Resumo: O vertente artigo tem como escopo analisar o conceito analítico-dogmático do instituto denominado concurso de pessoas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Definição. 2.1. Pluralidade de agentes e de condutas. 2.2. Relevância causal de cada conduta. 2.3. Liame subjetivo ou normativo entre as pessoas. 2.4. Identidade de infração penal.
Palavras-Chaves: Dogmática Penal; Teoria do Delito; Concurso de Pessoas.
1. INTRODUÇÃO.
O concurso de pessoas, também denominado de concurso de agentes, concurso de delinqüentes (concursus delinquentium) ou co-delinqüência, implica na concorrência de duas ou mais pessoas para o cometimento de um ilícito penal.
Há quem denomine, ainda, o concurso de pessoas de co-autoria ou co-participação. Ocorre, no entanto, que essas expressões não são propriamente sinônimos de concurso de pessoas, mas sim espécies deste último, que abrange tanto a autoria quanto a participação.
Aliás, esse foi o entendimento da própria comissão reformadora da parte geral do Código Penal, conforme pode se ver do item 25 da exposição de motivos: “Ao reformular o Título IV, adotou-se a denominação ‘Do Concurso de Pessoas’ decerto mais abrangente, já que a co-autoria não esgota as hipóteses de concursus delinquentium”.
Não há que se confundir o concursus delinquentium (concurso de pessoas) com o concursus delictorum (concurso de crimes) nem tampouco com o concursus normarum (concurso de normas penais). São três institutos penais totalmente distintos, muito embora possam vir a se relacionar.
2. DEFINIÇÃO.
O Código Penal Brasileiro não traz exatamente uma definição de concurso de pessoas, afirmando apenas no caput do art. 29 que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
O diploma penal pátrio dispõe, ainda, que “se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço” (art. 29, § 1º), bem como que “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave” (art. 29, § 2º).
Em nível doutrinário, tem-se definido o concurso de agentes como a reunião de duas ou mais pessoas, de forma consciente e voluntária, concorrendo ou colaborando para o cometimento de certa infração penal.
Deveras, é possível extrair pelo menos 4 (quatro) elementos básicos do conceito de concurso de pessoas, quais sejam:
a) pluralidade de agentes e de condutas;
b) relevância causal de cada conduta;
c) liame subjetivo ou normativo entre as pessoas;
d) identidade de infração penal.
Caso inexista qualquer desses requisitos não há que se falar em concurso de pessoas.
3.1. Pluralidade de agentes e de condutas.
A própria idéia de concurso é de pluralidade, portanto impossível falar em concurso de pessoas sem que exista coletividade (dois ou mais) de agentes e, conseqüentemente, de condutas.
Note-se, entretanto, que é necessário, até pelo primado maior da culpabilidade (isto é, da responsabilização das pessoas “na medida de sua culpabilidade”), que se diferencie o autor do mero partícipe.
3.2. Relevância causal de cada conduta.
Não basta a multiplicidade de agentes e condutas para que se tenha configurado o concurso de pessoas; necessário se faz que em meio a todas essas condutas seja possível vislumbrar nexo de causalidade entre elas e o resultado ocorrido. Diz-se, nesse sentido, que a conduta de cada autor ou partícipe deve concorrer objetivamente (ou seja, sob o ponto de vista causal) para a produção do resultado. Ou, ainda, que cada ação ou omissão humana (conduta) deve gozar de importância (relevância), à luz do encadeamento causal de eventos, para a verificação daquele crime, contribuindo objetivamente para tanto.
Desse modo, condutas irrelevantes ou insignificantes para a existência do crime são desprezadas, não constituindo sequer participação criminosa; deve-se concluir, nesses casos, pela não concorrência do sujeito para a prática delitiva. Isso, porque, a participação exige mínimo de eficácia causal à realização da conduta típica criminosa.
3.3. Liame subjetivo ou normativo entre as pessoas.
Necessário, também, que exista vínculo psicológico ou normativo entre os diversos “atores criminosos”, de maneira a fornecer uma idéia de todo, isto é, de unidade na empreitada delitiva. Exige-se, por conseguinte, que o sujeito manifeste, com a sua conduta, consciência e vontade de atuar em obra delitiva comum.
“Nos crimes dolosos, os participantes devem atuar com vontade homogênea, no sentido de todos visarem a realização do mesmo tipo penal. A esse fenômeno dá-se o nome de princípio da convergência”.[1] Neste ponto, é preciso explicar que a exigência de liame ou vínculo subjetivo não significa a necessidade de ajuste prévio (pactum sceleris) entre os delinqüentes. Não se exige conluio, bastando que um agente adira à vontade do outro.
Forçosa é a conclusão de Rogério Greco, ao afirmar que “se não se conseguir vislumbrar o liame subjetivo entre os agentes (crimes dolosos), cada qual responderá, isoladamente, por sua conduta”. Exemplifica o autor: “No caso clássico
– “Se dissermos que A e B agiram unidos pelo liame subjetivo, não importará saber, a fim de condená-los pelo crime de homicídio, qual deles, efetivamente, conseguiu acertar a vítima, causando-lhe a morte. Aqui, o liame subjetivo fará com que ambos respondam pelo homicídio consumado”;
– “Agora, se chegarmos à conclusão de que os agentes não atuaram unidos pelo vínculo subjetivo, cada qual deverá responder pela sua conduta. No caso em exame, não sabemos quem foi o autor do resultado morte. A dúvida, portanto, deverá beneficiar os agentes, uma vez que um deles não conseguiu alcançar o resultado morte, praticando, assim, uma tentativa de homicídio. Dessa forma, ambos deverão responder pelo crime de homicídio tentado”.[2]
Frise-se que ausente o liame subjetivo entre os agentes de crime doloso não há falar em concurso de pessoas; pode haver, na espécie, a depender das circunstâncias do caso concreto, autoria colateral ou incerta ou desconhecida, mas nunca co-delinqüência.
Quanto aos delitos culposos, em que pese antiga divergência sobre a possibilidade de concurso de pessoas, modernamente tem se admitido, com certa tranqüilidade, que alguém possa conscientemente contribuir para a conduta culposa de terceiro, residindo o elemento vontade na realização da conduta, e não na produção do resultado. Observe que, aqui, diferentemente do concurso de pessoas no crime doloso, o binômio consciência e vontade não repousa sobre o objetivo de alcançar fim criminoso comum (isto é, de praticar certo crime), mas sim de realizar a conduta culposa, manifestada na imprudência, imperícia ou negligência. Por isso, importante diferenciar o liame subjetivo, que existe no concurso de pessoas em crimes dolosos, do vínculo normativo, apresentado em face dos crimes culposos.
3.4. Identidade de infração penal.
Este, que é o quarto e último requisito, representa, na verdade, assim como o primeiro, mera obviedade. Aliás, Damásio afirma tratar-se a “identidade de infração para todos os participantes” não propriamente de um requisito, mas sim de verdadeira “conseqüência jurídica diante das outras condições”.[3]
De fato, impossível falar em concurso de pessoas se a concorrência criminosa, envolvendo dois ou mais agentes, cada um com sua conduta, interligados, no entanto, por vínculo subjetivo, não se destinar à prática de certa e determinada infração penal.
Enfim, a unidade de infração penal apresenta-se, conforme o posicionamento adotado: a) como requisito indispensável ao concurso de pessoas; b) como produto lógico-necessário em face do concurso de agentes.
Destaque-se que a infração penal deve ser ao menos tentada, já que o CP expressamente previu, no art. 31, que “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.
Importante mencionar que, à luz do princípio geral da unidade incriminatória (teoria monista), expressamente consagrado no caput do art. 29 do CP, tem-se que, uma vez reconhecido o concurso de pessoas, todos (autores e partícipes) responderão pelo mesmo tipo penal, salvo raríssimas exceções pluralísticas.
Referências Bibliográficas.
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1999.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 4 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.
JESUS, Damásio E. Direito Penal. v. 1. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
* Leonardo Marcondes Machado, Delegado de Polícia em Santa Catarina. Especialista em Ciências Penais pela UNISUL / IPAN / LFG. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Colaborador-articulista de diversas revistas eletrônicas.