O artigo 1º inciso VII da Lei nº 9.613/98 estabeleceu que está sujeito a uma pena de
Há autores que enxergam inconstitucionalidade neste dispositivo, sob o argumento de violação do princípio da legalidade, já que não existe, na lei, definição de organização criminosa. Sem razão, entretanto.
É evidente que o tratamento técnico-jurídico do fenômeno das organizações criminosas apresenta um problema porque impõe previsões normativas diferenciadas para que possam abranger ‘fatispécie’ não homogêneo, mas ao mesmo tempo capaz de compreender entre eles características bastante semelhantes.
Doutrinadores europeus, em maioria esmagadora, conscientes da situação, mas encarando a problemática preferem exatamente não definir “organização criminosa”. Não há definição nas legislações da Alemanha, Áustria, Reino Unido, E.U.A. e outros. Nem por isso deixam de estabelecer tipificações e punições às organizações criminosas que praticam crime de lavagem de dinheiro. As previsões em suas legislações são semelhantes à brasileira, e não há alegações de violação do princípio da legalidade, exatamente porque é possível entender e constatar a sua existência a partir de elementos característicos e das condutas criminosas, em especial a partir do “modus operandi”.
No caso do sistema penal italiano, criou-se uma definição no artigo 416-bis do Código Penal, que contempla o crime de associação de tipo mafioso, mas que certamente não exaure todas as formas de organizações criminosas, mesmo as constatadas como existentes na Itália, restringindo-se, entretanto, ao que diz respeito às figuras de organizações criminosas (mafiosas) as tidas como mais importantes.
Analogamente, na Espanha, observando a agressão que passou a ser mais intensa a partir das ações dos grupos terroristas – GRAPO, alguns de extrema direita e principalmente a “Banda Terrorista ETA”, o legislador espanhol optou por criar um dispositivo penal que pune o “pertencer”, de qualquer forma à uma organização terrorista. Considera-se, por assim dizer, o “terrorismo”, como uma espécie do gênero “organização criminosa”. Tampouco há definição que possa abranger todas as “organizações criminosas”. A seção que trata dos crimes de terrorismo no Código Penal Espanhol encontra-se inserido no âmbito do título “dos crimes contra a ordem pública”.
Nesta esteira de raciocínio, podemos considerar, sem medo de errar, que o legislador brasileiro agiu corretamente quando estabeleceu no inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98 tão somente a expressão: “Praticado por Organização Criminosa”. Observe-se que o dispositivo estabelece punição a “crime”, praticado por organização criminosa, (corrupção, tráfico de entorpecentes, de armas etc.) e não à própria existência da organização criminosa, decorrendo, desde logo, destruição da alegação de violação do princípio da legalidade – já que os tais “crimes” certamente são aqueles pré definidos na legislação penal.
Não se pode engessar este conceito, restringindo-o a esta ou àquela infração penal, pois elas, as Organizações Criminosas, detém incrível poder variante. Elas podem alternar as suas atividades criminosas, buscando aquela atividade que se torne mais lucrativa, para tentar escapar da persecução criminal ou para acompanhar a evolução mundial tecnológica e com tal rapidez, que quando o legislador pretender alterar a Lei para amoldá-la à realidade – aos anseios da sociedade, já estará alguns anos em atraso. E assim ocorrerá sucessivamente. Ademais, variam conforme a realidade sócio cultural e econômica e se aproveitam das deficiências do Estado. Em um País de dimensões continentais e tanta variação econômico-cultural, não me parece possível e nem ao menos razoável buscar definição legal que possa abranger todas as suas características. Imagine-se quantos serão os argumentos dos Advogados nos Tribunais, sustentando que o(s) seu(s) cliente(s) não podem ser punidos porque “a sua conduta não se amolda perfeitamente aos elementos do (eventual) tipo penal que defina “organização criminosa”. Serão argumentos de pequenos detalhes que poderão gerar enxurradas de habeas corpus, e os Tribunais jamais lograrão uniformização de jurisprudência. Qualquer conceito que procure se prestar à exatidão será demasiadamente justo ou excessivamente amplo. Nunca haverá consenso. Para quem discorda, fica o desafio: Defina “Organização Criminosa”.
Não obstante, para efeito de “caracterização” que se presta a tornar o entendimento mais homogêneo, a ONU estabeleceu, na Convenção de Palermo, na Itália, em
Tratando-se de Convenção Internacional, subscreveram os Países interessados, entre eles o Brasil. Mas são apenas diretrizes, e não definição. Ratificou-se então o entendimento, através da ONU, que torna-se possível entender e enxergar a existência de organização criminosa, sem necessidade de defini-la na legislação.
Assim sendo, voltando à Lei de Lavagem de dinheiro, qualquer das condutas de ocultação ou dissimulação de bens direitos ou valores, obtidos de anterior conduta criminosa praticada por uma Organização Criminosa está sujeita à punição de reclusão de três a dez anos e multa.
O dispositivo abrange, destarte, todos os crimes praticados por uma Organização Criminosa. Não fosse assim, não haveria qualquer aplicabilidade da Lei 9.613/98 aos famosos casos de Organizações que roubam carros (para desmanche ou revenda) ou cargas, fazem a receptação; praticam invariavelmente crimes diversos de sonegação fiscal; crimes estes dos mais evidentes na realidade do nosso País. Enquanto os seis incisos anteriores indicaram determinados crimes, este inciso VII quis estabelecer que “qualquer crime” – praticado por Organização Criminosa será passível de punição. O que significa que deve-se partir do raciocínio inverso, ou seja: Uma vez detectada a Organização Criminosa, será passível de punição a ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores obtidos em decorrência de qualquer crime por ela praticado.
* Marcelo Batlouni Mendroni, Promotor de Justiça/SP do GAECO – Doutor em Direito Processual pela Universidad Complutense de Madrid