Ministério Público Militar do Estado do Espírito Santo impetrou Mandado de Segurança, defendendo a tese que a condição de militar não retira de quem dela se investiu os direitos representados pelos objetivos fundamentais que se propõe a República Brasileira. De igual modo, lhe devem ser reconhecidos sem descontos, os direitos e garantias fundamentais assegurados também pela Constituição Federal. Por tais motivos e ainda por outros que deles decorrem, aplicam-se na Justiça Militar os ditames da Lei dos Juizados Especias.

 

Exmº Sr. Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR, por sua Representante  junto à Auditoria Militar e que este subscreve, na forma do inc.  LXIX do art. 5º da Constituição Federal, vem com o devido acatamento à presença de V. Exª,  impetrar

<span style=font-family:”Times New Roman”;font-style:normal>MANDADO DE SEGURANÇA PENAL<span style=font-size:8.0pt;font-family:”Times New Roman”; font-weight:normal;font-style:normal>[1]

 

face o  JUIZ DE DIREITO AUDITOR,  titular em exercício na mesma Auditoria Militar, Juízo de Vitória, Comarca da Capital do Estado do Espírito Santo, mediante o que segue:

 

A Carta Magna Brasileira desde sempre consigna em suas disposições, entre as que o faz  de forma pétrea,  “que todos são iguais perante a lei”. Com muita propriedade o ainda insubstituído na detenção do título de “o maior jurisconsulto brasileiro”, o imortal Rui Barbosa,  explicou em oportunidade necessária que tal regra seria bem aplicada, mediante o bom discernimento de que consistiria em tratar desigualmente os desiguais.

 

A observação é lembrada, apenas a título de modesta demonstração de que se atina com ela.

 

O preceito integra o título dos DIREITOS e GARANTIAS e entre eles os que são considerados FUNDAMENTAIS no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos onde vieram a se abrigar galhardamente os direitos sociais de todo cidadão que vive neste país, como textualmente expresso no

 

<span style=font-size:10.0pt; font-family:”Courier New”>Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

 

Universalmente, se reconhece como a maior expressão da democracia onde se exerce potencialmente, antes, a cidadania.

 

Destes direitos fundamentais muito tem sido dito. Por exemplo, de seus primórdios é comentado:

 

“<span style=font-size:10.0pt;font-family:”Courier New”>A recepção dos direitos individuais no ordenamento jurídico pressupõe o percurso de longa trajetória, que mergulha suas raízes no pensamento e na arquitetura política do mundo helênico, trajetória que prosseguiu vacilante na Roma imperial e republicana, para retomar seu vigor nas idéias que alimentaram o Cristianismo emergente, os teólogos medievais, o Protestantismo, o Renascimento e, afinal, corporificar-se na brilhante floração das idéias políticas e filosóficas das correntes do pensamento dos séculos XVII e XVIII. Nesse conjunto temos fontes espirituais e ideológicas da concepção, que afirma a precedência dos direitos individuais inatos, naturais, imprescritíveis e inalienáveis do homem” (Raul Machado Horta [2]).

 

O processo de materialização dos Direitos Fundamentais se inicia na Inglaterra e marca o início da derrocada da monarquia absoluta que irá ceder lugar a um novo tipo de Estado: O Estado Liberal.

 

 O Professor Pinto Ferreira ensina que a origem das Constituições na história européia remonta às lutas travadas entre a monarquia absoluta e a nobreza latifundiária na Inglaterra. O primeiro dos atos legislativos que demarca a passagem da Monarquia Absoluta para a Monarquia Constitucional é o que se concretizou no Assise de Clarendon em 1166. Entretanto, o grande marco desta transição será a Magna Carta de 1215, derivada do conflito entre o Rei João e os barões. Após este texto novas limitações ao poder absoluto foram feitas, garantindo-se aos indivíduos certos Direitos Fundamentais. (G.n.) Desta forma teremos em 1629 o Petition of Rights, o Habeas Corpus Act de 1679 e principalmente o Bill of Rights de 1.689[3]

 

Os Direitos Fundamentais serão reafirmados pela declaração de independência dos Estados Unidos e pela Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, na França. Estes direitos consagrados pela declaração de 1789 vão constar dos textos constitucionais franceses de 1791, 1793, 1795, 1799, 1802, 1804, 1814 e 1830.[4]

 

Para Maurice Duverger, o Liberalismo Político está resumido no artigo 1º na declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789:  “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.

 

As auditorias militares previstas para julgar militares no contexto como dos novos tempos,  se caracterizam como verdadeiros “tribunais de exceção” pelo que devem ser extintas. Pensadas como privilégio em favor do militar, hoje criam desigualdade em desfavor deles. E é preciso não só reiterar o propósito mas consolidar neste país-continente as condições que permitam o reconhecimento e o respeito da dignidade inerente à pessoa humana e assegurem o exercício pleno das suas liberdades e direitos fundamentais.

 

Em parte, o erro já foi suavizado, já que por força constitucional é de competência do tribunal do júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e lá, os policiais que nele incorrem estão sendo julgados.

 

Juizados especiais

 

O caos do congestionamento a que chegou a Justiça Brasileira, apontou para uma prestação jurisdicional mais célere, com rito mais moderno e sobretudo eficaz,  representado pela criação dos juizados especiais criminais. De fato, demonstram a que vieram, mediante, acrescente-se,  satisfação mais profícua da reparação pelo dano causado, máxime, na possibilidade representada pela indenização reparadora em favor da vítima.

 

Criou divergências entre os que entendiam corretamente por sua aplicabilidade na justiça militar e entre os que discordavam. Até que  pela Lei 9.839 de 27 de setembro 1999, foi acrescentado à originária,  lei 9.099/95, o artigo  90-A que determina(ra):  -“ As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”.

 

Flagrantemente inconstitucional, mas ninguém alegou isto e mesmo sem ser desiguais, um policial de um outro cidadão como ele comum,  o crime militar seja qual for sua repercussão, proporção ou intensidade  em culpa ou dolo, continua tendo o mesmo rito e sobretudo não penalizando convincentemente, ou diretamente não penalizando.

 

Entretanto, eis que recentemente entrou em vigor, a Lei dos Juizados Especiais Federais, LEI N.º 10.259, de 16 de julho de 2001, baseada na experiência da que criou a dos juizados estaduais e respaldada na eficiência e aproveitamento verificados com a sua prática.

 

Em todo o seu teor, não se verifica nenhuma restrição, quanto ao ser aplicada ou não à justiça militar, pelo que fica bem claro: aplica-se à justiça militar.

 

Tal assertiva é principalmente autorizada pelo que se lê no artigo segundo.

 

<span style=font-size:10.0pt;font-family:”Courier New”>Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

 

<span style=font-size:10.0pt;font-family: “Courier New”>Parágrafo único<span style=font-size:10.0pt; font-family:”Courier New”>. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

 

 Dever-se-ia corrigir a expressão menor potencial ofensivo, mas é o que está escrito e como tal referendado, já que, ofensa não se mede, nem se pesa, quanto menos pode ser estimada pela durabilidade em anos da respectiva pena que lhe é cominada.

 

É hora, aliás, já passou, de submeter militares à eficácia que resulta do ato da conciliação prévia, quando muitas vezes, um pedido de desculpas pode bastar para reparação de um mal causado.

 

É preciso cessar a repetição demonstrada pelos juízes militares, quando se mostram compassivos com o réu, quem sabe por se espelharem em situação idêntica vivida em qualquer oportunidade pessoalmente.

 

Não dá para continuar constituindo pura e simplesmente em árbitro, alguém que para tanto não foi preparado e que por isto mesmo,  muitas vezes se limita, na votação ou em outra oportunidade, quando consultado pelo auditor, responder ao mesmo e da resposta constituir seu voto: “CONCORDO COM O SENHOR”.

 

Vontade inequívoca da Constituição Federal

 

Sobretudo,  ou  acima de qualquer argumento,  importa que não se olvide a Carta Magna deste país:

 

Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

 

<span style=font-size:10.0pt;font-family:”Courier New”>IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

Nem se duvide que a lei tal e qual redigida deve ser aplicada sob a jurisdição militar, como em qualquer Comarca do interior de varas únicas é aplicada, como se de um juizado especial se tratasse, já que  a mesma Carta prevê:

 

Art. 124 – À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

 

Da via escolhida para dirimir o impasse:

 

<span style=font-size:10.0pt;font-family:”Courier New”>LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; (CF art 5º).

 

“<span style=font-size:10.0pt;font-family:”Courier New”>Cabe o mandado de segurança quando se trate de direito translúcido, evidente, acima de toda dúvida razoável, apurável de plano, sem detido exame, nem laboriosas cogitações”…

 

“<span style=font-size:10.0pt;font-family:”Courier New”>Direito líquido e certo é aquele contra o qual se não podem opor motivos ponderáveis, e, sim, meras e vagas alegações, cuja improcedência o magistrado logra reconhecer imediatamente sem necessidade de exame demorado, pesquisas difíceis; por outras palavras, é o que nenhum jurista de mediana cultura contestaria de boa fé e desinteressadamente” (5. ed., vol. III, Freitas Bastos, 1954, pp.146 e seg.).

 

<span style=font-size:12.0pt;font-family:”Times New Roman”; font-style:normal>Da razão deste MS

 

Não obstante as razões expostas e os princípios constitucionais esposados, o Impetrado negou seguimento pelo rito dos juizados especiais ao que consta do IPM 02410148062  em que PM  J F no mesmo qualificado, é  acusado de uma conduta enquadrada entre as que se configuram como de menor potencial ofensivo.

 

O Ministério Público discorda e cônscio de suas atribuições precisa respaldar sua recusa em oferecer denúncia como sempre foi feito em ocorrências semelhantes, para que se deflagre ação penal até por sua contumaz ineficácia, reiteradamente comprovada, por motivos aqui citados e nada menos que  universalmente conhecidos.

 

            

 

Isto posto, impetrando o presente,  requer que seja liminarmente concedida a ordem, no sentido de que passe a ser adotado na Auditoria Militar do Espírito Santo, a lei dos juizados especiais muito mais eficientes na consecução da pretensão do Estado em reconduzir os desviados das sendas do direito e da justiça, além de assegurar à vítima retribuição e até satisfação em virtude de eventual mal que lhe tenha sido causado.

 

Em seguida, requer que seja notificado o mesmo Impetrado, para apresentar, querendo, as informações de estilo e ouvido o Procurador de Justiça a quem competir, posto em julgamento,  seja concedida definitivamente a  segurança pretendida, como expressão e forma de se fazer a mis lídima  JUSTIÇA.

 

Dá a causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

N. termos

 

P. deferimento

Vitória, 10 de abril de 2002

 

Marlusse Pestana Daher

 

1ª Promotora de Justiça Militar

Notas de rodapé da autora e referências bibliográficas

 

[1]Recursos paralelos tiveram as mesmas razões como forma de buscar o fim postulado.

 

[2]MACHADO HORTA, Raul. “Constituição e Direitos Individuais”, Separata da Revista de Informação Legislativa. a. 20 n.- 79, Julho/Set., 1.983, p. 147-148.

 

3]FERREIRA, Luis Pinto. Princípios Gerais de Direito Constitucional Moderno, 6ª edição ampl. e atualizada. São Paulo, Saraiva, 1983, p. 57.

 

[4]A. ESMEIN. Elements de Droit Constitutionnel Français et Comparé, ob. cit., p. 559.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. Mandado de Segurança Impetrado pelo Ministério Público Militar do Estado do Espírito Santo.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/mandado-de-seguranca-impetrado-pelo-ministerio-publico-militar-do-estado-do-espirito-santo/ Acesso em: 27 dez. 2024