Direito Penal

Criminalidade e diagnóstico

Criminalidade e diagnóstico

 

 

Lélio Braga Calhau*

 

 

A publicação dos últimos índices de criminalidade alertou o Poder Público que algo não vai bem no controle dos crimes. O Governo Estadual anuncia investimentos e novas medidas com o intuito refrear os novos índices de criminalidade, que agora passou a se interiorizar. É patente que esse aumento da criminalidade não pode ser creditado exclusivamente aos últimos governos estaduais.

 

Em verdade, o aumento de índices de criminalidade está recrudescendo por conta da falta de visão (e ação) no tema dos últimos vinte anos de Administração Federal. A responsabilidade desse aumento pode ser creditada em grande parte à omissão da União, responsável também constitucionalmente pela legislação penal, que nunca se esforçou efetivamente em discutir e tentar implantar uma política criminal concreta e séria no país. O governo estadual tem se desdobrado em resolver o que está dentro de sua possibilidade. Todavia, em relação ao diagnóstico da situação atual por que passamos, ouso divergir sobre a mecânica de avaliação da criminalidade em Minas Gerais.

 

O governo mineiro tem dado muita ênfase nas estatísticas oficiais de criminalidade, as quais têm o seu valor como mecanismo de acompanhamento do fenômeno criminal, mas que, em alguns casos, como os crimes de pequeno e médio potencial ofensivo (ex: furtos, violência doméstica etc), são incapazes de espelhar a criminalidade real. Essa ênfase na criminalidade oficial não é privativa de Minas Gerais. É também seguida por grande parte das outras administrações estaduais, que ficam suas ações de controle da criminalidade quase que exclusivamente nas estatísticas oficiais coletadas pelas polícias.

 

A criminalidade real é um fenômeno altamente complexo e de difícil mensuração, sendo que podemos chegar a uma aproximação de sua realidade, mas nunca teremos certeza de como a mesma se apresenta concretamente. A criminalidade real é a soma da criminalidade oficial com as chamadas cifras negras (crimes que não chegam ao conhecimento do Estado ou porque as vítimas não querem comunicar ou que o próprio Estado não toma conhecimento).

 

Essas cifras negras apontam, em alguns casos, índices de 70% de não comunicação das vítimas em casos de crimes menos graves, como os furtos. O fato de não terem sido comunicados á polícia, não significa que o Poder Público pode deixar de levá-los em consideração quando da análise das medidas a serem adotadas. Eles existem mesmo não estando nos registros policiais e isso é uma realidade criminológica incontestável. Para que possamos diagnosticar prudentemente o grau da criminalidade a ser realmente enfrentado, temos de levar em conta a existência desses crimes que não estão registrados no aparato estatístico oficial, fato que é relativamente desconsiderado pelo Poder Público, o qual vem reagindo somente com respostas baseadas nas estatísticas oficiais.

 

 Nesse contexto, há de se realizar outros procedimentos sugeridos pela moderna Criminologia para a busca de uma aproximação do sentido real da criminalidade, sendo que o mais importante, ao meu ver, no momento, são as pesquisas de vitimização nas cidades mineiras com mais de duzentos mil habitantes, tal como foi realizada em 2002 na capital mineira em cerca de 4.000 domicílios, quando foram indagadas às pessoas, sob o seu ponto de vista, informações sobre as ocorrências, agressores, forma de ação dos criminosos, percepção dos problemas da segurança pública, ação da polícia etc. O criminólogo espanhol García-Pablos de Molina ensina que as pesquisas de vitimização permitem avaliar cientificamente a criminalidade real, constituindo a técnica mais adequada para quantificá-la e identificar suas variáveis. Contribuem, também, para o cálculo da taxa dos delitos noticiados á autoridade (teste de responsabilização do cidadão e de sua confiança no sistema legal), assim como para verificação da efetividade do sistema.

 

Com o resultado das pesquisas de vitimização das principais cidades do interior, aliado aos índices oficiais, pode sim, o Poder Público diagnosticar a situação da interiorização do aumento da criminalidade, com uma aproximação mais segura da realidade criminal e tomar medidas gerenciais com maior eficiência, porquanto a criminalidade não registrada (representada pelas cifras negras) não pode ser esquecida na análise da realidade da violência, porquanto o fato de não estarem expressas em relatórios policiais, não significa que o cidadão comum não a está enfrentando no seu dia-a-dia, e para essas situações não registradas, o povo também quer uma resposta do Poder Público.

 

 

* Criminólogo. Professor de Direito Penal da UNIVALE – Universidade do Vale do Rio Doce. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ).

 

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Como citar e referenciar este artigo:
CALHAU, Lélio Braga. Criminalidade e diagnóstico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/criminalidade-e-diagnostico/ Acesso em: 17 mar. 2025